Racismo nas empresas

Em 14 anos o acréscimo de negros entre os executivos do país foi de apenas 2,1 pontos percentuais. Foto Cordelia Molloy/Science Photo

Ritmo de promoções para profissionais negros no país continua muito lento

Por Nelson Vasconcelos | Economia VerdeODS 14 • Publicada em 14 de março de 2017 - 09:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:41

Em 14 anos o acréscimo de negros entre os executivos do país foi de apenas 2,1 pontos percentuais. Foto Cordelia Molloy/Science Photo
Em 14 anos, o acréscimo de negros entre os executivos do país foi de apenas 2,1 pontos percentuais. Foto Cordelia Molloy/Science Photo
Em 14 anos, o acréscimo de negros entre os executivos do país foi de apenas 2,1 pontos percentuais. Foto Cordelia Molloy/Science Photo

Segregar não está com nada. Sabendo disso, gigantes como a Google estão criando fóruns permanentes de debates sobre o preconceito racial, onde uma das questões mais discutidas é a dificuldade de profissionais negros crescerem em suas carreiras. Essa preocupação é grande também entre as empresas brasileiras. Educador e especialista em Direitos Humanos, Reinaldo Bulgarelli faz um cálculo sintomático sobre a questão no país:

No estudo de 2016 do Instituto Ethos com as nossas 500 maiores empresas, feito em parceria com o BID, vemos que somente 4,7% dos executivos são negros. Mais que isso, podemos ver também a velocidade da mudança. Em 2001, os negros eram 2,6% dos executivos. Em 14 anos (os dados são de 2015), o acréscimo foi de 2,1 pontos percentuais apenas. Mantido esse ritmo, em quantos anos chegaríamos a ter pelo menos 50% de executivos negros? Seriam mais de 300 anos.

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Nos últimos anos, registramos um aumento de 130% no número de negros formados pelas universidades. Mas a verdade é que eles não estão sendo absorvidos pelo mercado. Quando eles chegam lá, por mais que tenham um currículo incrível, esbarram no estigma racial, que vai além da questão social

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Ou seja, tem algo errado aí.

– Essa é a ideia de raça superior e inferior que ainda está presente em nosso cotidiano – complementa ele.

Diretora do instituto Identidades do Brasil (IDBR), Luana Genot reforça que ainda há muito a ser feito. O nível de escolarização do segmento, por exemplo, está aumentando, mas não suas oportunidades.

– Nos últimos anos, registramos um aumento de 130% no número de negros formados pelas universidades. Mas a verdade é que eles não estão sendo absorvidos pelo mercado. Quando eles chegam lá, por mais que tenham um currículo incrível, esbarram no estigma racial, que vai além da questão social – diz ela.

Segundo Bulgarelli, é importante reconhecer o racismo como um dado da nossa sociedade porque mesmo os negros com ótimas qualificações se tornam invisíveis nas estratégias de recrutamento ou de negócios.

– E a verdade é que há cada vez mais profissionais negros com acesso à educação de qualidade e há cada vez mais negros na classe A do país. Mesmo no quadro funcional, ou seja, na base da empresa, o país com 54% de negros possui apenas 35,7% nesta posição.

Pesquisa Mensal de Emprego mostra que o abismo ainda é enorme para os negros. Mulheres pretas e pardas não ganham nem metade da renda dos homens brancos. Foto Luca Savettiere

É uma questão delicada – até porque nenhuma empresa assume que preteriu profissionais negros por causa de racismo. Mas a queixa é sempre a mesma:

– As pessoas não explicam por que você não vai adiante ou não consegue determinada promoção – diz Luana.

É verdade que o Brasil tem evoluído na adoção de políticas públicas pró-diversidade – basta ver o sucesso das cotas para negros em universidades. Mas é importante que elas sejam mantidas e aperfeiçoadas.

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Chamei algumas empresas para o diálogo sobre o tema e elas resolveram criar a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. No âmbito interno, as grandes empresas constituem programas específicos na questão racial, estimulam a criação de grupos sobre diversidade racial, com a presença de negros e não negros, e realizam censos internos para saber exatamente quantos colaboradores se autodeclaram negros

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– As ações afirmativas, incluindo as cotas, não estão a serviço apenas de promover relações raciais mais justas no que diz respeito à demografia interna nas empresas. Ações afirmativas também ajudam no enfrentamento do racismo institucional e suas bases culturais. A convivência entre brancos e negros, hoje quase inexistente nas grandes empresas, sobretudo nas posições mais altas, pode ajudar na mudança da mentalidade. E é importante garantir a presença, a voz, a participação dos negros nessas posições para instalar um diálogo. Isso de conscientizar ou sensibilizar sem a presença e participação dos negros não parece algo razoável ou efetivo – diz Bulgarelli, que atua como consultor na área de diversidade desde 2001.

A solução passa pela chamada cultura organizacional, que deve atuar como filtro para o racismo, construindo realidades mais respeitosas, inclusivas, justas e seguras para todas as pessoas e seus relacionamentos.

É nessa linha que a Google está agindo – até porque, lembremos, a diversidade é um dos segredos para o surgimento de novas ideias, matéria-prima das empresas de tecnologia da informação. Cerca de 70% dos funcionários da empresa de tecnologia em todo o mundo já participaram dessas conversas.

Foi justamente para sentir como essa questão está evoluindo no mercado latino-americano que a Google convidou Luana Genot para apresentar aos seus executivos o IDBR, que se dedica a ajudar a população negra a crescer no mercado de trabalho aqui no país.

– Nós criamos planos de ações para as empresas, ajudando-as a estabelecer metas de recrutamento com palestras e atividades em diversos setores, e aumentando a cota para esses profissionais. Queremos propagar a ideia de igualdade racial é uma causa de todos.

Bulgarelli, por sua vez, também acredita no trabalho de conscientização. E afirma que há bons caminhos.

– Chamei algumas empresas para o diálogo sobre o tema e elas resolveram criar a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. No âmbito interno, as grandes empresas constituem programas específicos na questão racial, estimulam a criação de grupos sobre diversidade racial, com a presença de negros e não negros, e realizam censos internos para saber exatamente quantos colaboradores se autodeclaram negros. Há nisso uma questão importante: a inserção do quesito cor ou raça, como faz o IBGE, em todos os documentos da empresa para gerenciar o tema de maneira eficaz. Sem a informação de cor ou raça, ficamos apenas no discurso. Evidentemente, precisamos também de um horizonte positivo para mobilizar as pessoas para a ação a favor da diversidade e suas possibilidades de adição de valor. É mais do que dizer um não à discriminação. É um sim à diversidade.

Nelson Vasconcelos

É carioca e jornalista. Cobre o acelerado mundo da tecnologia desde 1996. Para contrabalançar, gosta muito de escrever sobre livros, antigo suporte de dados que ainda resiste ao Facebook e redes afins. Fotógrafo muito amador, já pediu o autógrafo do Leo Aversa, que o ignorou totalmente - mas tudo bem, porque é botafoguense e, por isso mesmo, está acostumado a adversidades. Pai de quatro filhos. Quatro!!!

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