Quando a diversidade vale ouro

Programa em Stanford ensina executivos LGBTQ a se tornarem líderes melhores assumindo e incorporando suas identidades no ambiente de trabalho

Por Claudia Penteado | ODS 1 • Publicada em 9 de novembro de 2017 - 09:26 • Atualizada em 10 de novembro de 2017 - 11:58

Chiqui Cartagena, executiva da Univision, em Nova York, durante a aula em Stanford. Foto Elena Zhukova
Chiqui Cartagena, executiva da Univision, em Nova York, durante a aula em Stanford. Foto Elena Zhukova
Chiqui Cartagena, executiva da Univision, em Nova York, durante a aula em Stanford. Foto Elena Zhukova

Lawrence Spicer, vice-presidente do banco RBC, em Toronto, no Canadá,  foi um dos alunos da primeira turma do programa Stanford LGBTQ Executive Leadership, realizado na universidade de Stanford, na Califórnia. O curso foi criado pelos professores Tom Wurster e Sarah Soule, da Stanford Graduate School of Business, para desenvolver a liderança e empoderar executivos LGBTQ, e reuniu 43 profissionais de oito países diferentes, de diversas indústrias, dos setores público e privado, em uma experiência que tem sido descrita como transformadora. Além de todo o conteúdo sobre liderança próprio e do calibre de Stanford, como técnicas de design thinking e tomada de decisão, o curso proporciona vivências intensas e únicas, como exercícios voltados para a expressão de poder e também de vulnerabilidades, e ensina a construir ambientes de trabalho inclusivos.

[g1_quote author_name=”Chiqui Cartagena” author_description=”Vice-presidente da Univision Communications” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Viviamos em um mundo em que os principais sabores eram chocolate, baunilha e morango. Agora os sabores são infinitos!  Empresas sem diversidade no topo estão performando menos do que as demais, segundo o index de diversidade do Morgan Stanley. Trata-se de um imperativo empresarial, e não algo bacaninha de fazer

[/g1_quote]

No caso de Lawrence, o curso o estimulou a sair ainda mais decidido a ajudar a transformar a experiência de pessoas LGBTQ nas empresas, comunidades e países. O mergulho no programa lhe deu, segundo relata, a sensação de empoderamento no processo de transformação dentro da sua própria empresa.  O fato de estar ao lado de profissionais com experiências semelhantes gerou conversas que jamais ocorreriam em qualquer outro ambiente, e a rede de contatos criada ali se mantém forte até hoje.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

Há um fato incontestável no atual ambiente de negócios global: a diversidade já é considerada a principal chave de crescimento das empresas. A diversidade e a inclusão, sejam vistas pela perspectiva de valor ou de negócios, será, cada vez mais, determinante no sucesso das empresas –  ainda que muitas delas (brasileiras ou não) não tenham acordado até o momento. É uma questão de tempo. Isso faz com que profissionais como Lawrence e seus colegas recém-saídos do programa de Stanford, valham ouro.

Porque, como ele diz, é preciso considerar a força de trabalho do futuro e suas expectativas. Para funcionários e jovens talentosos do universo LGBTQ, não ter um líder LGBTQ nas empresas com quem se identificar pode ser uma grande oportunidade perdida.

O canadense Lawrence Spicer, vice-presidente do banco RBC. Foto Martin Shoesmith/RBC
O canadense Lawrence Spicer, vice-presidente do banco RBC. Foto Martin Shoesmith/RBC

“Quando penso nos millenials, sejam eles heterossexuais ou identificados como LGBTQ, suas expectativas exigirão que as empresas ofereçam um ambiente de trabalho inclusivo e sem barreiras. Ter executivos líderes em todos os níveis, inclusive no nível sênior, que abraçam a diversidade e a inclusão será cada vez mais importante. Líderes do futuro nas organizações ‘não serão o que não puderem enxergar’. “, observou Lawrence.

Lawrence já estava decidido a ajudar a próxima geração de funcionários LGBT dentro do banco onde trabalha, mas um dos grandes papéis do programa foi lhe permitir sonhar um pouco mais alto: crer que pode causar impacto não só no Canadá, mas globalmente.

“Me sinto mais confiante para usar a ‘moeda de executivo’ que tenho em mãos, para ajudar a influenciar minha organização através dos muitos relacionamentos que construí dentro dela ao longo dos anos. Tenho certeza de que compartilhar a experiência que tive Stanford vai acelerar o diálogo, e criar mudanças sustentáveis.”, garante.

