Uma praça boa de briga

No inicio do século XX, a praça em estilo parisiense, rodeada por um largo boulevard e prédios em estilo eclético, entre eles, soberano, o Theatro Municipal

Só movimento coletivo pode trazer a Cinelândia de volta ao posto de símbolo do Rio

Por Eliane Azevedo | ODS 11ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 5 de dezembro de 2015 - 08:29 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:53

No inicio do século XX, a praça em estilo parisiense, rodeada por um largo boulevard e prédios em estilo eclético, entre eles, soberano, o Theatro Municipal
No inicio do século XX, a praça em estilo parisiense, rodeada por um largo boulevard e prédios em estilo eclético, entre eles, soberano, o Theatro Municipal
No inicio do século XX, a praça em estilo parisiense, rodeada por um largo boulevard e prédios em estilo eclético, entre eles, soberano, o Theatro Municipal

A fotografia mostra uma praça parisiense, rodeada por um largo boulevard e prédios em estilo eclético, entre eles, soberano, o Theatro Municipal. Há bondes, gente enfatiotada circulando, e posso jurar que o aroma açucarado de pão doce – ou madeleines! – e chá das cinco ficou registrado em sépia da mesma forma que a simetria das árvores e a ondulação das calçadas. Praça Marechal Floriano, início do século 20, diz a legenda.

Minha legenda mental replica, “Cinelândia” – e me vem no rosto o vento da esquina com a Rua do Passeio dos anos 1970, o passeio anual familiar ao Centro do Rio. Um dia encantado no qual percorríamos livrarias e papelarias até fechar atravessando a praça, os letreiros dos cinemas já piscando, rumo aos chocolates e balas de alcaçuz da Kopenhagen, logo ali atrás na Senador Dantas. E me vem na boca o gosto salgado do choro da perda das Diretas Já, a multidão inconsolável em frente à escadaria do Palácio Pedro Ernesto, que nunca pareceu tão longa, tão pouco acolhedora.

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Seja por memória afetiva, por senso de cidadania, por amor à cidade ou por respeito a um dos mais belos conjuntos arquitetônicos do Rio – salvemos a Cinelândia

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Voltei a frequentar diariamente o Centro há alguns meses, por motivos profissionais – e a Cinelândia. Em meio ao caos de pessoas apressadas, pivetes e arrastões, manifestações contra tudo e nada, o cheiro permanente e enjoativo de fritura, a sujeira e a decadência, ainda pulsa, sim, a praça de Augusto Malta, das estreias cinematográficas, das óperas, das belas artes e da imponente Biblioteca Nacional. É preciso ter boa vontade, admito, e tentar olhar a Cinelândia como se estivesse no Fórum Romano, aqui temos um bocadinho de Eliseu Visconti, aquele pedaço ali é Bernardelli; a obra do VLT ainda não desenterrou tesouros como na zona portuária, mas deve estar permeada pelo rebolado das atrizes dos teatros de revista, pelos tropeços da boemia que fez a história da música popular brasileira no Café Nice, pelo voo da borboleta amarela que encantou Rubem Braga.

A praça das grandes manifestações hoje convive com pivetes, arrastões e o cheiro enjoativo de fritura

Seja por memória afetiva, por senso de cidadania, por amor à cidade ou por respeito a um dos mais belos conjuntos arquitetônicos do Rio – salvemos a Cinelândia. Nesse momento em que tudo ali é um buraco só, mas na esperança de que no fim das obras haja um Centro mais humanizado, urge, clama-se, roga-se por um movimento coletivo de ocupar a praça e resgatar tudo o que há de bom nela, sua enorme vocação cultural e cívica. Os prédios estão lá, as pessoas estão lá, os bares estão lá. É o caso de unir governos federal, estadual e municipal, e a iniciativa privada – todos têm equipamentos culturais na região –, além das empresas dos arredores e empreendedores. Ninguém tem nada a perder.

Andei lendo nos últimos tempos que há projetos em curso na região, um novo centro cultural, a reabertura do Teatro Serrador. Mas o fato é que, nesse meio do caminho entre a Lapa – a primeira a renascer – e do novo xodó carioca, a Praça Mauá, a Cinelândia é o patinho feio, a terra de ninguém, especialmente à noite e nos fins de semana. É preciso, sim, um projeto de segurança pública. E é preciso um choque de cidadania, que permita integrar todos os ocupantes legítimos da praça, porque a Cinelândia não pode pertencer apenas a quem paga ingresso. Isso não é justo com a praça que abriga todas as brigas, em particular as inglórias.

Salvemos a Cinelândia e vamos fazer as pazes com esse símbolo tão caro de nossas contradições, para sentar enfim num de seus bancos, sem medo, sem maiores ambições, apenas por ser um bom lugar de se estar.

 

Eliane Azevedo

Jornalista, passou por redações como Veja, O Globo, Jornal do Brasil, O Dia, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e Gazeta Mercantil. Em comunicação corporativa, trabalhou nas agências C&Lage e Textual -- nesta, como gerente da conta da Coca-Cola. Atualmente, é gerente de imprensa do Sistema FIRJAN. É autora de livros institucionais e co-autora, com Sergio Garcia, de "Todo Dia é Segunda-Feira", de José Mariano Beltrame (Sextante)

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