A meditação pode ocorrer em torno de uma mandala, confeccionada com flores. Com voz firme, mas acolhedora, a monja Zen-budista Mariângela Ryosen sugere aos alunos que “respirem, que prestem atenção no ar, que entra e sai”. A turma vai lentamente entrando no clima. “Coloquem sua atenção na respiração sempre que puderem, isso é saúde, é transformação”, recomenda mais uma vez. O silêncio vai tomando conta do ambiente – ouvidos apurados chegam a escutar o barulho da respiração.
O ritual se repete todas as quintas-feiras, há cinco anos. É quando a monja troca o repouso do mosteiro pelo Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) Centro-Sul, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Atrás das grades, mulheres de todas as idades esperam pelo início da aula de meditação, quando se dedicam à técnica de relaxamento conhecida como R.Y.E (Recherche dans La yoga dans la Educacion, idealizada pela professora francesa Micheline Flak). Ou simplesmente ioga na educação.
A professora, como monja Ryosen é conhecida entre as detentas, usa ainda mantras, além de mandalas, para ajudar no trabalho, que tem por objetivo aumentar a confiança e a autoestima das presas. As aulas duram uma hora e meia. Recursos lúdicos também são usados, como bolhas de sabão.
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Veja o que já enviamosA bolha de sabão faz a conexão entre a respiração, o pensamento e a impulsividade. Quando a pessoa tem consciência de sua respiração, ela fica dona de si
[/g1_quote]“Tenho depressão e ansiedade. Deixei lá fora quatro filhos e fico muito triste por não poder estar com eles. A meditação tem me dado forças para não acordar tão desesperada por estar presa. A respiração me traz tranquilidade, hoje tenho mais consciência de mim”. A.J.J., 28 anos, é uma das 1.989 detentas que aderiu à meditação enquanto esteve presa. Ela cumpriu prisão provisória no Ceresp.
O trabalho com a população carcerária foi ideia dos alunos da monja e conta com o apoio da Pastoral Carcerária.
O objetivo é melhorar a energia local, dado que o Ceresp está longe de ser um presídio modelo. Há denúncias contra ele de superlotação e a situação de insalubridade no centro de triagem já foi alvo do Ministério Público mineiro.
Uma vez por mês, em cada uma das oito celas, que, atualmente, abrigam 153 mulheres, é passado o documentário “Do lodo ao lótus”, de Marcelo Buaiwain. É sobre a vida de Luiz Henrique Gusson Coelho, preso por homicídio, estelionato e formação de quadrilha. Ele seria um dos detentos que, segundo o cineasta, teria encontrado a paz atrás das grades depois que começou a fazer yoga.
As detentas são jovens e, em sua maioria, foram presas por envolvimento com o tráfico de drogas, furtos e homicídios. A carceragem é o meio do caminho entre a liberdade e a prisão. Estão lá porque aguardam julgamento, porque esperam o alvará de soltura, porque estão prestes a serem transferidas para um presídio feminino.
Perfil das detentas
Estudo feito pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz – “Saúde Materno-Infantil nos Presídios”, de 2015 – constatou que 65% das gestantes condenadas poderiam cumprir prisão domiciliar, já que cometeram crimes menores, como porte de drogas e pequenos furtos. Foram ouvidas 447 detentas de todas as capitais brasileiras e regiões metropolitanas.
A situação da mulher no sistema prisional brasileiro é marcada pela prevalência de jovens, de até 27 anos, e pardas (41%) e negras (37%). O diagnóstico está em “Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-social sobre a experiência da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro”, coordenado pelas advogadas Luciana Boiteux e Aline Pancieri, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Cerca de 70% das detentas são rés primárias e 46,3% delas foram condenadas por tráfico de drogas.
A inusitada experiência no Centro de Remanejamento do Sistema Prisional inclui até bolas de sabão, que de repente começam a voar pelo pátio, refletindo as cores do arco-íris. “A bolha de sabão faz a conexão entre a respiração, o pensamento e a impulsividade. Quando a pessoa tem consciência de sua respiração, ela fica dona de si”, justifica Mariângela, para quem o trabalho tem um objetivo simples: nutrir a humanidade. “Se não levarmos esta prática até o presídio, como elas terão acesso?”, questiona.
[g1_quote author_name=”G.P.D.M” author_description=”detenta, de 29 anos” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]“Aqui dentro a gente vive muito pesada e estressada. Me sinto só, longe da família e dos amigos, tendo que conviver, diariamente, com desconhecidas, pessoas com quem não posso compartilhar meus problemas. Aqui é uma bomba explosiva. A meditação me deixa mais aliviada, mais centrada. Sinto paz interior e aprendi a não me deixar perturbar pelas pessoas. Sou uma presa livre
[/g1_quote]E para a diretora do Ceresp Centro-Sul, Luciana Maria de Oliveira, a meditação é um projeto com resultados visíveis. “Ele tem um impacto forte porque tira as detentas da cela e resgata nelas o respeito, a individualidade e estimula um momento de pensar, de introspecção dentro do ambiente carcerário”, argumenta. Já a psicóloga da unidade prisional, Raquel Nogueira, considera o projeto uma ótima alternativa de ajuda, porque elas não dispõem de nenhuma atividade. “A prática chega ao fim com uma visível mudança corporal, energética e emocional do grupo. Quando a agente carcerária as conduz de volta às celas, quem sabe elas consigam descobrir que os pensamentos podem aprisionar ou libertar?”, pondera.