Boas ideias para dar conta do lixo

Maior produtor de resíduos da Europa, Dinamarca conta com iniciativas que facilitam a rotina das famílias e até projetos futuristas

Por Flavia Milhorance | LixoODS 14 • Publicada em 26 de abril de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 16:00

O megaprojeto de R$ 1,8 bilhão investido pela prefeitura de Copenhagen inclui um incinerador para produção de energia capaz de aquecer até 120 mil famílias. O design vai mudar o conceito de prédio público, pois trata-se de uma “montanha”, que abrigará uma área de lazer com pistas de esqui
Em Copenhagen está sendo construído um incinerador para produção de energia capaz de aquecer até 120 mil famílias. O megaprojeto, em forma de montanha, inclui uma área de lazer com pistas de esqui
Em Copenhagen, o incinerador para produção de energia será capaz de aquecer até 120 mil famílias. O megaprojeto, em forma de montanha, inclui até uma área de lazer com pistas de esqui

Quando cheguei à Aarhus, segunda maior cidade do Dinamarca, com 300 mil habitantes, notava uma máquina grande e vermelha geralmente do lado de fora de supermercados e shoppings. Sem chegar muito perto, pensava que era para pagar estacionamento ou caixa eletrônico. Não passaria pela minha cabeça que se tratava de uma máquina para recolher latas de alumínio e garrafas plásticas e de vidro destinadas à reciclagem. E, em troca da boa ação, o indivíduo é reembolsado.

[g1_quote author_name=”Ian Williams” author_description=”Professor de Engenharia e Meio Ambiente da Universidade de Southampton (Reino Unido)” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Países com forte liderança política e com um acordo entre os partidos sobre questões ambientais – tais como Alemanha, Dinamarca, Noruega e Suíça – tendem a gerir bem os resíduos. E mais, os países que encaram resíduos como recursos descobriram novos e produtivos usos para eles.

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Aqui, não só catadores se preocupam em recolher objetos recicláveis para trocá-los por dinheiro. Qualquer um pode juntar o lixo reciclável e levá-lo a estas miniestações, espalhadas pela cidade. Para nos guiar, os recipientes aceitos pela máquina vêm com um selo que já é conhecido de todo dinamarquês. Os valores vão de uma a três coroas dinamarquesas (algo entre R$ 0,50 a R$ 1,50) por objeto.

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Segundo dados da ONG Dansk Retursystem (Sistema de Retorno Dinamarquês), que controla o projeto, foram coletadas em 2014 cerca de 1.250 toneladas de vidro, 350 toneladas de metal e 700 toneladas de plástico na cidade.

Se levarmos em consideração que a cidade produz 220 mil toneladas de lixo por ano, logo notamos que este não é o sistema mais popular. Além de não recolher qualquer material, muita gente fica com preguiça de ir até um mercado com um saco de lixo para trocar por um valor que não fará diferença no bolso de um dinamarquês.

Pois bem, há outras opções: cada casa ou edifício pode ter o seu contêiner de lixo reciclável. A prefeitura ainda está fazendo melhorias no sistema de coleta, mas a partir do ano que vem os contêineres individuais serão obrigatórios nos lares. Hoje, também, há contêineres dispostos em boa parte das ruas, além de seis estações de reciclagem na cidade. “Aarhus reciclou 30% do lixo em 2013, e a meta é chegar a 50% em 2022”, explica Laura Huntington Villemoes, gerente de projetos sobre resíduos da prefeitura. Para quem gosta de comparações, o Rio de Janeiro, com seus seis milhões de habitantes, não consegue reciclar nem 3% do seu lixo.

O que não é reciclado, é incinerado para produzir energia elétrica e aquecimento, já que é quase nulo o montante destinado a aterros. “A unidade de incineração é a principal produtora de aquecimento urbano para as famílias em Aarhus”, afirma Laura, que completa “Trabalhamos para garantir que todo o lixo reciclável seja reciclado, já que esta é uma solução melhor para o ambiente do que a incineração. Estamos evoluindo”.

 

A cidade de Aarhus, com 300 mil habitantes, reciclou 30% do lixo em 2013, e a meta é chegar a 50% em 2022

Bom demais para se desperdiçar

E se o objeto for bom demais para se jogar fora, basta deixá-lo do lado de fora do apartamento. Isto indica que, quem se interessar, pode levá-lo sem culpa. Recentemente, a prefeitura vem incentivando que, em vez de deixar o objeto na rua, o morador ligue para a instituição, que recolhe o objeto e o leva à central “ReUse”, onde qualquer um pode encontrar, de graça, “uma cadeira, louça ou uma caçarola para dar início ao seu apartamento”, como incentiva o órgão em sua página na internet. 

O português João Fernandes Silva, de 24 anos, faz um mestrado na Universidade de Aarhus, com duração de um ano. Depois, muda-se para Londres, onde terminará o curso. Com uma vida itinerante e sem querer gastar com móveis novos, encontrou no lixo algo que faltava para seu apartamento. “Já há algum tempo que falávamos de arranjar um sofá para a casa, mas ninguém queria comprar porque somos todos estudantes internacionais e vamos ficar aqui menos de um ano. Então um amigo nosso que sabia que estávamos à procura do sofá viu um na rua que estava em muito boas condições, só sujo e molhado da chuva. Eu e outro colega fomos lá buscá-lo e o levamos para casa”, conta.

