O movimento negro brasileiro iniciou nos anos 1970 a mobilização por um dia para celebrar a resistência à escravidão, em oposição ao 13 de Maio de 1888, data que a História oficial consagrou à liberdade “concedida” pela Princesa Isabel. Foi num 20 de novembro que morreu o líder do mais simbólico quilombo do país, Palmares, na Serra da Barriga (AL). Em 1987, a data tornou-se feriado no Rio Grande do Sul; em 2002, no Rio de Janeiro. Mas a Lei Federal 12.519, que criou o Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, só foi promulgada em 2011. Hoje, é feriado em cerca de um quinto dos municípios brasileiros.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]É interminável o rol de desafios a serem alcançados. Mas antes disso, tornou-se urgente conter os retrocessos. A ameaça de perda de direitos sociais por negras e negros brasileiros é crescente e imensa. Ela se materializa no cenário macroeconômico adverso; na crise fiscal que alcança União, estados e municípios; nas propostas de ajustes que, por regressivos, jogam a fatura no bolso dos que menos têm.
[/g1_quote]O Dia da Consciência Negra é relevante por três motivos. Primeiro, apoia a autoestima e a identidade racial do povo preto pelo caráter de celebração da cultura, da arte, das tradições, das religiões afro-brasileiras. Reconta a História do Brasil ao disseminar informações sobre negros e negras que protagonizaram a luta pela liberdade. Por fim, ajuda na reflexão sobre conquistas obtidas e obstáculos a serem superados na construção da ainda distante igualdade racial no país.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosNa semana passada, em conversa com alunos das Faculdades Integradas Helio Alonso (Facha), no Rio, sugeri que o Dia da Consciência Negra tenha para o ativismo afro-brasileiro o mesmo significado do 31 de dezembro para boa parte da humanidade. Que seja o momento de listar vitórias, contabilizar derrotas, estabelecer metas. Ao fim de cada ano, nos acostumamos a inventariar o calendário que se fecha e a formular resoluções para o período que se aproxima. Que assim seja também na agenda sócio-política-econômica dos brasileiros autodeclarados pretos e pardos.
É inegável que as últimas décadas trouxeram avanços para os negros brasileiros. Nas políticas universais, a estabilização da moeda, a valorização real e crescente do salário mínimo, os programas de transferência de renda (Bolsa Família, em particular), a PEC das Domésticas. Se o país adota medidas endereçadas aos mais pobres, invariavelmente beneficiará pretos e pardos, maioria da população de baixa renda e das estatísticas de escassez de serviços públicos e indicadores socioeconômicos. No arcabouço de ações afirmativas, destaca-se a política de cotas no ensino superior. Promulgada em agosto de 2012, a lei federal permitiu a entrada de 150 mil estudantes negros em universidades públicas nos três primeiros anos de vigência.
No inventário deste 2016, se saldo positivo há, ele é imaterial, simbólico, traduzido na disposição para a luta das jovens feministas negras, incansáveis e barulhentas na rede e na rua. É interminável o rol de desafios a serem alcançados. Mas antes disso, tornou-se urgente conter os retrocessos. A ameaça de perda de direitos sociais por negras e negros brasileiros é crescente e imensa. Ela se materializa no cenário macroeconômico adverso; na crise fiscal que alcança União, estados e municípios; nas propostas de ajustes que, por regressivos, jogam a fatura no bolso dos que menos têm.
São as mulheres negras as principais vítimas das agressões de gênero e da violência obstétrica. Três de cada quatro jovens assassinados no país – são cerca de 30 mil por ano – têm a pele preta ou parda. Neste domingo, na Cidade de Deus, sete famílias choravam seus mortos em praça pública, mais um capítulo da guerra carioca, tão antiga quanto inócua. É maior a taxa de desemprego e menor a escolaridade média dos afrodescendentes. Residuais são as proporções entre empregadores, gerentes, chefes e no topo da representação política. Os negros são maioria entre pobres e moradores de habitações precárias.
No cenário de cortes no Orçamento, serão os pobres e os negros a parcela da população mais afetada. Se a PEC 241 – renumerada para PEC 55 no Senado – for aprovada sem alterações, há agudo risco de redução dos gastos per capita na Saúde, na Educação e na Assistência Social ao longo das duas décadas de vigência da legislação, conforme indicaram estudos recém-produzidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [Nota Técnica 27 e Nota Técnica 28]. Nenhuma dúvida sobre quem no país utiliza hospitais e escolas públicas ou recebe benefícios de renda mínima – ou seja, quem vai pagar a conta.
Neste réveillon da Consciência Negra, está difícil desejar feliz ano novo.