O próprio fato de uma universidade como Stanford apostar em um programa como esse e ter atraído grandes executivos de várias partes do mundo é, em si, uma grande história, e também uma mensagem potente para as empresas a respeito da importância de apoiar o desenvolvimento de lideranças LGBTQ.

Lawrence não quis me contar detalhes ou momentos pessoais das vivências mais intensas do curso. Disse que talvez as melhores histórias devam ser guardadas para os participantes.

“São histórias que, quando estamos sozinhos, ocupados no trabalho, nos fazem dar uma parada e sorrir. Sabendo que outras 43 pessoas talvez estejam sorrindo, naquele exato momento, lembrando do mesmo episódio”, disse.

Os professores Tom Wurster e Sarah Soule, da Stanford Graduate School of Business. Foto Elena Zhukova
Os professores Tom Wurster e Sarah Soule, da Stanford Graduate School of Business. Foto Elena Zhukova

É interessante imaginar que, possivelmente, 85 sementes poderosas como essa foram plantadas nas duas turmas que já se formaram no Stanford Executive Program para líderes LGBTQ. A primeira turma foi realizada em agosto de 2016 e a segunda, em agosto último. Tom Wurster e Sarah Soule, da Stanford Graduate School of Business, criaram o curso ao perceberem que trabalhar a identidade LGBTQ pode ser, em muitos aspectos, a grande chave do desenvolvimento profissional e da liderança nas empresas, nesse mundo de rápidas transformações e de emergência de jovens executivos pertencentes a esses grupos.  Stanford já tem histórico em programas de treinamento e liderança para “minorias” como mulheres ou americanos de origem asiática, por exemplo. No programa LGBTQ, Wurster explica que permeando todo o conteúdo natural de um curso focado em liderança e aceleração de carreira, está a questão da identidade e da necessidade crucial de ampliar e desenvolver conexões profissionais, estabelecendo redes de contato virtuosas.

“Eu e Sarah acreditamos que o sucesso nos negócios está profundamente ligado a identificar, promover e acelerar o talento em sua diversidade. Empresas que acolhem, cuidam e desenvolvem o melhor pensamento e execução são em geral aquelas capazes de encontrar talentos em qualquer parte – inclusive, com frequência, entre executivos ‘marginalizados’ e de menor visibilidade. No fundo, nos inspiramos nessa perspectiva para criar um programa que ampliasse essas possibilidades”, disse Wurster.

[g1_quote author_name=”Lawrence Spicer” author_description=”Vice-presidente do banco RBC” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Quando penso nos millenials, sejam eles heterossexuais ou identificados como LGBTQ, suas expectativas exigirão que as empresas ofereçam um ambiente de trabalho inclusivo e sem barreiras. Ter executivos líderes em todos os níveis, inclusive no nível sênior, que abraçam a diversidade e a inclusão será cada vez mais importante

[/g1_quote]

No primeiro curso, estiveram entre os palestrantes nomes como a neurocientista Vivienne Ming e Lord John Browne, ex-CEO da BP e autor do livro “The Glass Closet”, no qual relata a experiência de 38 anos de “vida dupla” no mundo corporativo, tentando esconder sua identidade gay. Na segunda edição, uma das presenças marcantes foi a da estrategista e ativista lésbica Kathy Levinson, ex-COO do E-Trade e criadora da Lesbian Equity Foundation. Ela foi uma das pioneiras a lutar (e fazer conquistas) pelos direitos e benefícios de pessoas LGBT no ambiente de trabalho.

Chiqui Cartagena, vice-presidente sênior do grupo de Política, Advocacia e Governança da Univision Communications, em Nova York, foi uma das participantes da segunda edição do programa, e se diz pessoalmente e profissionalmente transformada. Mulher, lésbica e latina, conta que ao longo da sua carreira aprendeu a “dosar” – para não dizer tolir – suas várias dimensões pessoais, todos os dias, tanto no trabalho como fora dele.

“Estar numa sala de aula com 40 outros executivos LGBTQ me fez sentir empoderada e inspirada para realmente levar meu verdadeiro self para o trabalho todos os dias. Antes de Stanford, eu me sentia impelida a, todos os dias, me valer de uma dimensão ou disfarçar outra, dependendo da ocasião. Percebi que é importante que meus colegas de trabalho percebam que todas as três dimensões juntas fazem de mim uma colaboradora mais valiosa – porque as três são importantes para o nosso negócio”, afirma.

Hoje, Chiqui reconhece que pode se valer dessas três dimensões para ajudar a gerar resultados, e que parte do seu papel como líder é ajudar a educar as pessoas sobre como uma latina lésbica pode de fato ser uma grande executiva  e um exemplo.

