Filantropia contra a desigualdade

ONG Brazil Foundation. Foto de Divulgação

BrazilFoundation

Por Paula Autran e Reneé Rocha | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 1 de julho de 2019 - 08:00 • Atualizada em 24 de julho de 2019 - 16:57

ONG Brazil Foundation. Foto de Divulgação
ONG Brazil Foundation. Foto de Divulgação
Jovens do Coletivo Marginal, da Cidade de Deus, fazem tour no Museu do Amanhã. O projeto quer erguer a Escola Margem, primeira instituição de ensino de formação de educadores populares. Foto de Divulgação

Uma rica senhora novaiorquina que contribui para tirar da prostituição e colocar no mercado de trabalho brasiliense 12 cabeleireiras trans. Um empresário mineiro que doa parte de seu dinheiro para um projeto educacional em Cipó, no interior do Ceará. São exemplos genéricos para mostrar que quem entende filantropia como algo pejorativo, próximo ao assistencialismo, não conhece o trabalho da BrazilFoundation (BF). Criada em 2000 pela jornalista Leona Forman (neta de russos que nasceu na China, emigrou para o Brasil com a família aos 13 anos e cresceu no Rio), a ONG já doou 27 milhões de dólares para mais de 600 organizações em 27 estados brasileiros nestes 19 anos. Todo este dinheiro é fruto de doações, não só de brasileiros mais abastados, mas de americanos e outros estrangeiros com alguma ligação com o país que querem ajudar a população mais carente e encontraram um caminho mais fácil para que seu dinheiro realmente faça a diferença na vida dessa população. Em 2018, a rede de doadores da BrazilFoundation chegou a 7000 pessoas. É gente que acompanha de perto centenas de projetos, como o Transformadas, de Brasília, e o Projeto Eduacional Coração de Estudante (Prece), do Ceará.

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Somos uma das maiores economias do mundo, mas no ranking das doações filantrópicas estamos em 122º lugar

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– Buscamos ressignificar a filantropia. Trabalhamos para promover esta cultura de doação para o Brasil, que é um país rico, porém desigual. Somos uma das maiores economias do mundo, mas no ranking das doações filantrópicas estamos em 122º lugar – explica Maria Cecília Oswaldo Cruz, diretora de Programas da BrazilFoundation desde 2010, que é formada em Arqueologia e fez cursos de especialização em gestão, cultura e desenvolvimento. – O Brasil não tinha o que chamamos de filantropia da diáspora, mas Leona Forman, hoje com 77 anos, dedicou-se a esta causa. Assim conquistamos uma estrutura de promoção da filantropia que tem um papel importante na diminuição da desigualdade social.

Leona formou-se no Rio e, aos 26 anos, depois de se casar com um antropólogo americano, foi morar nos Estados Unidos, onde fez carreira. Trabalhou mais de 20 anos na Organização das Nações Unidas (ONU), onde teve contato com 1,6 mil ONGs associadas em todo o mundo, tendo sido chefe do Centro de Serviços de Informação e porta-voz do presidente da Assembléia Geral. Aos 60 anos, aposentou-se compulsoriamente e, segundo Cecília, como nunca perdeu o vínculo com o Brasil, onde mora a maior parte do tempo (passa alguns meses do ano em Nova York, sede da BrazilFoundation), resolveu dar de volta ao país o que de bom ele fez para ela. Assim, em 2000 começou a mobilizar recursos para apoiar pequenas organizações sociais.

Com o apoio de Susane Worcman, uma amiga dos tempos de escola, Leona começou a identificar projetos no Brasil. Em 2002, abriram o primeiro edital da BrazilFoundation, para 70 desses projetos. Dois anos depois, já eram 800 projetos beneficiados. Destinavam de R$ 5 mil a R$ 10 mil a cada um, e foram vendo que havia um nicho ali: organizações pequenas e médias que ainda não tinham como receber investimentos, pois não estavam preparadas para isto. Foi quando surgiu a necessidade de fortalecer institucionalmente estas organizações. E, de mera financiadora, em dois ou três anos, a BF passou a fornecer apoio técnico e mentorias.

A BrazilFoundation promove jantares de gala em Nova Iorque, São Paulo e Minas Gerais para arrecadar dinheiro. Foto de Divulgação

– As formas de capitalização também foram evoluindo. Elas começaram a fazer jantares e almoços para arrecadar dinheiro. E até hoje a maior parte do financiamento vem desses galas anuais em Nova York, em São Paulo e agora também em Minas Gerais. Atuamos fortalecendo a filantropia para o fortalecimento da sociedade civil no Brasil. A maioria dos doadores é de brasileiros, mas há pessoas de outras nacionalidades que têm relações com o Brasil. A gente busca um trabalho de ponte, aproximamos lideranças e fontes, a rede de doadores visita os programas que apóia – conta Cecília.

