Está com frio? Eles também

Cada cobertor oferecido pelo projeto Meias do Bem é feito a partir de 40 pares de meias usadas. Foto Divulgação

População de rua cresce com a crise e torna as tradicionais campanhas de agasalhos cada vez mais necessárias

Por Paula Autran e Reneé Rocha | ODS 10 • Publicada em 15 de agosto de 2019 - 10:12 • Atualizada em 15 de agosto de 2019 - 15:35

Cada cobertor oferecido pelo projeto Meias do Bem é feito a partir de 40 pares de meias usadas. Foto Divulgação
Cada cobertor oferecido pelo projeto Meias do Bem é feito a partir de 40 pares de meias usadas. Foto Divulgação
Cada cobertor oferecido pelo projeto Meias do Bem é feito a partir de 40 pares de meias usadas. Foto Divulgação

Faça sol ou faça chuva, frio ou calor, iniciativas que ajudam a levar agasalhos a quem precisa existem o ano inteiro. E, mesmo que o inverno já esteja se encaminhando para o fim, em setembro, é sempre tempo de colaborar. Ideias criativas para fazer chegar à população de rua um cobertor ou um agasalho não faltam. Há quem transforme nossas meias furadas, puídas e manchadas em cobertores doados principalmente aos sem-teto, ou quem transforme um muro em uma vitrine, onde é possível deixar o que não se quer mais e pegar o que se precisa. Sem pagar nada. Afinal, ser solidário não é sazonal nem sai de moda.

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Não temos como contabilizar tudo o que entra e sai. A rotatividade é grande e a maioria das doações é de roupas, de todas as faixas etárias. No inverno, damos um foco especial para a arrecadação de agasalhos. Fazemos campanhas internas, com cartazes, e temos aqui dentro o baú da gentileza, onde a comunidade deixa doações que vão direto para o muro

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Há três anos, o muro do Colégio São Vicente de Paulo, no Cosme Velho, não é mais o mesmo. Inspirado em uma iniciativa que surgiu no Irã, ele se tornou o Muro da Gentileza, ganhando ganchos e prateleiras para que as pessoas coloquem os objetos dos quais querem se desapegar e retirem o que quiserem: “No Irã esta é uma cultura muito forte, por conta do rigoroso inverno que eles têm e pela população muito pobre”, conta  Laura Régent, coordenadora Comunitária do São Vicente. Segundo ela, por iniciativa da professora de Sociologia do colégio, Renata Salomone, ao estudar o Irã, os alunos mergulharam em uma pesquisa sobre o país e esbarraram na história do muro. “Fizemos, então, uma alusão ao Profeta Gentileza para uma releitura bem carioca do muro iraniano. Pois gentileza gera gentileza. E nossa intenção é criar uma cultura local com objetivo de inclusão e desapego, com a mensagem: deixe alguma coisa que não quer mais e pegue o que precisa”.

Inspirado em uma experiência do Irã, o Muro da Gentileza, do Colégio São Vicente, tem ganchos e prateleiras para que as pessoas coloquem os objetos descartados e retirem o que precisam. Foto Acervo do Colégio São Vicente

De 2016 para cá, já foram toneladas de doações e milhares de pessoas que deixaram e pegaram coisas. “Não temos como contabilizar tudo o que entra e sai. A rotatividade é grande e a maioria das doações é de roupas, de todas as faixas etárias. O São Vicente, que tem como objetivo formar agentes de transformação social, abraça muitos projetos. E, no inverno, damos um foco especial para a arrecadação de agasalhos. Fazemos campanhas internas, com cartazes, e temos aqui dentro o baú da gentileza, onde a comunidade vicentina deixa doações que vão direto para o muro. Mas já apareceu de tudo, até biquíni. Sem contar livros, brinquedos, panelas, aparelho de som, DVD e ferramentas, como alicate”, conta Laura, acrescentando que a direção da escola acompanha diariamente o que chega, para ver se há algo inadequado, o que nunca aconteceu”. Às vezes chegam poesias, desenhos e quadrinhos feitos pelos alunos, músicos deixam seus CDs… Tornou-se um projeto querido, um marco do bairro. Muitos moradores vão lá. Tem gente que vai segunda-feira, depois de arrumar os armários no fim de semana, com cinco sacolas de lixo cheias. Esta semana deixaram uniformes de motoristas e de empregadas…”.

