Vai ter negro na propaganda, sim! Tá bom pra você?

A websérie da família do ator Érico Brás comemora 4 anos com campanha contra o racismo na publicidade

Por Telma Alvarenga | ODS 1 • Publicada em 17 de dezembro de 2016 - 19:56 • Atualizada em 19 de dezembro de 2016 - 16:12

Érico, Kênia, Gabriela e Mateus: websérie chamando a atenção para a falta de negros na publicidade e na TV. Foto: Renee Rocha

 

Érico, Kênia, Gabriela e Mateus: websérie chamando a atenção para a falta de negros na publicidade e na TV. Foto: Renee Rocha
Érico, Kenia, Gabriela e Mateus: websérie chamando a atenção para a falta de negros na publicidade e na TV. Foto: Renee Rocha

Já assistiu a um comercial de margarina só com atores negros? Aliás, quantos afro-descendentes você já viu em comerciais? Dou-lhe uma… Dou-lhe duas… Deu branco? Nunca parou para pensar sobre isso? Pois o ator Érico Brás, o Jader, de “A Lei do amor”, trama das 21h da Globo, e sua família não só refletem muito sobre o tema como resolveram fazer dele um dos assuntos centrais de um canal no YouTube: o Tá Bom Pra Você? Criada em 2013, a websérie retrata cenas cotidianas de racismo. Em outubro, após uma pausa, a série voltou com novos episódios e terá novidades em 2017, quando completa quatro anos. Entre elas, uma campanha, em jornais e revistas, por uma maior representatividade de  negros na publicidade. Fotos assinadas pelo badalado Fernando Torquatto  vão reproduzir comerciais de produtos, como o xampu infantil e o absorvente íntimo, só com atores e modelos negros. O projeto é uma parceira da Kbra Produções, de Érico e sua mulher e empresária, Kenia Maria, com a Heads Propaganda, e conta com o apoio do Ministério Público de São Paulo e de vários artistas negros.

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Ter negros fazendo papéis que não sejam de escravos, na TV, é uma conquista, mas muito pequena

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O questionamento sobre a falta de negros na publicidade brasileira sempre esteve presente no Tá Bom Pra Você?.  Na primeira temporada, um dos episódios com maior audiência foi o Margarina Black.  Com Érico, Kenia e os filhos interpretando o comercial clichê da família feliz no café da manhã: “Porque negro também come pão, com margarina”, fazem coro. O assunto voltou à baila na segunda temporada. Em um vídeo, as  atrizes Zezé Motta e Ruth de Souza dão depoimentos falando sobre o preconceito. Contam que fizeram apenas dois comerciais na vida. A primeira tem 50 anos de carreira. A segunda, 70.

A presença do negro na TV, hoje, está maior, Érico admite. Os negros já não são mais chamados apenas para viver papéis estereotipados.  “Ter negros fazendo papéis que não sejam de escravos é uma conquista, mas muito pequena”, ressalva. “Não estamos conformados”.  Ele lembra a personagem de Tia Anastácia no Sítio do Picapau Amarelo. “Não sabemos se a Anastácia é casada, se tem filho, onde mora… Não sabemos nada dessa mulher.  Mas a gente vai contar”, ri, falando de um próximo episódio do Tá Bom Pra Você?.

A websérie começou como uma produção caseira e coletiva. As gravações, em geral, aconteciam no apartamento da família, em Laranjeiras. Érico, a mulher, e os filhos, Gabriela e Mateus Dias, participam como atores e dão ideias de temas e pitacos nos roteiros um dos outros. Hoje, mesmo às voltas com as gravações da novela das 21h e do Zorra, humorístico semanal da TV Globo, o ator tenta encontrar uma brecha para continuar participando do projeto. Ele foi idealizado por sua mulher, que também é atriz, e por Gabriela, de 17 anos,  que faz curso de teatro e vai se lançar como cantora, em breve. Mateus, de 20, é  estudante de Biomedicina, e anda preferindo fazer apenas figuração nos episódios, sem falas.

