Levantamento feito em 16 países pela organização Global Witness aponta que 185 defensores da terra e ativistas ambientais foram assassinados em 2015. Destas mortes, 50 foram registradas no Brasil, o campeão absoluto e isolado neste tipo de crime. O documento, que utiliza informações de instituições como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e será divulgado oficialmente nesta segunda-feira, indica que houve um crescimento espantoso no número de registros, da ordem de 59%, em relação ao ano de 2014.
[g1_quote author_name=”José Wasenstiner” author_description=”Padre na paróquia São Raimundo, em Codó” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A comunidade que tinha lá praticamente não existe mais. As famílias se mudaram para a cidade, mas desejam voltar desde que haja alguma paz
[/g1_quote]No relatório, intitulado “Em solo perigoso”, a ONG, sediada em Londres, aponta que disputas envolvendo o avanço da mineração, expansão do agronegócio, do desmatamento e a construção de novas usinas hidrelétricas foram as principais causas das mortes nos países analisados.
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Veja o que já enviamosAlém do Brasil, Filipinas, Colômbia, Peru, Nicarágua e República Democrática do Congo são algumas das nações que registraram assassinatos envolvendo ativistas ambientais. Dos 50 casos brasileiros, 47 foram em estados da Amazônia Legal, como Rondônia, com 20 vítimas, Pará, com 19 ocorrências, Maranhão, que registrou seis crimes, Amazonas e Mato Grosso, com uma morte cada. Pernambuco, Bahia e Mato Grosso do Sul contabilizaram um óbito cada.
“A disputa por recursos naturais tem se intensificado, em particular pelo acesso à água e terra. Isso pode conduzir para a ocorrência de mais mortes no futuro”, aponta Billy Kyte, porta-voz da Global Witness. “Os governos estão fazendo vista grossa para esta crise e tratando esses ativistas como inimigos do Estado”, complementa. O Ministério da Justiça não se pronunciou sobre o assunto.
Vítimas na floresta
O Natal de 2015 da família Silva será lembrado por muito tempo como um dos mais tristes. Foi nesta data que o corpo do líder comunitário Antônio Isídio Pereira da Silva, de 52 anos, foi encontrado no povoado de Vergel, zona rural da cidade de Codó, no Maranhão. A comunidade de pequenos agricultores e produtores rurais já vinha enfrentando constantes pressões de grileiros e madeireiros, que tentavam expulsar os moradores dali. Isídio vinha sendo ameaçado constantemente e foi o terceiro caso de morte em 19 anos naquela região. Depois do episódio, muitas famílias decidiram abandonar suas terras e fugir. Os que permanecem, continuam a sofrer ameaças de violência.
“A comunidade que tinha lá praticamente não existe mais. As famílias se mudaram para a cidade, mas desejam voltar desde que haja alguma paz”, afirma José Wasenstiner, que é padre na paróquia São Raimundo, em Codó, e atende a 78 comunidades rurais, incluindo Vergel.
Ele atua na região há 25 anos e afirma serem constantes os incêndios às casas, destruição das plantações e ameaças de mortes a quem se opõe aos grileiros. “É culpa da ganância pela terra, pela madeira. Projetos de monocultura como da soja e do eucalipto têm destruído vidas, desestruturado famílias e causado o desmatamento. A gente queria proteger tanto as pessoas, a agricultura tradicional, as matas… Mas isso desanima”, complementa.
Outro caso emblemático do ano passado foi a morte de Raimundo Santos Rodrigues, que era conselheiro da Reserva Biológica (Rebio) Gurupi, área com mais de 271 mil hectares também no Maranhão. Ambientalista ativo na região, ele foi assassinado em agosto passado com sete tiros e golpes de facão em uma emboscada.
Danilo Chammas, advogado da Justiça nos Trilhos e nomeado pela esposa de Raimundo para atuar nas investigações sobre a morte, disse que três pessoas tiveram a prisão decretada após o crime, acusados de homicídio, tentativa de homicídio e porte ilegal de arma. Dois foram detidos, mas vão responder ao processo em liberdade. O terceiro se encontra foragido.
“As investigações da Policia Federal continuam em busca de outros responsáveis.
A esposa de Raimundo foi incluída no Programa de Proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas e encontra-se em local distante, sem poder se comunicar com seus familiares, nem com os demais membros de sua comunidade. Ela também está impedida de exercer suas atividades”, disse.
“Todas as outras 22 famílias que compunham a comunidade do Gurupi deixaram o local em que viviam, por medo de sofrerem outros atentados. Depois de passarem alguns meses em casas de parentes, sem assistência do Estado e sem poder exercer suas atividades agrícolas, conseguiram que o governo lhes oferecesse uma nova terra que pudessem ocupar e cultivar”, afirma o advogado.
Mais segurança e reforma agrária
Segundo o relatório da Global Witness, para evitar que casos como o de Raimundo e Antônio Isídio se tornem cada vez mais frequentes, é preciso aumentar a proteção dos defensores da terra e do meio ambiente, especialmente através da priorização da demarcação formal das terras indígenas e comunidades rurais.
A ONG pede ainda que sejam ampliados os recursos disponíveis no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e que seja fortalecido o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
Para Rubem Siqueira, membro da coordenação-executiva nacional da Comissão Pastoral da Terra, comunidades tradicionais como quilombolas e índios são os que mais sofrem com o assédio de fazendeiros e seus funcionários. Ele explica que famílias em áreas da floresta amazônica são as maiores vítimas.
“Houve uma expansão de empreendimentos de infraestrutura, como rodovias e hidrelétricas, para a Amazônia, que tem se tornado cada vez mais a nova fronteira agrícola do país”, explica.
Segundo Siqueira, enquanto não se resolver a questão da reforma agrária no Brasil, qualquer solução feita para coibir novos conflitos agrários será paliativa.
“É preciso mudar o modelo econômico, fazer a reforma agrária. Podemos muito bem produzir o que o mundo precisa em outras condições”, afirma. Ainda segundo Siqueira, disputas por terra já fizeram novas vítimas em 2016. “Não chegamos nem à metade do ano, mas já temos indícios de que ocorreram 25 assassinatos em disputas”, complementa.
O #Colabora procurou o Ministério da Justiça para comentar o relatório. No entanto, a pasta informou que não iria se pronunciar a respeito.