Uma nova geração de embarcações que poluem menos singra os mares desde meados do ano passado. Só que os navios “verdes” circulam apenas no hemisfério Norte, onde a legislação ficou mais rigorosa para proteger o meio ambiente. Por aqui não há perspectiva de mudança nas regras. A criação, por portos estrangeiros, do Índice Ambiental de Navios, em tradução livre da sigla em inglês ESI, para uma certificação voluntária, foi um dos fatores para endurecer as regras, que começaram a ser discutidas em 1997.
Para ser considerado “verde”, o navio precisa estar equipado com tecnologia capaz de capturar gases liberados na queima de combustível a fim de reduzir a quantidade de tóxicos lançados no ar. Ser eficiente energeticamente é outra prioridade, o que significa gastar menos energia para aquecer, climatizar, dessalinizar e iluminar a embarcação. Usar óleo mais leve ou até gás natural são opções consideradas pelos armadores. Assim como manobras que desligam as máquinas ou reduzem velocidade ajudam a poupar emissões de gases de efeito estufa e combustível.
O índice avalia 4.235 navios anualmente com base em dados fornecidos pelos armadores e são auditados periodicamente. São analisadas as quantidades de óxidos de Enxofre e de Nitrogênio, de material particulado (expelido na fumaça e altamente poluente) e de gás carbônico liberadas em alto mar. Enquanto as duas primeiras susbtâncias são altamente nocivas à saúde, o gás carbônico contribui para o efeito estufa.
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Veja o que já enviamos– Temos mais navios no índice e eles são cada vez mais verdes. Os dados mostram, no entanto, que a maioria dos armadores se esforça apenas para ser um pouco mais limpo do que é exigido pela regulamentação – conta o capitão holandês Fer van der Laar, responsável pela atualização do índice junto à Iniciativa Climática Mundial de Portos (WPCI, na sigla em inglês).
A regulação é definida pela Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês), uma agência das Nações Unidas responsável pelo transporte em alto mar. No Mar do Norte, Mar Báltico e na costa norte-americana – tanto no Atlântico como no Pacífico –, chamadas de áreas de emissão controlada, há um limite para a presença de substâncias tóxicas no combustível para navegação.
[g1_quote author_name=”Fer van der Laar” author_description=”Responsável pela atualização do ESI” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Os dados mostram, no entanto, que a maioria dos armadores se esforça apenas para ser um pouco mais limpo do que é exigido pela regulamentação
[/g1_quote]Desde 2010, o combustível pesado e mais poluente está sendo paulatinamente substituído por versões menos danosas. No Brasil, o óleo deverá conter menos enxofre a partir de 2020. Nas áreas citadas no Norte, o corte mais drástico aconteceu em 2015 e, desde janeiro último, também há um teto para a concentração de nitrogênio.
A norueguesa Island Offshore é uma das empresas que lidera a lista de navios “verdes”. Em 4 de março, a empresa foi premiada pela Autoridade Portuária do porto de Roterdã, na Holanda, pelo navio mais sustentável que atracou por lá no último século: o Island Condor. Construído em 2014, ele apoia o funcionamento de plataformas de petróleo. O percentual de óxido de Nitrogênio liberado é 90% menor que o gerado por embarcações similares que circulam no litoral brasileiro.
– Desde 2008, a redução da emissão de gás carbônico já passa de 30% (em comparação com os níveis médios) como resultado de táticas para economizar combustível postas em prática pela tripulação. Recebemos o prêmio como um reconhecimento do nosso esforço contínuo para reduzir nossa pegada – explica o diretor geral da companhia, Havard Ulstein, pontuando outra vantagem da navegação sustentável: o corte de combustível reduz custos de operação.
Em 2015, a Autoridade Portuária de Roterdã distribuiu quase 2 milhões de euros para embarcações com altas pontuações no ESI como parte de um sistema de recompensa.
As duas primeiras posições na relação do ESI são da Remoy Shipping, empresa norueguesa que se destaca no índice ambiental de navios e também opera no apoio à produção de petróleo. As embarcações NAO Thunder e o NAO Guardian alcançaram o teto da pontuação possível navegando no Mar do Norte e Atlântico Norte. O Island Condor aparece em sétimo lugar no mesmo ranking.
O setor naval e a COP-21
Uma das grandes polêmicas no texto final aprovado na Conferência do Clima de Paris, a COP-21, foi a exclusão de metas de controle de emissões para as indústrias de navegação, assim como para o setor de aviação. Dados da IMO sustentam que o transporte internacional por via marítima foi responsável por 2,7% das emissões mundiais de CO2 em 2012.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]Sem uma barreira, a projeção é que a poluição por fontes navais alcance até 14% do total em 2050
[/g1_quote]Sem uma barreira, a projeção é que a poluição por fontes navais alcance até 14% do total em 2050. A próxima reunião da IMO acontece em abril e vai debater as eventuais metas e formas de restringir o aumento. O Brasil tem assento na entidade, ocupado por Wilson Barbosa Guerra, almirante da Marinha.
A ausência de regulação cria circunstâncias perigosas. No carnaval, por exemplo, o Rio de Janeiro recebeu onze navios de passageiros em seu porto. Para manter as instalações funcionando, a embarcação tem duas opções: ligar motores ou ligar na tomada, literalmente, recorrendo à eletricidade do porto. Na falta de fontes alternativas no terminal – como um sistema de distribuição pronto para a demanda ou central de geração usando fonte eólica ou gás natural –, eles mantêm os motores em funcionamento.
– São cerca de 10 megawatts. É quase uma termelétrica a operar no centro da cidade. Se fosse uma usina, teria que pedir licença ambiental e, dificilmente, obteria. Mas como é uma situação limitada no tempo, as pessoas não se dão conta do problema. No Brasil falta regulação cobrando ação – lamenta Marcos Freitas, do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da Coppe, da UFRJ.