Um sonho no Encantado

Casa dos Sonhos da Terceira Idade

Por Wilson Aquino | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 13 de março de 2017 - 09:40 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:19

“Portrait de vieille femme” Peinture de Quinringh (Quiringh) Gerritsz Van Brekelenkam (1620-1668) 17eme siecle Madrid musee du Prado ©Luisa Ricciarini/Leemage
Retrato de Uma Anciã, pintura de Quinringh (Quiringh) Gerritsz Van Brekelenkam, do século XVII. Reprodução: Luisa Ricciarini/Leemage

No Brasil, a vida de idoso não é fácil. São muitas mazelas, muita humilhação, muito sofrimento. O desprezo da própria família é o que mais dói. Claro, que cuidar de idoso também não é tarefa fácil. Dependendo do estado de saúde física e mental, exige muita paciência e extrema dedicação. Mas, nesse mundo enlouquecido, o que é o pesadelo de um, pode ser o sonho do outro. E no bairro do Encantado, mãe, filha e 31 vovôs e vovós transformam o sonho e o pesadelo numa única realidade feliz, na Casa dos Sonhos da Terceira Idade, um lugar de repouso e acolhimento de velhinhos e velhinhas.

A fundadora e presidente da Casa, Leontina Bianconi, 76, nasceu em Taquaritinga (SP), e trabalhava como técnica de enfermagem na Casa de Saúde Liberdade, em São Paulo. “Mas, sempre gostei de cuidar de idoso e botei na minha cabeça que ia fazer uma casa de repouso”, lembra e chora de emoção. Casou com um sargento da Aeronáutica e mudou-se para o Rio. Com 24 anos e dois filhos pequenos, precisou trabalhar para ajudar na renda da família. E como cuidar de idoso lhe dava intensa alegria, arrumou emprego de enfermeira particular da mãe de um alemão. A partir daí, virou cuidadora de idosos, trabalhando na casa das pessoas. “Foi o meu pontapé inicial”, conta Leontina, que juntou dinheiro e comprou uma casa velha no Encantado. O imóvel permaneceu fechado durante uns anos, enquanto ela juntava dinheiro para realizar a reforma e o seu sonho. “Fui fazendo devagar. Eu era a servente de pedreira”, lembra e ri.

Fim de um sonho

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Finalmente, em 1983, abriu a Sonho Meu Casa de Repouso Ltda, que funcionou até 2006. Leontina se viu obrigada a fechar as portas e mandar cerca de 60 idosos de volta para suas famílias. “Fechou porque minha filha nasceu, minha mãe ficou meio sozinha e veio a lei do idoso”, explica Ellen Bianconi, filha de Leontina e coordenadora da Casa dos Sonhos da Terceira Idade. “Era muita coisinha para fazer e se adaptar ao estatuto. A fiscalização vinha e dizia ‘A parede é branco gelo. Ih, não pode, tem que ser branco neve!’. Aí, implicavam com a barra de apoio dos banheiros, porque estava a 50 centímetros de altura e o correto era 45cm. Isso foi desanimando”. Porém, um mês após o fechamento, Leontina infartou. “Segundo o médico, foi por estresse”, diz a presidente da Casa. Então, decidiram reabrir. “Uma amiga deu ideia de abrir como ONG. Me meti num curso de estruturação de ONG e captação de recursos. Aí, a gente tinha o espaço. Fomos devagarinho”, explica Ellen.

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Nossas atividades objetivam a auto-estima, o bem estar e a saúde. Dar mais qualidade de vida

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Hoje, a casa tem 31 hóspedes, sendo quatro não dormem lá. “Vêm de manhã e vão embora à noite. A família não tem com quem deixar”, conta Ellen. A maioria dos idosos têm Alzheimer, em níveis diferentes. “Tem uns que começam a conversar e, de repente, esquecem o que estavam falando, uns ficam agressivos e tem uns que não sabem mais nada. Pensam que sou a filha deles ou até a mãe”, afirma Ellen, que também hospeda idosos que sofreram AVC e alguns senis. A casa tem três andares. No segundo, onde ficam as 18 vovós, são 12 quartos. No primeiro, são seis quartos para os vovôs. “Eu durmo no terceiro andar, onde tem a lavanderia”, diz Leontina. A Casa cobra pela hospedagem. Quem mora lá há mais tempo paga R$1.200. Mas hoje para internar os preços variam de R$2.600,00 a R$3.200,00. “Mas não tem ninguém que paga R$3.200,00”, avisa Leontina, antes de soltar outra risada. Além de cinco refeições por dia, os vovôs e vovós participam de várias atividades. “A gente desenvolve atividades cognitivas e motoras. Faz quebra-cabeça, jogo da velha, caça-palavras. Promove competições entre homens e mulheres. Também trabalhamos com música. Eles adoram ‘Atirei o pau no gato””, conta a psicóloga Rosana Lima, 52. Segundo a assistente social Karen Menezes, 25 anos, o objetivo é romper com a exclusão da sociedade e família. “Nossas atividades objetivam a auto-estima, o bem estar e a saúde. Dar mais qualidade de vida”. Karen também verifica os direitos dos hóspedes, além de promover passeios. “Foram conhecer o novo Maracanã, museus, fazemos piqueniques”.

Doações são bem-vindas

As visitas são diárias, das 14h às 17h, sendo que o responsável pelo idoso pode entrar mais cedo, às 9h, e sair mais tarde, às 19h. Muitas famílias acompanham a estadia dos seus velhinhos, mas algumas se limitam a pagar pela hospedagem. “Certa vez, uma moça veio do Flamengo, de táxi, trazer um remédio para a mãe, que custava R$32,00. Ela entregou o medicamento e foi embora correndo porque o táxi estava esperando. Fiquei tão furiosa que perguntei: ‘Você não vai nem olhar a sua mãe? Da próxima vez telefona, porque eu mesma compro o remédio. Assim, você vai ter menos despesa’”, lembra Leontina. Segundo Ellen, a Casa não passa por necessidades, apesar de, às vezes, faltar uma coisa ou outra. “De vez em quando aparece alguém na porta fazendo doações. Isso ajuda muito”, diz Ellen.

O sonho atual da mãe, da filha e dos 31 vovôs e vovós é reformar a casa e ganhar uma máquina de lavar industrial. “A gente adoraria. Temos seis lavadeiras comuns e todo mês precisamos consertar, porque é muita roupa para lavar”, explica Ellen. “Também queria ajuda para construir uma varanda aqui embaixo, com um cantinho para fazer uma horta.O PHI fez para gente um espaço de convivência bacana lá em cima, mas é aqui embaixo que acontecem as atividades”. Se alguém se dispuser a visitar os velhinhos, para contar uma história ou apenas dar um abraço, as portas estão abertas.

Wilson Aquino

Wilson Aquino é repórter e autor do livro Verão da Lata (editora Leya)

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