ODS 1
Mães sem licença
EUA podem deixar de ser o único país desenvolvido do mundo a não pagar pela licença-maternidade
Sete anos sem tirar férias. Foi assim que a enfermeira Karina Albuquerque, que mora em Nova York há 15 anos, conseguiu ficar longe do trabalho durante os primeiros meses de vida de seu primeiro filho – um luxo que poucas mães por aqui podem bancar.
Os Estados Unidos são o único país desenvolvido no mundo que não tem licença-maternidade paga em todo o território nacional – ao lado apenas de Suriname, Nova Guiné e algumas ilhas no sul do Pacífico. No setor privado, somente 12% dos trabalhadores americanos podem contar com algum tipo de licença familiar remunerada. O tema é um dos poucos em que Hillary Clinton e Donald Trump concordam – apesar de terem propostas diferentes, os dois candidatos prometem tirar o país dessa vergonhosa lista.
[g1_quote author_name=”Nicole Gurgiolo” author_description=”Futura mãe” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Tenho trabalhado como uma louca nos últimos meses, tentando guardar o suficiente para me sustentar por alguns meses sem uma fonte de renda, mas tem sido difícil.
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Veja o que já enviamosA lei americana garante até 12 semanas de licença não remunerada, mas apenas para quem esteja há pelo menos um ano trabalhando em uma companhia com mais de 50 funcionários. A legislação não impede que o funcionário seja demitido ao retornar da licença, o que faz com que muitas mulheres tenham medo de perder o emprego ao se ausentarem.
Karina é uma exceção: conseguiu passar sete meses em casa quando seu primeiro filho, Brian, nasceu em 2014. Para isso, a enfermeira planejou em detalhes sua licença anos antes de engravidar. Como o hospital em que trabalha permite que as funcionárias fiquem até um ano afastadas do trabalho, ela acumulou folgas e férias durante sete anos e guardou o equivalente a 12 meses do seu salário.
“Ser um país desenvolvido e não ter licença-maternidade é uma vergonha. No Brasil as pessoas têm esse benefício que a gente não tem aqui,” critica Karina. “Quando comecei a pensar que um dia ia querer engravidar e descobri que não teria direito a licença remunerada, comecei a guardar minhas férias para esse momento.”
Nem todas têm a mesma flexibilidade. Nos Estados Unidos, mulheres que têm direito a tirar licença não remunerada ficam em média 58 dias longe do trabalho, de acordo com uma pesquisa da National Partnership for Women & Families. Metade respondeu que encerrou sua licença antes do que gostaria por questões financeiras.
“Algumas voltam a trabalhar duas semanas após dar à luz. Isso não é bom para a mãe nem para o bebê,” aponta a economista Eileen Appelbaum, do Center for Economic Research.
Cerca de 57% das pessoas que trabalham até 30 horas por semana, as chamadas part-time, não têm um dia sequer de licença médica remunerada. O mesmo ocorre com 35% dos trabalhadores de baixa renda. Segundo a economista, esses empregos normalmente estão nos setores que mais empregam mulheres jovens, como varejo, restaurantes, hospedagem e trabalhadores domésticos. Isso significa que essas mulheres têm descontados do contracheque até mesmo o dia que faltarem por estarem em trabalho de parto.
“Nesses casos, essas mulheres vão apelar para os benefícios sociais, ou seja, para o governo. Muitas vezes ficam endividadas, pois simplesmente não têm como pagar suas contas,” diz Eileen.
Para aliviar a situação, muitas famílias têm apelado para plataformas de financiamento coletivo. Há pelo menos 6 mil páginas com a expressão “licença-maternidade” no GoFundMe, um dos sites mais populares para esse tipo de campanha. Nos pedidos de ajuda, pais e mães citam gastos com despesas médicas, fraldas e o desejo de passar mais tempo ao lado dos filhos recém-nascidos.
“Tenho trabalhado como uma louca nos últimos meses, tentando guardar o suficiente para me sustentar por alguns meses sem uma fonte de renda, mas tem sido difícil,” escreveu a futura mãe Nicole Gurgiolo, que conseguiu arrecadar US$ 1.605. “Estou pedindo o equivalente a três meses de aluguel, e vou usar o que guardei para pagar todas as outras contas e despesas durante essas semanas sem trabalhar.”
O tema ganhou maior repercussão durante a campanha presidencial – mas não por um bom motivo. Ivanka Trump, porta-voz do pai quando o tema é alguma política voltada para as mulheres, garantiu em entrevistas que todos os empregados das empresas da família tinham direito a oito semanas de licença-maternidade paga (o mesmo que o candidato defende caso seja eleito). Foi desmentida em seguida, quando trabalhadoras revelaram ao Huffington Post que só tinham direito às 12 semanas não remuneradas estabelecidas pela lei. A polêmica foi ainda maior quando uma ex-funcionária relatou no Facebook sua luta para conseguir tirar a licença enquanto trabalhava para a filha de Trump.
“Quando perguntei sobre licença-maternidade, ela disse que iria pensar, que na empresa eles não ofereciam licença-maternidade e que ela voltou ao trabalho uma semana depois de ter seu primeiro filho,” escreveu a ex-funcionária, Marissa Velez Kraxberger.
A polêmica acabou beneficiando Hillary Clinton, que propõe 12 semanas remuneradas para mães e pais. A proposta não apenas é um avanço para os padrões americanos, como também estimula a igualdade de gênero no ambiente de trabalho, explica a economista Elise Gould, do Economic Policy Institute:
“Se você conseguir fazer com que homens e mulheres tenham direito à mesma licença, você começa a trabalhar de forma a diminuir a diferença salarial entre os sexos,” explica Elise. “Além disso, também é preciso oferecer creches acessíveis. Nós, como país desenvolvido, estamos muito atrás nesse aspecto.”
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Jornalista, mora em Nova York, trabalha com mídias sociais e faz mestrado em Jornalismo Empreendedor na CUNY. Cobre Economia, Direitos Humanos e América Latina para veículos internacionais. Trabalhou no jornal O Globo.