‘Geração Aluguel’ vive pesadelo em Londres

Em sete anos, preço médio dos imóveis na capital britânica subiu 44%

Por Claudia Sarmento | ODS 12 • Publicada em 5 de março de 2016 - 07:11 • Atualizada em 5 de março de 2016 - 12:48

Até o ano 2000, 60% dos londrinos eram donos de um imóvel. Em 2025 esse percentual deve cair para 40%, segundo previsões do mercado
Entre 2014 e 2015, Londres ganhou 20.520 novas casas, de acordo com a Prefeitura. Os especialistas calculam que seriam necessárias 60 mil por ano para resolver o problema
Entre 2014 e 2015, Londres ganhou 20.520 novas casas, de acordo com a Prefeitura. Os especialistas calculam que seriam necessárias 60 mil por ano para resolver o problema

Quem mora em Londres é testemunha: é quase impossível participar de uma conversa sobre o custo de vida na cidade sem cair no tema da moradia. A grande maioria dos habitantes da metrópole britânica já sentiu no bolso o peso de um mercado imobiliário permanentemente superaquecido. Todo o Reino Unido passa por uma crise nesse setor, mas na capital o problema é crônico. Nas áreas mais nobres, o preço médio dos imóveis está em torno de R$ 4 milhões. A previsão, segundo pesquisadores da London School of Economics, é de que até 2030 um quarto de todas as propriedades da cidade esteja valendo mais que milhão de libras (R$ 5,6 milhões).  Para muitos, tanto entre a classe média quanto entre as de menor poder aquisitivo, Londres está ficando uma cidade inacessível.

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Não é difícil entender por que tornou-se mais difícil para um jovem com uma renda modesta colocar um pé na escala imobiliária. No final dos anos 90, eram necessários três anos de economia para dar entrada num financiamento, enquanto hoje são necessários 22 anos.

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A consequência é um número cada vez menor de proprietários, enquanto milhões suam para pagar aluguéis nas alturas, com preços que sobem três vezes acima do índice de reajuste salarial. A imprensa britânica criou uma expressão para se referir aos que têm menos de 40 anos e, ao contrário de seus pais e avós, não podem nem sonhar em ser donos de um imóvel: “Geração Aluguel”. Em resumo, há gente demais para moradias de menos, fazendo da crise no setor a pior desde os tempos vitorianos. O resultado óbvio é a explosão dos preços, com sérias consequências econômicas – calcula-se que os moradores da cidade tenham deixado de gastar quase três bilhões de libras em 2015 por estarem endividados demais com seus aluguéis e hipotecas – e o aumento das desigualdades sociais.

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O jornal “The Independent” calculou que 50 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas nos últimos três anos, engrossando as fileiras dos cidadãos oficialmente reconhecidos como sem-teto (não significa que vivem nas ruas, mas em acomodações temporárias subsidiadas). Enquanto isso, milionários de outros países menos estáveis que o Reino Unido, como a Rússia, por exemplo, ajudaram a elevar os preços das habitações a níveis recordes, investindo seu dinheiro no promissor mercado londrino, principalmente no período que se seguiu à crise financeira de 2008. Em sete anos, o preço médio das casas na capital subiu 44%.

Já os preços dos aluguéis na cidade só perdem para os de Nova York (a mais cara do mundo nesse sentido) e Hong Kong, de acordo com um estudo do Centro de Pesquisa Econômica e Empresarial (CEBR, na sigla em inglês). Um quarto num sótão de uma casa afastada da região central pode custar 600 libras por mês (cerca de 3,2 mil reais), um preço cruel para qualquer lugar do mundo.

Histórias de abusos cometidos em nome da bolha imobiliária estão sempre presentes nas manchetes da imprensa britânica. Neste último fim de semana, em mais uma reportagem sobre os preços estapafúrdios dos imóveis em Londres, o “Finantial Times” destacou o valor de venda de um apartamento mínimo convertido para dois quartos (o prédio antes era comercial), e sem janelas: 465 mil libras, ou 2,55 milhões de reais. O endereço fica em Brixton, Sul de Londres, um dos bairros da capital que vem passando por intensa gentrificação e vê a comunidade local de menor poder aquisitivo ser empurrada para subúrbios mais distantes.

Larry Elliot, editor de Economia do jornal “The Guardian”, resumiu da seguinte maneira o drama da geração Millenials (nascida após 1980) buscando um teto em Londres: “Não é difícil entender por que tornou-se mais difícil para um jovem com uma renda modesta colocar um pé na escala imobiliária. No final dos anos 90, eram necessários três anos de economia para dar entrada num financiamento, enquanto hoje são necessários 22 anos. O aumento dos preços da habitação pode ter sido maravilhoso para a geração baby boomer, que vem freqüentemente usando seus ganhos nesse setor para criar pequenos impérios de compra e venda de imóveis, mas tem sido desastroso para a ‘geração aluguel’. Londres tornou-se uma zona proibida para jovens com ambições de possuir uma casa própria”, escreveu recentemente. Até o ano 2000, 60% dos londrinos eram donos de um imóvel. Em 2025 esse percentual deve cair para 40%, segundo previsões do mercado.

A estudante Cherie Hu trocou recentemente a cidade de Leicester por Londres para terminar um doutorado. Tomou um susto com os preços fora de controle dos apartamentos, mas como não podia mais adiar a mudança acabou aceitando um aluguel muito acima do orçamento previsto.

– As habitações em Londres não têm boa relação custo-benefício. Não há equilíbrio entre o que é oferecido e os preços malucos dos aluguéis que pagamos. Tenho amigos que são jovens profissionais e têm empregos dignos, mas acabam tendo que dividir apartamentos. É lamentável que esses preços façam de Londres uma cidade inacessível para gerações mais jovens – disse.

A falta de investimentos em construções acessíveis é uma das principais críticas à gestão do polêmico prefeito de Londres, Boris Johnson. Entre 2014 e 2015, a cidade ganhou 20.520 novas casas, de acordo com a Prefeitura. Os especialistas calculam que seriam necessárias 60 mil por ano para resolver o problema. Empresários sabem que os preços prejudicam quem quer fazer negócio na capital e afetam sua competitividade global. Assim, cerca de cem lideranças de diferentes setores da indústria britânica se juntaram recentemente para pressionar a Prefeitura a construir pelo menos 50 mil propriedades por ano até 2020. Vão ter que fazer lobby junto ao novo prefeito, que será eleito em maio. O conservador Johnson, por sua vez, já está de olho num endereço nobre. O número 10 de Downing Street, residência oficial do primeiro-ministro.

Claudia Sarmento

Jornalista, PhD em Mídia e Comunicação pela Universidade de Westminster e professora visitante do Departamento de Humanidades Digitais do King's College de Londres.

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