A militância faz parte do dia a dia da família. Foi Gabriela quem teve a ideia da websérie.  A moça nasceu na Venezuela, onde sua mãe trabalhava com marketing esportivo.  “Naquela época, não havia lei contra o racismo no país. Na escola, eu e meu irmão sofríamos muito.  Quando viemos para o Brasil, em 2008, achei que aqui iria ser diferente, que eu ia me encontrar… Não foi assim”, lamenta. Na nova escola, no Rio, ela diz ter enfrentado o mesmo preconceito que sofria no país onde nasceu. “Falavam do meu cabelo, da minha pele… Isso para uma criança é muito forte”.

Gabriela ficou chocada quando uma revista feminina, falando da África, fez um ensaio com uma modelo francesa, branca. “Pintaram ela de preto. Fiquei espantada. Comentei com a minha mãe. Queria fazer alguma coisa para expressar a minha indignação”. Da conversa, surgiu a ideia do canal no Youtube.

Hoje, o Tá Bom Pra Você? é usado em escolas.   “Os professores exibem os episódios nas aulas de história, sociologia, filosofia”, conta Érico. “Esse projeto é uma contribuição social, que existe muito na raça, na vontade de fazer”.

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Somos uma família negra no bairro de Laranjeiras, que é muito conservador. Então, logo que fomos morar lá, vimos o racismo bater à nossa porta

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Casados há quatro anos, Kenia e Érico estão escrevendo uma peça juntos, inspirada no projeto. Eles próprios protagonizarão o espetáculo, que tem título provisório de Double Black. A ideia é estrear em 2017.  “É um pouco comédia romântica, um pouco stand-up, um pouco ‘Tá bom pra você?’”, ela adianta. O que não falta ao casal, infelizmente, são histórias de preconceito para contar.  A coleção é grande. “Somos uma família negra no bairro de Laranjeiras, que é muito conservador”, diz Kenia. “Então, logo que fomos morar lá vimos o racismo bater à nossa porta”. Literalmente. Quando Érico foi receber o entregador de pizza, o rapaz foi logo conferir o número do apartamento: ‘Não é aqui não, né?’”, perguntou, constrangido. Era. Em outra ocasião, bateram para entregar material para um pedreiro, branco, que fazia obra na casa da família.  “Quando abri a porta, ele não quis me entregar. Precisou o pedreiro vir, dizendo que era ali mesmo, para que ele deixasse a encomenda…”, lembra Kenia.

Muitos dos episódios do Tá Bom Pra Você? são inspirados em situações que a família passou. Como o do casal que vai a um restaurante chique e, apesar de ver o salão vazio, é barrado na porta, porque “a casa está reservada para um grupo de holandeses”. Aconteceu com  Érico e Kenia, em São Paulo.  “O brasileiro não admite que é racista. Então, se o problema não existe, não se conversa sobre ele. E o maluco é você (que diz sofrer preconceito). Ainda temos que provar que não somos loucos”, Kenia ri.

A atriz e empresária tem sido convidada para dar palestras sobre o tema.  Este ano, ela participou do TED X, em São Paulo, falando sobre as questões que retrata no Tá Bom Pra Você?.  “Os negros representam mais da metade da população do país e consomem  mais de R$ 1,5 trilhão por ano. Mas estamos representados em apenas 4% da produção audiovisual brasileira, inclusive, na publicidade. E se a gente parar de comprar?”, questiona.

Telma Alvarenga

Jornalista formada pela PUC-Rio. Tem passagens pela revista Veja, Veja Rio, Jornal do Brasil, O Globo, Correio (BA) e Projeto #Colabora, desempenhando funções de editora, colunista e repórter. Professora no curso de Comunicação Social da Faculdade Social da Bahia em 2010, está finalizando seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio

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