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Bairro Peixoto, onde Copacabana nem parece Copacabana

Pequeno trecho arborizado, quase sem comércio e com prédios mais baixos contrasta com o movimento intenso das vizinhanças

ODS 11 • Publicada em 1 de julho de 2025 - 08:35

A viagem deste #RioéRua pelos cinemas de Copacabana das últimas décadas do século passado acendeu memórias de uns tantos leitores e amigos que mandaram mensagens para lembrar de outros lugares – da loja Sloper à filial da Confeitaria Colombo – e até de outros cinema: dos filmes de arte do Cinema 1, perto do Leme, às salas da Galeria Alaska, no posto 6. E também teve cobrança: que as minhas andanças já tinham passado pela praia, pela região do Lido e por bares diversos, mas jamais tinham chegado ao Bairro Peixoto – na verdade, um bairro informal, um sub-bairro na definição da prefeitura, apenas 10 ou 12 quadras perto dos morros (Cabritos e São João) que separam Copacabana de Botafogo.

Ruas arborizadas, prédios baixos, sem comércio: no Bairro Peixoto, Copacabana nem parece Copacabana (Foto: Oscar Valporto)
Ruas arborizadas, prédios baixos, sem comércio: no Bairro Peixoto, Copacabana nem parece Copacabana (Foto: Oscar Valporto)

Talvez este RioéRua não tivesse passado por ali porque o Bairro Peixoto é onde Copacabana menos parece Copacabana – aquelas referências do comércio intenso e aquele paredão de edifícios acima de 10 andares, colados uns aos outros, não existem neste pedaço, urbanizado de maneira totalmente diversa. Na década de 1930, quase um século atrás, os primeiros prédios começavam a subir na orla: o Edifício Lellis, o primeiro a ser inaugurado em 1928, tinha oito andares, seguiram-se o Ribeiro Moreira, com 13 pavimentos, o Orânia, com nove pavimentos, e o Petrônio, também com 13. Os terrenos, perto da praia, começavam a ser divididos em lotes para serem vendidos mas ainda havia grandes propriedades em Copacabana.

Na região próxima ao primeiro túnel ligando Botafogo a Copacabana, o Túnel de Real Grandeza (conhecido até hoje como Túnel Velho, apesar de batizado oficialmente de Alaor Prata há mais de 50 anos), ficava a chácara do comerciante português Paulo Felisberto Peixoto da Fonseca, que chegou ao Brasil em 1875, prosperou com armazéns e mercearias, passou a administrar bens de patrícios que voltaram a Portugal. Na virada do século, já tinha adquirido a chácara que começava na Rua Tonelero e ia até a subida os morros: a história do bairro registra que a chácara do já comendador Peixoto tinha árvores frutíferas, bambuzal, lagos e até uma área de pastagens para seu gado leiteiro.

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Viúvo da brasileira Orminda em 1929, sem filhos, o comendador doou as terras da chácara para cinco instituições de caridade, ainda em vida: em 1938, sua doação permitia o loteamento das terras mas estabelecia que as edificações não poderiam ter estabelecimentos comerciais e nem mais de três pavimentos. Peixoto manteve sua casa na Tonelero, onde morreu em 1947 quando a área de sua chácara já começara a ser urbanizada. Na praça principal desta nova região de Copacabana, foi inaugurado, em 1944, uma escultura em homenagem ao comendador: um peça de granito com duas peças de bronze, uma efígie de Peixoto e uma placa com a inscrição ‘Para a cidade um bairro; Para a criança um lar; Para o doente um leito; e Para o velho uma casa’, lembrando suas benfeitorias para o Rio e as instituições de caridade.

Placa indicando a entrada para o Bairro Peixoto: características estabelecidas pelo proprietário da antiga chácara que doou suas terras (Foto: Oscar Valporto)
Placa indicando a entrada para o Bairro Peixoto: características estabelecidas pelo proprietário da antiga chácara que doou suas terras (Foto: Oscar Valporto)

Oitenta anos depois, o Bairro Peixoto mantém ainda as características estabelecidas pelo comendador naquelas poucas ruas – Tenente Marones de Gusmão, Maestro Francisco Braga, Décio Vilares, Capelão Álvares da Silva, Henrique Oswald e a praça Edmundo Bittencourt; seus limites são a movimentada Tonelero, entre as largas ruas Santa Clara e Figueiredo Magalhães, e os trechos dessas duas ruas entre a Tonelero e a Praça Vereador Rocha Leão, sobre o Túnel Velho, nos limites do morro. Nessas ruas internas, praticamente não há estabelecimentos comerciais (com exceção de um bar e uma mercearia), mas alguns prédios – uma dúzia, talvez – conseguiram furar, ao longo dos anos, o gabarito de quatro andares (a prefeitura, logo após a morte do comendador, autorizou mais um pavimento no Bairro Peixoto).

Devoção à Nossa Senhora de Fátima na Praça Edmundo Bitencourt: tranquilidade do Bairro Peixoto contrasta com movimento de Copacabana (Foto: Oscar Valporto)
Devoção à Nossa Senhora de Fátima na Praça Edmundo Bitencourt: tranquilidade do Bairro Peixoto contrasta com movimento de Copacabana (Foto: Oscar Valporto)

As ruas arborizadas têm pouco movimento de carros, desestimulado pelo limite de velocidade de 30 km/h – o que, aliás, devia valer para todas as áreas residenciais da cidade. Na larga Praça Edmundo Bitencourt (oito mil metros quadrados), o coração do Bairro Peixoto, convivem crianças brincando, jovens conversando, idosos jogando cartas (ou damas ou xadrez) e usando os aparelhos de ginástica, moradores passeando com seus cachorros e até devotas de Nossa Senhora de Fátima, que rezam ao lado da imagem da santa instalada ali. A praça – além da área dos brinquedos para crianças e das atividades para adultos – também abriga um chafariz (com água jorrando), um busto de Edmundo Bitencourt, fundador do jornal Correio da Manhã, cercado por uma horta comunitária, uma placa em homenagem ao jornalista Artur Xexéo (morador do bairro por 30 anos, falecido em 2021) e a escultura para o comendador Peixoto – que, na semana passada, estava sem uma das placas.

Crianças brincando na Praça Edmundo Bitencourt: espaço de convivência no Bairro Peixoto (Foto: Oscar Valporto)
Crianças brincando na Praça Edmundo Bitencourt: espaço de convivência no Bairro Peixoto (Foto: Oscar Valporto)

Ao longo dos anos, tornou-se clichê dizer que o Bairro Peixoto era um oásis em Copacabana – de tão repetido, a associação de moradores foi batizada de Oásis. Os moradores têm orgulho das características do lugar, não sentem falta do comércio (estão a duas quadras do movimento da ‘verdadeira’ Copacabana) e sabem que são privilegiados pela proximidade da estação do metrô e de um batalhão da PM. Mas lembram que os dramas da metrópole agora alcançam seu oásis: às vezes, são acordados por tiros vindos das favelas do Morro dos Cabritos ou da Ladeira Tabajaras – causados pelas sempre desastradas operações policiais ou por conflitos entre facções; às vezes, amanhecem com os bancos das praça ocupados por pessoas em situação de rua, alguns deles dependentes de crack e outras drogas.

Mesmo assim, num fim de manhã no começo do inverno, é possível circular por este canto do bairro mais populoso da Zona Sul e se esquecer de onde está. “Nem parece Copacabana” é outro clichê do Bairro Peixoto.

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