Um dia histórico para as mulheres

Manifestantes vão às ruas no mundo todo para protestar contra os retrocessos representados por Trump

Por Manuela Andreoni | ODS 1 • Publicada em 22 de janeiro de 2017 - 14:37 • Atualizada em 23 de janeiro de 2017 - 11:05

Cerca de 2,5 milhões de pessoas marcharam no mundo todo em protesto contra as ameaças do governo Trump. Foto de Manuela Andreoni
Cerca de 2,5 milhões de pessoas marcharam no mundo todo em protesto contra as ameaças do governo Trump. Foto de Manuela Andreoni
Cerca de 2,5 milhões de pessoas marcharam no mundo todo em protesto contra as ameaças do governo Trump. Foto de Manuela Andreoni

A única vez que Susan Wood saíra de casa para ir a uma passeata fora em 1969. No dia 15 de novembro daquele ano, centenas de milhares de pessoas como ela dominaram os gramados de Washington para protestar contra a guerra do Vietnã. Dois amigos de Susan haviam morrido na guerra, e ela decidiu pegar cinco horas de estrada para ir de Connecticut, onde vivia, até a capital. A manifestação foi um marco, e a partir dela o sentimento contra a guerra ganhou força. Em 1973, os Estados Unidos decidiram retirar seus soldados do Vietnã.

[g1_quote author_name=”Angela Davis” author_description=”Filósofa e líder feminista” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Nós representamos as poderosas forças de mudança. Determinadas a prevenir que as culturas moribundas do racismo, do patriarcado heterossexual se fortaleçam de novo

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“Fez diferença naquela época, então deve fazer agora”, diz Susan, hoje com 67 anos, ao lado de sua filha, Courtney, e as duas netas, Lorelei e Emilia.

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As três gerações da família Wood participavam da Marcha das Mulheres em Washington, ao lado de centenas de milhares de pessoas. Muitas estavam em grupos de mães e filhas, como elas. Diferentemente de 1969, as cabeças brancas e grisalhas como a de Susan pontilhavam na multidão, com cartazes como, “eu não quero voltar aos anos 1950” e “nós já falamos sobre isso”. Mulheres jovens estavam igualmente representadas: “eu não pensava que seria uma feminista-queima-sutiã”, dizia outro cartaz.

As várias gerações da família Wood com seus cartazes, em Washington. Foto de Manuela Andreoni

Angela Davis, ícone do movimento de contracultura dos anos 1960 e 1970, contextualizou o encontro de gerações, em um dos discursos mais aplaudidos da manifestação: “Nós representamos as poderosas forças de mudança. Determinadas a prevenir que as culturas moribundas do racismo, do patriarcado heterossexual se fortaleçam de novo”.

O pedido era mais complexo do que o uníssono “pare a guerra”, que Susan gritou em 1969, quando Richard Nixon se tornou presidente. Em 2016 se lutava, em grande parte, por direitos já conquistados, como igualdade racial e de gênero, e o direito ao aborto. Os objetivos não eram tão práticos. Mas, mesmo que poucas manifestantes tivessem dificuldade de cravar as consequências práticas que gostariam de ver a partir dali, havia uma certeza, como em 1969: faziam parte de um dia histórico.

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Quantas vezes na vida temos a chance de fazer história?

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Este sentimento empurrou muitas mulheres a enfrentarem horas de estrada para estar ali. Carol Williams, de 63 anos, veio da Flórida a 14 horas de distância, com um grupo que lotou três ônibus. “Quantas vezes na vida temos a chance de fazer história?” ela respondeu, ao justificar sua presença. Já em Washington, encontrou sua irmã mais velha, vinda de Indiana, 10 horas para o noroeste. Todas haviam decidido ir a marcha já nos primeiros dias depois do resultado das eleições ser proclamado. “Nós sabíamos apenas que tínhamos que fazer alguma coisa”, disse Williams.

Havia também a necessidade de fazer parte de algo maior, em um momento político tão fragmentado. “Quando ouvi o resultado (das eleições), eu me senti devastada, chocada e com medo”, disse Rebecca Kelly, uma atendente hospitalar de Kentucky, onde mais de 60% das pessoas votaram em Trump. “Aqui, podemos fazer parte de uma comunidade maior”. Para ela, ouvir as dezenas de discursos na manifestação ajuda a tornar sua posição política mais forte. “Solidifica o que nós pensamos, elas colocam nossos pensamentos de forma articulada, para que possamos sair daqui e falar sobre isso”.

Mãe e filha vestidas de vagina na manifestação. Foto de Manuela Andreoni

Se o tom dado por Angela Davis e outros discursos era revolucionário, o clima entre os manifestantes era de alegria e empolgação. “Todos têm sido tão gentis”, disse Courtney, filha de Susan. “Quando eu me perdi, falei para uma mulher ao meu lado, ‘acabei de perder as pessoas que estavam comigo’”, contou Carol Williams. “E ela me disse, ‘nós estamos com você’”. Era como se todas tivessem descoberto uma capacidade inexorável de resistir às mudanças prometidas por Donald Trump. Pelo menos, estavam juntas.

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Eles não sabem, ou nem querem saber que estamos aqui. Mas em nove meses, em um ano, talvez eles queiram

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A dificuldade de criar pontes e achar pontos em comum com os milhões de americanos que o elegeram não foi o assunto do dia. Gritavam, sim, que tinham vencido no voto popular – em referência aos quase 3 milhões de votos a mais conquistados por Hillary Clinton. Questionadas, poucas tinham certeza sobre como dialogar com o outro lado. “Eu estou disposta a ouvir”, disse Nancy King, uma militar aposentada, que estava na manifestação com sua esposa: “Mas na verdade não quero ceder em nada”.

“Eles não sabem, ou nem querem saber que estamos aqui. Mas em nove meses, em um ano, talvez eles queiram”, disse Kelly, de Kentucky.

Para Susan, o objetivo é mais simples.  “Acho que é o importante é mostrar que somos muitos, fazer com que prestem atenção na gente também. Temos que mostrar que tirar direitos talvez seja difícil demais”, concluiu.

De acordo com os organizadores da Marcha das Mulheres, o movimento de ontem reuniu aproximadamente 2,5 milhões de pessoas em cidades como Washington, Nova York, Chicago, Boston, Rio de Janeiro, Berlim, Roma, Londres, Paris e Tóquio. As marchas protestavam contra os retrocessos nos direitos civis e ambientais anunciados pelo presidente Donald Trump.

Cartazes pendurados no jardim do lado de fora da Casa Branca. Foto de Manuela Andreoni
Manuela Andreoni

É carioca, jornalista e mestranda em Jornalismo Investigativo, na Universidade de Columbia, em Nova York. Seu trabalho já apareceu em diversos veículos nacionais e estrangeiros, como O Globo, Agência Pública, Globe and Mail, BBC e Sunday Times.

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