Amar com desapego: caminho para menores em situação de risco

Família Acolhedora é solução provisória enquanto Justiça decide o destino da criança ou do adolescente

Por André Giusti | ODS 1ODS 10ODS 16 • Publicada em 4 de novembro de 2020 - 09:06 • Atualizada em 14 de novembro de 2020 - 11:07

Bianca e Fábio Jorge com seus dois filhos pequenos: família acolheu bebê de 1 ano em situação de risco (Foto: Arquivo Pessoal)

A dona de casa Bianca Iório Queiróz, de 32 anos, e o marido, Fábio Jorge, queriam muito ajudar crianças em situação de risco. O casal, que tem dois meninos, pensou em adoção, mas chegou à conclusão de que dessa forma ajudaria apenas uma criança. E Bianca e Fábio queriam ajudar mais meninos e meninas cujas famílias, ao menos momentaneamente, não tinham condição de criá-los. Eles ainda não sabiam, mas queriam ser uma Família Acolhedora.

Família Acolhedora é uma modalidade prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pode ser aplicada em casos de ameaça e violação de direitos. Em outras palavras, ela protege a criança ou o adolescente de uma situação de risco enquanto o juizado de menores decide qual será o destino do menor: ser adotado ou retornar à própria família depois que ela superar a dificuldade e adquirir condições de criar e educar, o que, inclusive, acontece bastante.

Reunião do Grupo Aconchego: preparação para acolher e também depois para desapegar (Foto: Divulgação)
Reunião do Grupo Aconchego: preparação para acolher e também depois para desapegar (Foto: Divulgação)

Se você se interessou, uma coisa precisa ficar bem entendida: Família Acolhedora não é adoção, tampouco treinamento para este fim. E não será em hipótese alguma – é o que deixam claro os responsáveis pelo Grupo Aconchego, uma entidade civil sem fins lucrativos que, em parceria com o Governo do Distrito Federal, oferece capacitação para homens e mulheres que querem acolher temporariamente crianças e adolescentes em situações de risco. “A família acolhedora precisa ter muita consciência do papel dela. Precisa ficar muito claro para a família e a criança que o acolhimento é temporário. Porque são papéis diferentes (adoção e acolhimento)”, explica a psicóloga Júlia Salvagni, coordenadora do programa no Aconchego,

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Eu aprendo que nós seres humanos somos capazes de ter um amor mais pleno, de ter um amor que não é egoísta, que a gente não ache que é dono, porque nós não somos donos de ninguém

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Ela garante que até hoje, no Distrito Federal, nunca aconteceu de uma família tentar transformar o acolhimento em adoção, porque a diferença entre os dois é justamente o cerne da capacitação (As inscrições estão abertas pelo e-mail familiaacolhedora.aconchego@gmail.com). De dois anos para cá, quando o acolhimento começou a ganhar mais força na capital do país, 25 menores foram atendidos. Agora a ideia é capacitar 30 famílias. O Família Acolhedora é de responsabilidade dos órgãos de assistência social dos municípios, então, os interessados em outros lugares do Brasil devem procurar esses órgãos para informações e treinamento.

A aposentada Vânia Darc Borges Campos, de 55 anos, ficava triste quando sabia de casos de meninos e meninas que tinham direitos violados, e se perguntava o mesmo que tantas pessoas se perguntam: “O que é que eu estou fazendo para ajudar?”. Para ela, ser mãe acolhedora também foi a resposta. “A gente aprende a amar essas crianças como se fossem nossos filhos e sabemos que haverá um momento em que teremos que desapegar. Esse é realmente o maior desafio”, explica Vânia, que acolheu uma menina que chegou com um mês e ficou com ela até os quatro meses. Depois, a família da aposentada recebeu um menino, que veio com sete meses de vida e ficou com eles por oito meses.  “Conforme vai passando o tempo, a gente vai aprendendo (a desapegar), vai ficando mais fácil”, garante Vânia.

Bianca, por sua vez, tranquiliza os interessados. Há três meses ela, o marido e os filhos acolheram um bebê de um ano. Bianca destaca o suporte da equipe do projeto, sempre levando informações sobre a situação legal da criança, ou seja, em que pé está a adoção ou o retorno à família.  Para acolher uma criança ou um adolescente, você precisa ter mais de 25 anos, não estar inscrito no Cadastro Nacional de Adoção, comprovar renda e ter uma casa em condições de receber o menor. Fora isso, outro requisito é fundamental: todos da família têm que concordar com o acolhimento. Na família de Bianca, a criança acolhida reforçou a união dela com o marido e tem levado ensinamentos aos filhos, de 8 e 2 anos. “O mais velho aprendeu a cuidar de todos nós; o mais novo aprendeu a dividir as coisas”, resume.

Vãnia, com o marido e a filha, já acolheu dois bebês: ““Conforme vai passando o tempo, a gente vai aprendendo a desapegar” (Foto: Arquivo Pessoal)

Não é raro que a família acolhedora e a família de origem (ou a de adoção) se conheçam e até mesmo estabeleçam vínculos. “Depois que a gente conhece a família e conhece todo problema que aconteceu, você acaba acolhendo também essa família em seu coração, e torce para que ela consiga vencer seus obstáculos e os problemas que tem para poder receber de volta essa criança”, explica Vânia, que já passou duas vezes pela experiência de ver retornar à família natural as crianças que acolheu. E isso é muito importante para o chamado ‘desacolhimento’, que não ocorre de uma hora para outra. “A criança começa a voltar para casa aos poucos. Vai para a casa, fica uns dias com a família, depois retorna à Família Acolhedora, para que ela vá se acostumando outra vez. Quando chega realmente o dia de a criança retornar à família de origem, tanto a gente quanto à criança já está mais acostumado”. 

Bianca também já conhece a família do bebê que está em sua casa provisoriamente. “A gente abraçou também a família. Eu torço pela família, desejo que a família seja capaz de dar todo cuidado e atenção (ao bebê)”. 

Nos dois casos, um traço em comum, além do próprio acolhimento: o ensinamento de que o amor é também desapego. “Eu aprendo que nós seres humanos somos capazes de ter um amor mais pleno, de ter um amor que não é egoísta, que a gente não ache que é dono, porque nós não somos donos de ninguém”, resume Vânia. E, para Bianca, uma espécie de estágio em relação aos próprios filhos. “Os meus filhos um dia também irão embora. Vão crescer, vão seguir a vida deles, e eu não vou deixar de amá-los”.

André Giusti

Jornalista com 30 anos de experiência. Já foi repórter, apresentador e chefe de redação no Sistema Globo de Rádio e no Grupo Bandeirantes de Comunicação. É pós-graduado em Gestão da Comunicação das Organizações pelo UniCeub. É carioca e mora em Brasília há 20 anos. Também é escritor e mantém site e blog em www.andregiusti.com.br

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