Fabio posiciona o violino e movimenta o arco, emitindo um som agudo e penetrante. Rômulo, Manuelle e Nicollas dão os primeiros acordes no divertido ukulele. Ana Luiza escorre os dedos pelos cilindros do pequeno carrilhão, com seu som claro e melodioso. Matheus balança o pau-de-chuva e se delicia com o barulhinho de água. O ensaio geral foi um sucesso. Os pais dos músicos estão tão ou mais ansiosos que eles. São 29 crianças e jovens com autismo. Muitos não falam. Ainda. Mas encontraram a sua voz na música. Estão prontos para subir ao palco do Teatro Miguel Falabella no dia 4 de abril, quando apresentarão o Concerto Azul.
O evento, um dos que marca o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, em 2 de abril, foi idealizado pela musicoterapeuta Michele Senra e reúne crianças e jovens com idades entre 3 e 24 anos atendidos por ela no projeto social CORA – Centro de Otimização para Reabilitação do Autista, na Penha, Zona Norte do Rio. Esta é a segunda edição – a primeira foi realizada no ano passado, mas na própria sede do CORA. A entrada será gratuita.
[g1_quote author_name=”Angélica Domingues ” author_description=”Professora” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A Ana Luiza adora cantar. Há pouco tempo ela só grunhia e agora começa a falar algumas palavrinhas. No último aniversário dela, fizemos um bolinho na escola e ela pela primeira vez cantou o ‘Parabéns pra você’
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Veja o que já enviamos“O Concerto Azul tem a proposta de celebrar a diversidade e promover a sensibilização para a causa, mas, principalmente, é uma forma de valorizar a identidade e a capacidade de expressão dos participantes”, explica Michele, que também é mãe de um rapazinho autista, o Breno, de 15 anos, que integra o elenco do show como vocalista.
Mas não esperem por um concerto tradicional, com muitas regras de etiqueta. É provável que algumas pessoas presentes – sejam os artistas ou os espectadores – deem umas boas caminhadas para lá e para cá durante as apresentações, balancem as mãos ou emitam alguns barulhinhos. Tudo bem. Ninguém vai olhar de cara feia. É que o show será aberto ao público em geral, mas os convidados especiais são, é claro, as pessoas que estão no espectro do autismo. E, muitas vezes, estes indivíduos apresentam as chamadas estereotipias, isto é, comportamentos de autoestimulação, como balançar, girar e repetir palavras ou ruídos.
Para ajudar a acalmar Ana Luiza, de 8 anos, a professora Angélica Domingues pretende usar a mesma estratégia que adotou nos ensaios: levar bolinhas de sabão para a menina soprar quando não for a sua vez no palco. Além da musicoterapia, Ana Luiza – que foi diagnosticada com autismo aos 2 anos e meio – faz psicoterapia e arteterapia no CORA e frequenta uma escola pública de ensino regular, com mediadora.
“A Ana Luiza adora cantar. Há pouco tempo ela só grunhia e agora começa a falar algumas palavrinhas. No último aniversário dela, fizemos um bolinho na escola e ela pela primeira vez cantou o ‘Parabéns pra você’. Deu pra ver que ela estava entendendo que aquela festa era para ela e o quanto ficou feliz com isso”, emociona-se Angélica.
Matheus, de 9 anos, ainda não fala. É considerado autista não-verbal. Mas o corpo dele fala quando a música toca, diz seu pai, o professor de educação física Francisco Salvador. O menino frequenta escola pública regular, com carga horária reduzida – é mais uma família que enfrenta dificuldades na inclusão na educação –, faz musicoterapia e arteterapia no CORA e ainda tem aulas de natação.
“Mas ele gosta mesmo é de música. Principalmente de samba”, conta Francisco, que também estará no palco do teatro ajudando o filho a participar do Concerto Azul, com o pau-de-chuva.
Fabio, o mais velho do grupo, com 24 anos, divide seu tempo entre as aulas de informática e de inglês e a preparação para o Concerto Azul. Diagnosticado somente aos 15 anos, ele é considerado autista leve. Tem o ensino médio completo e trabalhou numa empresa como auxiliar de escritório, mas agora está desempregado, o que o deixa mais ansioso pelos ensaios.
“Eu o levei ao CORA duas vezes para aprender o caminho, pois moramos em Olaria, e agora ele vem sozinho. Nunca falta”, conta a funcionária pública Liliane Cavalcanti, orgulhosa mãe do Fabio, que começou a aprender o violino para tocar no concerto.
O espetáculo conta com o trabalho voluntário de pais e de musicoterapeutas e estudantes de musicoterapia credenciados na AMTRJ (Associação de Musicoterapeutas do Rio de Janeiro). As crianças e os jovens participam dentro de suas possibilidades – alguns cantam e tocam instrumentos, outros dançam. Um dos números do espetáculo será uma apresentação de dança circular, que resgata as celebrações dos antigos povos.
O Concerto Azul tem esse nome por causa da incidência do autismo, que acomete quatro vezes mais os meninos que as meninas. Apesar de o Teatro Miguel Falabella ter capacidade para um público de 426 pessoas, os ingressos já estão esgotados. Antes mesmo de chegar o grande dia, o espetáculo já é um sucesso.
Uma excelente matéria. Adorei como você coloca seu olhar. Parabéns. Só uma correção. O CORA fica na Penha.
Muito grata.
Obrigado, Elaine, pela correção