Uma das aulas do programa Stanford LGBTQ Executive Leadership. Foto Elena Zhukova
Uma das aulas do programa Stanford LGBTQ Executive Leadership. Foto Elena Zhukova

Outra mudança fundamental, ela conta, é que sua rede de colegas expandiu um bocado depois do programa. Hoje ela pode recorrer para pedir conselhos ou simplesmente trocar ideias a um grupo de pessoas que inclui não só quem esteve com ela em sala de aula agosto passado, mas também o grupo da primeira turma, da qual Lawrence faz parte.

“Não estou mais sozinha. Tenho pessoas do meu nível a quem posso ligar a qualquer momento para pedir conselhos, e isso inclui os professores Tom e Sarah. Tenho literalmente 50 novos amigos no Facebook/Linkedin com quem me sinto conectada e, em alguns anos, eles serão 500. Essa é a mudança mais imediata”, relata.

Ela se diz, como Lawrence, numa missão coletiva de ajudar o mundo corporativo a entender que líderes LGBTQ podem acelerar o crescimento dos negócios e que as empresas que vencerão no futuro próximo serão aquelas com líderes que compreendem o novo mundo multicultural de hoje – que coloca o consumidor multicultural no centro de sua estratégia de crescimento. Enxergar a realidade demográfica do mundo atual, que se torna cada vez mais negro, latino, asiático e gay é uma questão de sobrevivência.

“Viviamos em um mundo em que os principais sabores eram chocolate, baunilha e morango. Agora os sabores são infinitos!  Empresas sem diversidade no topo estão performando menos do que as demais, segundo o index de diversidade do Morgan Stanley. Trata-se de um imperativo empresarial, e não algo bacaninha de fazer”, diz.

Se empresas estão preparadas para receber pessoas como Chiqui e Lawrence? Nem todas, claro. Depende do setor, e do quanto há mentalidade avançada e plural na liderança.

Chiqui diz que valorizar a diversidade em geral – e não só a LGBTQ – ainda não é padrão nos negócios, apesar das leis que vem sendo adotadas em diversos países em favor, por exemplo, do casamento gay e outros direitos civis igualitários. A maioria das empresas, no entanto, segue adotando “fazer as coisas certas” apenas no discurso, ou marcando caixinhas. Diversidade é mera formalidade em muitas organizações.

Ser uma latina lésbica assumida não é nada fácil nos Estados Unidos, mas Chiqui se diz privilegiada na empresa em que trabalha, que tem, segundo descreve, uma das culturas internas mais diversas e heterogêneas do país. Em outras empresas onde trabalhou, era apenas vista como representante de três minorias. Alguém que ajudou a “preencher três caixinhas”, e nada mais. Ela confessa que se sente mais forte como líder LGBTQ do que como latina, uma minoria ainda desvalorizada. E Chiqui entende do assunto: é autora do livro “Latino Boom – Catch the biggest demographic wave since the baby boom“.

Das vivências e exercícios em Stanford, ela guarda com especial carinho aqueles que lhe mostraram que para chegar ao topo não é preciso demonstrar apenas força.

“Grandes líderes são, na verdade, muito empáticos e frequentemente demonstram suas vulnerabilidades.”, vibra.

Essa descoberta a fez sentir que, daqui para frente, será melhor não só como líder, mas como pessoa com sua esposa, amigos e família.

Ela diz que de alguma forma sempre soube que pertencia à ala sênior da cadeia alimentar executiva, mas agora, depois de participar do curso, tem certeza.  Sua confiança renovada em altíssimo grau a faz pensar que pode, sim, conquistar o mundo.

Claudia Penteado

Jornalista especializada em marketing e comunicação - é repórter e articulista do PropMark, assina a coluna semanal Negócios & Propaganda no Jornal do Commercio, o blog Mundo Criativo no portal da Época Negócios e é correspondente do jornal Advertising Age (EUA). Tem MBA em marketing pelo Coppead, é pós-graduada em Literatura, Arte e Pensamento Contemporâneo pela PUC-Rio, dedica-se ao estudo do tema Sustentabilidade, pratica yoga e é mãe da Juliana.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Um comentário em “Quando a diversidade vale ouro

  1. Eliezer disse:

    Esse programa é incrível, acabei de concluir ele semana passada em Stanford e, de fato, ampliou minhas perspectivas. Recomendo. A Sarah e o Tom organizaram uma agenda muito impactante.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *