ODS 1
A luta olímpica de uma Iyalorixá
Sacerdotisa do candomblé critica falta de representantes de religiões afro no Centro Ecumênico dos Jogos
“A minha função, meu destino, era lutar por aquilo e fazer com que minha voz fosse ouvida”, diz Heloisa Helena Costa Berto, com lágrimas escorrendo pela face. Mais conhecida como a Iyalorixá Luizinha de Nanã, descendente da Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, um dos mais antigos e respeitados terreiros de candomblé do Brasil, ela lutou contra as remoções na Vila Autódromo, comunidade próxima ao Parque Olímpico, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Agora, questiona a falta de representantes de religiões de matriz africana no Centro Ecumênico das Olimpíadas. A organização alega que há espaço para todos, desde que a presença seja requerida por qualquer atleta. “Eu poderia ser contra ter a minha religião nas Olimpíadas, mas não estar no Centro Ecumênico é um preconceito. Isso é retirar o princípio da nossa cultura, formada por negros”, protesta Heloísa, que promete responder à altura: “Vamos organizar inúmeros atos”.
Moradora há mais de 40 anos da Vila Autódromo, a candomblecista comandava a casa Yle Axe Ara Orun Yaba Jiyi, instalada no número 144 da Avenida Autódromo, que desde fevereiro não existe mais. Sua luta lhe rendeu duas medalhas, a Pedro Ernesto e a Dandara, ambas da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.
[g1_quote author_name=”Heloisa Helena Costa Berto” author_description=”Iyalorixá” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Eu poderia ser contra ter a minha religião nas olimpíadas, mas não estar no Centro Ecumênico é um preconceito
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Veja o que já enviamosA história com a Vila começou quando saiu de Campo Grande, também na Zona Oeste da cidade, para se mudar com a mãe, o padrasto, o marido e os dois filhos para a comunidade. Heloisa conta que a região era alvo da prefeitura há muito tempo. “Eduardo Paes, quando foi subprefeito da Barra (no início dos anos 1990), já dizia que ia tirar a Vila Autódromo de lá. O pessoal lutava muito, fazia barricada para a prefeitura não entrar”, lembra a religiosa, que faz questão de dizer que toda a infraestrutura foi construída pelos moradores.
Com o falecimento da mãe, em 1999, Heloísa deixou de ser uma ajudante para torna-se a matriarca da casa. Ela conta ter recebido, há cinco anos, um aviso espiritual de que teria de sair do local, e haveria conflitos.”Passei mais de uma semana sem parar de chorar, mas, ao mesmo tempo, o santo dizia que eu deveria lutar”.
Heloísa tentou um acordo com a prefeitura, sem sucesso. De acordo com a religiosa, houve diversos momentos de humilhação. “Cheguei a ficar sete horas esperando para ser atendida, mesmo tendo problemas na coluna. A pressão psicológica era muito forte. A intenção era baixar a moral das pessoas, para elas venderem suas casas por nada. Uma vez, tive um colapso nervoso”.
Para defender sua religião, no ano passado, Heloísa buscou apoio de Frei David, presidente da ONG Educafro. Assim, iniciou-se uma jornada que a levaria ao Senado Federal e até aos Estados Unidos, em busca da atenção da imprensa internacional. A mobilização lhe rendeu ameaças de morte, que a fizeram adoecer. Foram dois meses sem sair de casa, com síndrome do pânico. Desde então, precisa da ajuda de antidepressivos e ansiolíticos
O golpe mais duro, porém, foi quando sua casa veio abaixo. Segundo a Iyalorixá, a juíza expediu o mandado às 23h30, mas só à 1h ela soube da ordem para derrubar o imóvel. No fim do dia, às 19h, já não existia mais nada. Heloísa recebeu uma indenização, com a qual comprou uma nova casa, em Guaratiba, também na Zona Oeste do Rio. “O que você recebe é um valor menor, que não dá para comprar uma casa onde estava. Isso faz com que exista a separação e a elitização. Os ricos ficam mais perto e os pobres mais longe, onde educação e saúde não sou boas. Mas é um lugar tranquilo e estou reconstruindo”.
Graduada em administração de recursos humanos, pós-graduada em administração estratégica e cursando especialização em projetos sociais, Heloísa planeja fazer de seu novo lar também um centro de empoderamento negro feminino. “Me descobri uma pessoa forte. Não me arrependo de nada. Agora sei que tenho mais coisas a fazer do que pensava. Posso ser mais que uma iyalorixá. Religião não é só rezar, é ajudar e tentar mudar a vida de outras pessoas para a melhor”.
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Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.
Excelente artigo.
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