Vozes das ruas: ilustradora frequentava rondas de ONG para visitar a mãe

Experiência de viver por um mês nas calçadas de Copacabana, no Rio, marcou Lorena, que lidava com a violência todos os dias. Artista, ela sonhava com um emprego

Por Luiza Trindade | ODS 1ODS 10 • Publicada em 27 de julho de 2021 - 11:26 • Atualizada em 3 de agosto de 2021 - 10:12

Lorena: “Você tem que lidar com violência todos os dias. Tem que prestar atenção para não levarem suas coisas” | Reprodução/Vozes das Ruas

Lorena: “Você tem que lidar com violência todos os dias. Tem que prestar atenção para não levarem suas coisas” | Reprodução/Vozes das Ruas

Experiência de viver por um mês nas calçadas de Copacabana, no Rio, marcou Lorena, que lidava com a violência todos os dias. Artista, ela sonhava com um emprego

Por Luiza Trindade | ODS 1ODS 10 • Publicada em 27 de julho de 2021 - 11:26 • Atualizada em 3 de agosto de 2021 - 10:12

Lorena Kiarini, um nome que eu acho difícil esquecer. A última entrevistada da série do #Colabora, Vozes das Ruas. Por isso, talvez tenha sido a que ecoou dentro de mim por mais tempo. Não sei ao certo. Às vezes penso que era a idade próxima da minha, ou a inteligência e a força com que ela conduzia as respostas para as perguntas que eu fazia. Mas posso afirmar, com toda certeza, que sua arte me tocou. Lorena era artista, ilustradora, só não encontrou espaço para expressar seu trabalho.

Assista ao episódio de Vozes das Ruas: 

A jovem não estava em situação de rua na época da gravação – realizada antes da pandemia de coronavírus, no início de 2020. Mas a sua mãe estava. Por isso, frequentava as rondas do Projeto Ruas: para encontrar Elza, que estava fazendo um curso de gastronomia e sendo assistida pela ONG. Já Lorena, que chegou a estudar no Colégio Pedro II de São Cristóvão, estava morando em um depósito de praia com o pai. 

Juntamente com outras três histórias, Lorena faz parte da nova série documental do #Colabora, Vozes das Ruas. A produção traz depoimentos gravados durante as rondas da ONG Projeto Ruas, que presta apoio e assistência a pessoas sem moradia no Rio de Janeiro.

Mais: Todas as histórias da série Vozes das Ruas

“A minha infância até um certo momento da vida, lá para os 9, 10 anos, foi ok. Foi uma vida normal de classe média, até que começou a vir umas desventuras dos meus pais em relação a negócios, em relação a dinheiro, em relação à drogas. Chegou um momento que eu estava sozinha em casa, enquanto o meu pai bebia e a minha mãe estava na rua comprando droga. Eu ia para escola sozinha, mas com o tempo eu consegui me virar. Não sei como”, relembra. 

Mais: Estupros, humilhações e agressões – a vida das mulheres em situação de rua em São Paulo

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As pessoas te olham como se você estivesse por conta própria abandonando a sociedade. Sendo que não é verdade, é a sociedade que abandona você.

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Lorena, embora tivesse uma moradia, faz parte da parcela de brasileiros que já estiveram em situação de rua pelo menos uma vez na vida. Ela chegou a dormir na rua quando era criança, por um tempo curto, e em 2018 por um mês.

“Eu passei quase um mês dormindo na rua. É angustiante, você realmente percebe o desprezo das pessoas. As pessoas te olham como se você estivesse por conta própria abandonando a sociedade. Sendo que não é verdade, é a sociedade que abandona você, não é você que abandona a sociedade. É difícil, você tem que lidar com violência todos os dias. Tem que prestar atenção para não levarem suas coisas. Você tem sempre que estar contando com a sua integridade, não pode deixar sua guarda baixa em momento algum, nem quando estiver dormindo”. 

A jovem tinha 21 anos e se colocava para o mundo com uma maturidade enorme de quem se deparou com a vida muito cedo. Seu maior medo era a perda, perdas materiais, perdas emocionais e acima de tudo, perder pessoas. Seu sonho era morar em uma casa confortável e trabalhando com ilustração e animação, que era o que ela amava e fazia muito bem. Mas não teve oportunidades de mostrar seu talento. 

Lorena foi vítima de uma atropelamento e morreu no dia 11 de janeiro deste ano. Havia iniciado um trabalho como Jovem Aprendiz em uma empresa de tecnologia. O Projeto Ruas segue acompanhando e dando suporte à Elza, que também estava em situação de rua. Que por meio desta série documental, a arte de Lorena seja vista e celebrada.

Ilustração feita por Lorena (Foto: Arquivo pessoal)
Luiza Trindade

Luiza Trindade é jornalista e cineasta. Seu documentário de estreia é o "Adelante - A luta das venezuelanas refugiadas no Brasil", uma co-produção com a editoria Celina, do jornal O Globo. Ainda abordando esse tema realizou um curta-documental de uma oficina artística com o apoio da PARES Cáritas e do Acnur. Os registros ficaram expostos no Sesc Madureira por um mês em 2019. Luiza trabalhou como assistente de direção no filme "Lulli", da Netflix, e também dirigiu e roteirizou o videoclipe "Granada", da cantora Bia B.

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