Segundo ela, são enormes os desafios pela frente para conseguir usar a filantropia como arma para diminuir a desigualdade social. Mas a Brazil Foundation já conta com vários programas neste sentido, além de um edital bianual (a cada dois anos, eles se alternam: um é aberto a inscrições do público e o outro funciona por carta-convite).

– Já chegamos a 1500 aplicações. Todas as propostas são lidas, e trabalhamos muito a questão da transparência: fazemos visitas de campo, temos muitos critérios e matrizes de avaliação. Ao todo, são cerca de dez pessoas diretamente envolvidas no processo, nos escritórios de Nova York e do Rio, mais voluntários e técnicos. Não temos recursos para apoiar todas as inciativas que gostaríamos, mas buscamos representatividade temática. São cerca de 35 projetos por edital, com tetos de R$ 30 mil a R$ 60 mil (de acordo com o nível da organização). O mais baixo é o chamado “recurso semente”, para organizações pequenininhas – explica a diretora de programas da BF.

Entre os programas, há o Doação Recomendada, um mecanismo de transferência de recursos pensado para pessoas que querem ajudar uma organização específica como, por exemplo, uma que cuide de mães solteiras. Nestes casos, a BF indica a organização. Tem gente que doa para hospitais filantrópicos, creches, escolas… Só por este mecanismo, já foram arrecadados 11 milhões de dólares, destinados a 140 instituições.

– Nós fazemos um trabalho de documentação e avaliação da ONG, e recebemos uma porcentagem para isso. Também trabalhamos com um mecanismo de redução de impostos – diz Cecília.

Há também os Fundos Familiares Nominais: famílias doadoras interessadas em um tema específico, como jovens, constituem-se como fundos e fazem um investimento direcionado à ONG escolhida a partir de indicações da BF. Às vezes chegam a colaborar por dois, três anos com a mesma instituição. Outro foco são as parcerias com empresas, como a Itaú Social, para determinados temas. Sem contar os programas de formação de lideranças, com encontros anuais para troca de experiências e oficinas, e os que promovem colaboração entre organizações (intercâmbios e arranjos de metodologia).

–  E há ainda o Prêmio de Inovação Comunitária: selecionamos e financiamos organizações da nossa rede para que elas atuem no papel de financiadoras em seus territórios. Chamadas de  “organizações madrinhas”, elas ficam responsáveis por selecionar e apoiar pequenas iniciativas sociais informais em seus territórios, com um valor de até 5 mil. Chamamos estas iniciativas de OPs: Outras Paradas. Assim, vamos pulverizando as ações e democratizamos a filantropia.

Projeto Transformadas voltado para capacitação profissional de pessoas trans. Foto de Divulgação

O Projeto Transformadas é uma destas OPs. A iniciativa foi acompanhada pela ONG Amigos da Vida, que se dedica aos direitos jurídicos de pessoas infectadas pelo vírus HIV.

– Foi uma ideia do meu pai, fundador da ONG, que morreu este ano – conta o presidente da Amigos da Vida, o advogado Christiano Ramos. – Damos atendimento a mulheres trans e vimos que elas precisam de amparo para trabalhar em algo que não seja a prostituição. Então, nos juntamos ao salão de beleza mais badalado de Brasília, o Helio Coiffeur, e nos inscrevemos no edital da BrazilFoundation, que já nos ajudara com R$ 40 mil. Ficamos em segundo lugar entre os projetos mais votados, o que garantiu mais R$ 5 mil e nos ajudou a impulsionar o projeto.

Em sua primeira edição, no ano passado, o Projeto Transformadas, apadrinhado pela ONG Amigos da Vida, trabalha com a capacitação profissional de pessoas trans, não necessariamente portadoras do vírus HIV. Cerca de 12 mulheres trans aprenderam a fazer cabelo e maquiagem, além de receberem aulas de etiqueta e de educação financeira. Foi este o projeto que a BrazilFoundation apoiou com o Prêmio de Inovação Comunitária.

– Todas se profissionalizaram. Duas ficaram trabalhando no Hélio Coiffeur, e as demais foram para outros salões. Este ano ganhamos apoio da L’oreal para uma nova etapa, com mais 12 alunas, que começa no segundo semestre – completa Christiano.