“Já vi cadeiras, mesas, um pouco de tudo para quem quiser levar. Deve haver muitos estudantes internacionais que aproveitam isso para ter os móveis sem gastar dinheiro num país caro como a Dinamarca”, completa.

Menos de 1% do lixo em aterros

Numa boa gestão de lixo, a prioridade é reduzir sua produção. Em seguida na ordem de preferência vêm reutilizar, reciclar, recuperar (por exemplo, transformando em energia). Por último, descartar, mesmo que o destino sejam aterros sanitários adequados. Isto é uma estratégia conhecida como “hierarquia dos resíduos” e é adotada por diretrizes em vários países. Entre elas, a Diretiva Quadro sobre Resíduos da União Europeia, a mais importante da região e que define uma meta de que, até 2020, 50% do lixo seja destinado à reciclagem ou recuperação.

Seguindo esta lógica, a Dinamarca ainda tem muito o que avançar. Divulgado em março, o relatório da Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat) mostrou que o país produziu 759 kg de lixo per capita em 2014, o maior acúmulo entre os europeus. Na outra ponta se encontra a Romênia, com 272 kg per capita no ano.

Para se ter ideia, o Brasil gerou 387 kg per capita em 2014, segundo estudo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). E, das quase 78,6 milhões de toneladas de lixo produzidas, 90,6% foram coletadas, o que significa que mais de 7 milhões de toneladas de lixo tiveram um destino impróprio.

Enquanto isto, a Dinamarca, assim como Alemanha, Holanda, Suécia e Suíça, destinam menos de 1% do lixo a aterros sanitários. Além disso, esses e boa parte dos países europeus coletam todo o lixo que é gerado. Já na Romênia, 82% do lixo vai parar em aterros e apenas 5% é reciclado.

“As razões para a disparidade (na gestão do lixo entre nações europeias) são complicadas, mas os fatores incluem disponibilidade de recursos, vontade política e social, além de habilidades técnicas, planejamento adequado e estruturas legais, e uma vasta gama de outros fatores sociais, demográficos, culturais e administrativos”, escreveu o professor de Engenharia e Meio Ambiente da Universidade de Southampton (Reino Unido), Ian Williams, que comparou as desigualdades entre europeus, mas cujo argumento poderia até ser aberto para outras nações. 

E completa: “Países com forte liderança política e com um acordo entre os partidos sobre questões ambientais – tais como Alemanha, Dinamarca, Noruega e Suíça – tendem a gerir bem os resíduos. E mais, os países que encaram resíduos como recursos descobriram novos e produtivos usos para eles”.

Energia e aquecimento a partir do lixo 

Enxergar o lixo como recurso é o caso da Dinamarca. Como parte de uma mudança de estratégia que ocorreu nas últimas duas décadas, o país, em vez de destinar o lixo para aterros, incinera a maior parte dele, 57% do total. O processo gera energia elétrica e aquecimento para milhares de famílias dinamarquesas.

Na capital, Copenhagen, um megaprojeto de R$ 1,8 bilhão investido pela prefeitura erguerá um incinerador para produção de energia, que deverá ser inaugurado ano que vem. Além de números impressionantes – de coletar até 400 mil toneladas de lixo por ano e gerar energia capaz de aquecer 120 mil famílias e eletricidade para outras 50 mil – o design vai mudar o conceito de prédio de utilidade pública. Trata-se de uma “montanha”, que abrigará uma área de lazer com, inclusive, uma pista de esqui. Morar perto do prédio não será um problema, como ocorre com os aterros. Quiçá, pode até valorizar a área.

Flavia Milhorance

Jornalista com mais de dez anos de experiência em reportagem e edição em veículos de imprensa do Brasil e exterior, como BBC Brasil, O Globo, TMT Finance e Mongabay News. Mestre em jornalismo de negócios e finanças pelas Universidade de Aarhus (Dinamarca) e City University, em Londres.

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2 comentários “Boas ideias para dar conta do lixo

  1. Sebastiao souza da silva disse:

    Meu pensamento projeto sobre o lixo urbano que tanto afeta o meio ambiente , que somos todos culpados é que , para ser mais eficiente e sustentável , os municípios ao invés de contratar empresas para coletas do lixo , criasse meios / empresas que co morassem o lixo urbano com um valor adequado com a situação. Por exemplo , cada município determinava o valor que deve ser pago .
    Assim como já existe o comércio de reciclagem de alumínio, ferro ,papelão etc… e cada um tem o seu valor , e no entanto não se vê por aí montes de latinhas de alumínios ou ferro ou papelao, porque tem os catadores e que fazem disso o seu sustento . Assim sendo feito com o lixo no geral seria benefício para todos , inclusive gerando renda para muitos e gerando até economia para os municípios. Essa é a minha idéia projeto , mas precisaria de ser feito uma pesquisa bem elaborada cientificamente.

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