Maioria dos municípios do Brasil está vulnerável aos impactos climáticos

Pelo menos 65% das cidades brasileiras têm baixa ou baixíssima capacidade de adaptação aos desastres naturais, como ondas de calor, chuvas fortes e secas prolongadas

Por Liana Melo | ODS 11ODS 13 • Publicada em 5 de março de 2025 - 08:52 • Atualizada em 5 de março de 2025 - 11:03

Morro da Oficina, em Petrópolis, onde deslizamento matou dezenas de pessoas: Dos 5.570 municípios brasileiros, 65% têm baixa ou baixíssima capacidade de adaptação aos desastres naturais (Foto: Tomás Silva / Agência Brasil – 14/03/2022)

As cidades brasileiras estão preparadas para enfrentar os fenômenos naturais? A resposta é curta e grossa: não.  Dos 5.570 municípios brasileiros, 65% deles, ou 3.679 cidades de Norte a Sul do país, têm baixa ou baixíssima capacidade de adaptação aos desastres naturais, como ondas de calor, secas prolongadas e chuvas fortes, de acordo com a Plataforma AdaptaBrasil, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Os eventos extremos viraram o novo normal no mundo e o Brasil, especialmente, está totalmente despreparado para essa nova realidade climática.

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O ano passado foi o prenúncio do que está por vir. Praticamente 90% dos municípios gaúchos ficaram debaixo d´água, enquanto a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal enfrentaram a pior estiagem em 75 anos. Cada vez mais intensos, frequentes e globais, os eventos extremos, como a onda de calor que se abateu sobre o Rio de Janeiro nos primeiros dias de 2025, estão mostrando que “temos que fazer adaptação bombar na COP30”, como sugeriu, em entrevista ao Valor Econômico, a secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Toni: “Não adianta só descarbonizar.”

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“Dado o grau de vulnerabilidade social e ambiental, e a insuficiência de políticas públicas ao longo da história, o Brasil é um país extremamente vulnerável aos impactos climáticos”, resume, sem meias palavras, Inamara Santos Mélo, coordenadora geral de Adaptação na Secretaria Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente. Segundo o Monitor de Desastres da Política por Inteiro, uma iniciativa do Instituto Talanoa, o governo reconheceu, na última década, que 77% dos municípios brasileiros passaram por alguma situação de emergência ou calamidade devido a eventos extremos, como tempestades, secas, estiagens, incêndios florestais.

Não existe nenhum município brasileiro que esteja com toda uma agenda de adaptação, sem nenhuma vulnerabilidade socioambiental

Inamara Santos Mélo
coordenadora geral de Adaptação na Secretaria Nacional de Mudança do Clima do MMA

Calcula-se que eventos associados à mudança do clima tenham causado no Brasil danos materiais de R$ 421 bilhões em uma década, entre 2014 e 2023, atingindo 5 milhões de pessoas diretamente. Sem falar nos impactos à saúde, os prejuízos em safras agrícolas e ainda comprometendo o abastecimento de água e energia.

Uma resposta à altura da complexidade do problema não é tarefa fácil. “Precisamos de uma ação conjunta dos governos, empresas e sociedade para fortalecer a resiliência climática”, defende Mélo. No último dia 12 de fevereiro, o Ministério do Meio Ambiente lançou uma iniciativa que, há tempos, vem sendo defendida pelo governo: o Programa AdaptaCidades, que ajudará estados e municípios na construção de planos locais e regionais de adaptação à mudança do clima, dado que a crise climática é um tema que atravessa todas as áreas de uma gestão municipal ou estadual.

A adesão ao programa é voluntária e o objetivo é capacitar gestores públicos na elaboração de planos de adaptação climática. Por enquanto, 18 estados e mais o Distrito Federal aderiram. Quatro outros estados estão tramitando o processo internamente: Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco. Pará, Roraima, Sergipe e Paraíba não aderiram – junto com Maranhão e Piauí, a Paraíba é, segundo a Plataforma AdaptaBrasil, um dos estados brasileiros com baixíssima capacidade adaptativa.

Um total de 500 os municípios já se comprometeram a dar o pontapé inicial nos seus planos de adaptação. “Não existe nenhum município brasileiro que esteja com toda uma agenda de adaptação, sem nenhuma vulnerabilidade socioambiental”, analisa Mélo, comentando que algumas cidades, como é o caso de Santos, no litoral paulista, já tem uma agenda de adaptação em vias de ser implementada.

Ela citou ainda Niterói, no Rio de Janeiro, que também tém uma agenda mais avançada com medidas sendo implementadas e Recife, capital pernambucana, que recebeu um financiamento do BID, de R$ 2 bilhões, para tratar de um grave problema que envolve moradia em área de risco: o ProMorar. A cidade ocupa a 16ª posição do ranking das cidades mais vulneráveis do mundo às mudanças climáticas. É ainda uma das mais ameaçadas pelo avanço do nível do mar no país e um terço da sua população mora em área de risco.

A iniciativa AdaptaCidades nos fará liderar pelo exemplo”, afirmou a ministra Marina Silva, durante a cerimônia de lançamento do programa. “A partir dela, queremos ajudar prefeitos e prefeitas a saber onde ‘bater o martelo’”, complementou. “Vamos sair da gestão do desastre para a gestão do risco”. Com recursos provenientes do Fundo Verde para o Clima e outras fontes de financiamento, o AdaptaCidades conta um caixa de R$ 18 milhões.

Com a iniciativa, colocou-se em prática o que vem sendo chamando de “federalismo climático”. O governo deu os primeiros passos no Plano Clima, que dará o norte da política climática brasileira, e terá, até às vésperas da COP30, que lançar a Estratégia Nacional de Adaptação – em conjunto com a Estratégia Nacional de Mitigação, o governo pretende enfrentar a crise climática e descarbonizar a economia.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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