Crimes no campo explodem em 2015

Número de mortos chega a 50, um crescimento de 39% em relação ao ano anterior

Por Marizilda Cruppe | FlorestasODS 14 • Publicada em 15 de abril de 2016 - 17:37 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:55

Dos 50 assassinatos ocorridos em 2015, 40 aconteceram na Região Norte, em conflitos ligados ao agronegócio, à mineração e à extração madeireira
Dos 50 assassinatos ocorridos em 2015, 40 aconteceram na Região Norte, em conflitos ligados ao agronegócio, à mineração e à extração madeireira
Dos 50 assassinatos ocorridos em 2015, 40 aconteceram na Região Norte, em conflitos ligados ao agronegócio, à mineração e à extração madeireira

(Marabá, PA) – Dora tinha 52 anos. Foi torturada e morta a tiros. Sete pistoleiros se disfarçaram de policiais federais para matar Osvaldo. Fabio foi morto a pauladas, Therezinha a tiros e machadadas, Odilon a facadas e Antônio foi atropelado. Marcus foi cobrar o dinheiro que o patrão lhe devia e ganhou um tiro no peito. Pinduca levou tantos tiros que nem a polícia técnica conseguiu contar. Foi assassinado na frente da esposa e dos três filhos pequenos. A golpes de facão e tiros os assassinos tiraram a vida de uma família inteira: Washington e Lidiane, Julio, Wesley, Samylla e Matheus. A criança mais velha tinha 14 anos.

Parece roteiro de filme de terror. E é.

[g1_quote author_name=”Claudelice Santos” author_description=”Irmã de Zé Claudio, assassinado em 2011″ author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Sem a menor sombra de dúvida a posição do Estado com relação aos assassinatos não é somente omissão. Ele é um contribuidor. Porque um Estado que não pune não é imparcial, é promovedor do racismo no campo e na floresta. No sul e no sudeste do Pará são vários casos. E há casos de assassinatos que não chegaram nem a ser julgados.

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A dois dias do vigésimo aniversário do massacre que matou 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás, ainda impune, o país vê um crescimento alarmante no número de conflitos e assassinatos no campo. Em 2015, as mortes ligadas aos conflitos pela terra tiveram um aumento de 39% em relação ao ano anterior. Dos 50 assassinatos 40 foram registrados na região Norte. O Estado onde mais se mata é Rondônia. A violência envolvendo a água atingiu o maior índice desde que a Comissão Pastoral da Terra começou a registrá-la separadamente, em 2002.

Os dados estão no relatório “Conflitos no Campo Brasil 2015”, lançado pela Comissão Pastoral da Terra nesta sexta-feira, simultaneamente, na Conferência Internacional pela Reforma Agrária, que acontece em Marabá, no Pará, e no acampamento dos manifestantes contra o impeachment, em Brasília.

A Amazônia segue como foco dos conflitos: 40 mortes, 30 das 59 tentativas de assassinato, 93 das 144 pessoas ameaçadas de morte. “No caso da Amazônia tem uma estrutura histórica e atual extremamente grave porque há um processo intenso de grilagem de terras e de ações governamentais históricas e recentes muito prejudiciais às comunidades. Há um processo de grilagem e ilegalidade nas terras da Amazônia e, ao mesmo tempo, dentro de todo esse processo que cria por si só a violência, ainda tem a impunidade. Ou seja, você tem crime, sobre crime, sobre crime que não são investigados e punidos. Cria-se uma ideia de que a violência é o modus operandi e é com ela que as terras vão ser tomadas para o capital”, analisa Paulo César Moreira Santos, membro da coordenação nacional da CPT.

mortes no campo

José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espiríto Santo, um casal de ambientalistas populares, foi assassinado em 2011, no Pará. Dos dois executores do crime, um está preso e o outro fugiu. O mandante está solto. Claudelice Santos, irmã de Zé Claudio, fala com dor e revolta: “Sem a menor sombra de dúvida a posição do Estado com relação aos assassinatos não é somente omissão. Ele é um contribuidor. Porque um Estado que não pune não é imparcial, é promovedor do racismo no campo e na floresta. No sul e no sudeste do Pará são vários casos. E há casos de assassinatos que não chegaram nem a ser julgados. Eu me sinto remando contra a maré. O Estado que devia te proteger é o mesmo que te acusa e te criminaliza. Não dá para confiar num Estado desse. Eu senti muito forte o racismo e o preconceito contra o povo que luta pela terra. Isso se mostra inclusive na sentença do juiz que escreveu que o Zé Claudio e a Maria provocaram a própria morte dando “causa ao conflito”. Mais que uma questão de dinheiro é uma questão ideológica, de quererem enfraquecer a nossa luta. Entre vitórias e derrotas a gente se agarra na esperança de ver os assassinos atrás das grades e de ver a luta dos que morreram continuar”.

Um dado que chama a atenção no relatório é o aumento dos conflitos relacionados à água. A avaliação que a CPT faz é de que esse agravamento se deve à política energética do Brasil, baseada na construção de hidrelétricas. “É um modelo totalmente equivocado e devastador do ponto de vista ambiental e do ponto de vista humano com os deslocamentos das comunidades e a perda humana, cultural, material e simbólica dessas pessoas é insubstituível. E a tendência é (a violência) aumentar por causa do plano energético que prevê a construção de 30 “belo monte” até 2030.

Daniel Vilanova Dias, 41 anos e Leidiane Drosdroski Machado, 28 anos, participavam de uma manifestação na BR-230, em Vitória do Xingu, contra a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Era o mês de maio de 2015 e havia cerca de 650 pescadores e ribeirinhos no local. Um carro furou o bloqueio e acelerou em direção aos manifestantes. Daniel e Leidiane foram atropelados, mortos e entraram para a estatística das vítimas fatais de conflitos relacionados à água.

“Em 2004 quase não se plantava soja no sul do Pará, hoje são milhares de hectares. Em 2004 quase não se exportava carne e, com os grandes frigoríficos, hoje são milhares de toneladas. A Vale aumentou a exportação de ferro de cerca de 40 para quase 140 milhões de toneladas por ano. Houve uma aceleração na perda de direitos de camponeses, indígenas, quilombolas, todos que são tidos como obstáculos. Junto dessa expansão da exportação de recursos naturais e da espoliação vêm os discursos intolerantes e violentos da classe política, sobretudo deputados no Congresso e de juízes de primeira instância. O resultado é um banho de sangue dos pobres no campo e na floresta”. A dura análise é feita pelo ecologista e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Felipe Milanez, Doutor em Sociologia pela Universidade de Coimbra, há uma década dedicado a reportar e estudar os conflitos de terra no Norte do Brasil.

E 2016 sinaliza que a violência vai aumentar. Só no primeiro trimestre foram registrados 13 assassinatos.

Os conflitos ligados à questão da água cresceram mais de 100% no ano passado, em grande parte por conta da tragédia no Vale do Rio Doce, em Mariana
Os conflitos ligados à questão da água cresceram mais de 100% no ano passado, em grande parte por conta da tragédia no Vale do Rio Doce, em Mariana

Marizilda Cruppe

​Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.

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