Segregar não está com nada. Sabendo disso, gigantes como a Google estão criando fóruns permanentes de debates sobre o preconceito racial, onde uma das questões mais discutidas é a dificuldade de profissionais negros crescerem em suas carreiras. Essa preocupação é grande também entre as empresas brasileiras. Educador e especialista em Direitos Humanos, Reinaldo Bulgarelli faz um cálculo sintomático sobre a questão no país:
– No estudo de 2016 do Instituto Ethos com as nossas 500 maiores empresas, feito em parceria com o BID, vemos que somente 4,7% dos executivos são negros. Mais que isso, podemos ver também a velocidade da mudança. Em 2001, os negros eram 2,6% dos executivos. Em 14 anos (os dados são de 2015), o acréscimo foi de 2,1 pontos percentuais apenas. Mantido esse ritmo, em quantos anos chegaríamos a ter pelo menos 50% de executivos negros? Seriam mais de 300 anos.
[g1_quote author_name=”Luana Genot” author_description=”Diretora do IDBR” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Nos últimos anos, registramos um aumento de 130% no número de negros formados pelas universidades. Mas a verdade é que eles não estão sendo absorvidos pelo mercado. Quando eles chegam lá, por mais que tenham um currículo incrível, esbarram no estigma racial, que vai além da questão social
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– Essa é a ideia de raça superior e inferior que ainda está presente em nosso cotidiano – complementa ele.
Diretora do instituto Identidades do Brasil (IDBR), Luana Genot reforça que ainda há muito a ser feito. O nível de escolarização do segmento, por exemplo, está aumentando, mas não suas oportunidades.
– Nos últimos anos, registramos um aumento de 130% no número de negros formados pelas universidades. Mas a verdade é que eles não estão sendo absorvidos pelo mercado. Quando eles chegam lá, por mais que tenham um currículo incrível, esbarram no estigma racial, que vai além da questão social – diz ela.
Segundo Bulgarelli, é importante reconhecer o racismo como um dado da nossa sociedade porque mesmo os negros com ótimas qualificações se tornam invisíveis nas estratégias de recrutamento ou de negócios.
– E a verdade é que há cada vez mais profissionais negros com acesso à educação de qualidade e há cada vez mais negros na classe A do país. Mesmo no quadro funcional, ou seja, na base da empresa, o país com 54% de negros possui apenas 35,7% nesta posição.
É uma questão delicada – até porque nenhuma empresa assume que preteriu profissionais negros por causa de racismo. Mas a queixa é sempre a mesma:
– As pessoas não explicam por que você não vai adiante ou não consegue determinada promoção – diz Luana.
É verdade que o Brasil tem evoluído na adoção de políticas públicas pró-diversidade – basta ver o sucesso das cotas para negros em universidades. Mas é importante que elas sejam mantidas e aperfeiçoadas.
[g1_quote author_name=”Reinaldo Bulgarelli” author_description=”Educador” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Chamei algumas empresas para o diálogo sobre o tema e elas resolveram criar a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. No âmbito interno, as grandes empresas constituem programas específicos na questão racial, estimulam a criação de grupos sobre diversidade racial, com a presença de negros e não negros, e realizam censos internos para saber exatamente quantos colaboradores se autodeclaram negros
[/g1_quote]– As ações afirmativas, incluindo as cotas, não estão a serviço apenas de promover relações raciais mais justas no que diz respeito à demografia interna nas empresas. Ações afirmativas também ajudam no enfrentamento do racismo institucional e suas bases culturais. A convivência entre brancos e negros, hoje quase inexistente nas grandes empresas, sobretudo nas posições mais altas, pode ajudar na mudança da mentalidade. E é importante garantir a presença, a voz, a participação dos negros nessas posições para instalar um diálogo. Isso de conscientizar ou sensibilizar sem a presença e participação dos negros não parece algo razoável ou efetivo – diz Bulgarelli, que atua como consultor na área de diversidade desde 2001.
A solução passa pela chamada cultura organizacional, que deve atuar como filtro para o racismo, construindo realidades mais respeitosas, inclusivas, justas e seguras para todas as pessoas e seus relacionamentos.
É nessa linha que a Google está agindo – até porque, lembremos, a diversidade é um dos segredos para o surgimento de novas ideias, matéria-prima das empresas de tecnologia da informação. Cerca de 70% dos funcionários da empresa de tecnologia em todo o mundo já participaram dessas conversas.
Foi justamente para sentir como essa questão está evoluindo no mercado latino-americano que a Google convidou Luana Genot para apresentar aos seus executivos o IDBR, que se dedica a ajudar a população negra a crescer no mercado de trabalho aqui no país.
– Nós criamos planos de ações para as empresas, ajudando-as a estabelecer metas de recrutamento com palestras e atividades em diversos setores, e aumentando a cota para esses profissionais. Queremos propagar a ideia de igualdade racial é uma causa de todos.
Bulgarelli, por sua vez, também acredita no trabalho de conscientização. E afirma que há bons caminhos.
– Chamei algumas empresas para o diálogo sobre o tema e elas resolveram criar a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. No âmbito interno, as grandes empresas constituem programas específicos na questão racial, estimulam a criação de grupos sobre diversidade racial, com a presença de negros e não negros, e realizam censos internos para saber exatamente quantos colaboradores se autodeclaram negros. Há nisso uma questão importante: a inserção do quesito cor ou raça, como faz o IBGE, em todos os documentos da empresa para gerenciar o tema de maneira eficaz. Sem a informação de cor ou raça, ficamos apenas no discurso. Evidentemente, precisamos também de um horizonte positivo para mobilizar as pessoas para a ação a favor da diversidade e suas possibilidades de adição de valor. É mais do que dizer um não à discriminação. É um sim à diversidade.