Carta de agradecimento de um pessoa beneficiada pelo Muro da Gentileza. Foto Acerto do Colégio São Vicente

Laura relembra histórias que já se tornaram clássicas, como a de um gringo que ia para o Corcovado e deixou o boné do Reino Unido em troca de uma canga com a bandeira do Brasil. “A ideia é o intercâmbio mesmo, não só assistencialismo”, observa a coordenadora, ao falar de casos como o de uma moradora de rua do Largo do Machado que vende algumas coisas que pega. “Cada um pode fazer o que quiser com o que está lá. Se a pessoa deixou no muro, é porque desapegou. E quem leva faz o que bem entender com aquilo”. No muro – que este ano será repintado e ganhará uma nova placa, mais resistente – também são colocadas mensagens de agradecimento de pessoas que se dizem muito ajudadas graças à iniciativa, que já inspirou outras escolas e creches da região a criarem seus próprios muros da gentileza.

Outra iniciativa que mostra como é fácil ajudar, mesmo não tendo muito, é a campanha solidária Meias do Bem, da Puket. Desde 2013, a empresa fez de suas franquias – hoje são 167 espalhadas por todo o Brasil – pontos de coleta de meias velhas. Cada conjunto de quarenta pares (ou 80 unidades) é transformado em um cobertor de 1,70m por 1,90m. Os cobertores são distribuídos durante todo o ano a instituições conveniadas, a maioria de assistência a moradores de rua, idosos e crianças.

“Até junho deste ano, arrecadamos um total 3,3 milhões de meias, que renderam 40 mil cobertores. E de junho até o fim de julho foram fabricadas mais 5 mil unidades. Ou seja: 200 mil meias entregues em dois meses foram transformadas em cobertas”, comemora Octavio Stevaux, coordenador de Marketing da Puket, comparando o volume arrecadado a uma pilha de altura maior que a do Monte Everest: “Cada cobertor é resultado de 40 pares de meias. Assim, 45 mil cobertores equivalem a 3,6 milhões de meias. Como uma meia tem 3mm de espessura, se empilharmos as 3,6 milhões de meias, vamos ter uma pilha de 10,8 milhões de mm de altura, ou 10,8 mil metros, que são quase 2 mil a mais que o Everest, que tem 8,8 mil metros!”.

Stevaux reforça que, apesar do foco no inverno (quando acontecem as chamadas campanhas de reaquecimento), o recolhimento nas lojas acontece durante o ano todo. “Quando o frio vai chegando, o engajamento aumenta: escolas entram em contato com a gente, e fazem gincanas para arrecadação. Condomínios e prédios também fazem campanhas. Este ano, só a cidade de Caieras, em São Paulo, arrecadou 20 mil pares”, conta o gerente de Marketing, lembrando que só meias (com exceção das sociais) podem ser usadas na transformação em cobertores: “Só servem meias, porque o processo de fabricação tem máquinas que as desmontam para utilização das fibras. Este maquinário não consegue rasgar peças de tecido diferente. Para a confecção dos cobertores, são acrescentadas mais fibras elásticas e plásticas”.

A produção fica a cargo da Fibran do Brasil, com capacidade de fazer um cobertor a cada 3 minutos. São de 2 mil a 3 mil peças prontas por dia com os resíduos. “As instituições pedem, e a gente manda. Principalmente as religiosas, que distribuem os cobertores junto com sopa. Também distribuímos para cidades, quando há alguma tragédia, como a de Brumadinho”, diz ele, que tem parceria com uma transportadora. “Dois anos atrás houve uma onda de frio que até matou gente nas ruas. Chegamos a distribuir pijamas e cobertores de microfibra que havíamos feito para uma campanha promocional, em parceria com um evento”

Além dessas, campanhas de arrecadação de agasalhos não faltam em todo o país. A do supermercado Prezunic, que envolve toda a rede, por exemplo, existe há cinco anos e encerrou a edição 2019 tendo arrecadado 3,2 toneladas de roupas de frio (a meta eram 3 toneladas). Cada uma das 31 lojas escolhe uma instituição próxima para receber as doações arrecadadas na respectiva unidade. Desta vez, a que mais arrecadou foi a de Nilópolis, na Baixada Fluminense, que doou os agasalhos para paróquia da Igreja São Sebastião, uma das 26 instituições beneficiadas este ano.

Paula Autran e Reneé Rocha

Paula Autran e Reneé Rocha se completam. No trabalho e na vida. Juntos, têm umas quatro décadas de jornalismo. Ela, no texto, trabalhou no Globo por 17 anos, depois de passar por Jornal do Brasil, O Dia e Revista Veja, sempre cobrindo a cidade do Rio. Ele, nas imagens (paradas ou em movimento), há 20 anos bate ponto no Globo. O melhor desta parceria nasceu no mesmo dia que o #Colabora: 3 de novembro de 2015. Chama-se Pedro, e veio fazer par com a irmã, Maria.

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