Outra organização que gerou muitos frutos foi a Mulher em construção, de Porto Alegre, que uniu cimento e batom para, além de capacitar mulheres para pequenos reparos domésticos, fazendo com que elas deixassem de ser reféns da mão de obra masculina, trabalhar questões de gênero e formação humana também.

– Fomos o primeiro apoio de organizações que cresceram muito – relembra Cecília. – Sempre buscamos inovar, identificar demandas. Os financiamentos são de um ano. Mas tem umas instituições que têm um maior impacto e estão sempre no nosso portfólio.

Entre elas está o Instituto Coração de Estudante, criado na comunidade rural de Cipó, em Pentecostes, no Ceará, em 1994, por Manoel de Andrade. Filho de agricultores, ele foi para Fortaleza estudar química e voltava nos fins de semana para sua cidade, onde inventou um sistema de “aprendizagem cooperativa” para estimular outros jovens que estavam fora da escola a terminar o ensino médio e chegar à faculdade. Manoel começou a estudar junto com seis deles em uma casa de farinha, embaixo de uma mangueira. Do grupo inicial, formaram-se dois agrônomos, um historiador, um pedagogo, um químico e um teólogo, que passaram a ajudar Manoel a formar outras turmas. Hoje o projeto de aprendizagem em cooperativa virou política pública no estado, e já são 13 pontos de Escolas Populares Cooperativadas (EPCs) que o desenvolvem no Nordeste.

– Eu dei poucas aulas, era mais um estimulador, um organizador deste estudo. A vitória foi eles estudarem juntos. Com este método, mais de 800 pessoas entraram na universidade. Vinte têm doutorado e 50, mestrado. Dos seis que entraram na universidade – contabiliza ele, que tem mestrado em educação e é doutor em psicopatologia. – Acabamos comprando uma terra na região para levar os princípios de nosso movimento de educação, baseado em cooperação e solidariedade. Há oito anos, ganhamos uma escola do governo do estado para nossa cidade. Hoje 540 alunos estudam lá. Por ano, ela leva cerca de em estudantes à universidade. O projeto agora não é mais só nosso, é da escola pública. Ele foi estendido a outras escolas da rede estadual em outros municípios.

Manoel conta que a BrazilFoundation aprovou seu projeto, e o ajudou não só com recursos financeiros, mas de formação:

– É uma entidade que tem muita importância para o que fizemos e o que fazemos hoje. Considero que somos parceiros. Participamos de um crowdfunding com eles no ano passado e já fomos homenageados no baile deles. Temos uma relação muito forte.

– O financiamento foi para impulsioná-los, dar capacidade e musculatura profissional. E eles foram se multiplicando. Já financiamos “filhos” do projeto – acrescenta Cecília, calculando que 5600 jovens já tenham sido beneficiados.

Por essas e por outras, os doadores estão mais do que satisfeitos.

Mulher em Construção é uma das entidades que contam com a ajuda dos recursos financeiros da Brazil Foundation. Foto de Divulgação

– Eu me sinto orgulhoso por contribuir para uma organização que alavanca seu modelo de atuação único e sua posição de liderança para fazer o Brasil um país melhor. A BrazilFoundation tem conseguido, ao mesmo tempo, levantar e alocar recursos substanciais para incríveis organizações sociais no Brasil e disseminar a cultura de filantropia entre os brasileiros no Brasil e no mundo – comemora Ricardo Puggina, diretor de Gestão de Investimentos da Goldman Sachs e membro do Conselho Diretor da BrazilFoundation.

A partir deste ano, a instituição passou a apoiar uma linha de advogacy para a filantropia. O objetivo é melhorar a agenda regulatória do setor social, engajar a rede de atores e impulsionar ações concretas para o crescimento da infraestrutura filantrópica no país. Muitas as organizações apoiadas pela BF têm assentos em espaços de influência como conselhos, fóruns e redes setoriais. Este ano, por exemplo, 65% das organizações selecionadas participaram da articulação, elaboração ou aprovação de políticas relacionadas às suas áreas temáticas. Apoiamos projetos de participação cívica que incentivam a participação popular no controle e tomada de decisões políticas.

Paula Autran e Reneé Rocha

Paula Autran e Reneé Rocha se completam. No trabalho e na vida. Juntos, têm umas quatro décadas de jornalismo. Ela, no texto, trabalhou no Globo por 17 anos, depois de passar por Jornal do Brasil, O Dia e Revista Veja, sempre cobrindo a cidade do Rio. Ele, nas imagens (paradas ou em movimento), há 20 anos bate ponto no Globo. O melhor desta parceria nasceu no mesmo dia que o #Colabora: 3 de novembro de 2015. Chama-se Pedro, e veio fazer par com a irmã, Maria.

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