Como resíduos de mineração podem servir para despoluir rios na Amazônia

Estudo feito na Universidade Federal do Pará aponta possibilidade de usar sobras de minerais para remover metais pesados e corantes de rios

Por Micael Olegário | ODS 12
Publicada em 8 de agosto de 2025 - 19:39  -  Atualizada em 10 de agosto de 2025 - 17:07
Tempo de leitura: 5 min

Reserva de Desenvolvimento Sustentável Vitória do Souzel em Senador José Portírio; pesquisa pode ajudar a retirar metais pesados e corantes de rios – (Foto: Ascom Ideflor-Bio / Agência Pará)

Uma pesquisa feita na Universidade Federal do Pará (UFPA) propõe uma alternativa para despoluir rios na Amazônia a partir de resíduos de mineração. O estudo utiliza técnicas da “ciência verde” para transformar rejeitos materiais como a vermiculita e o manganês, geralmente descartados em barragens, em produtos capazes de remover metais pesados e corantes de cursos d ‘ água.

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A pesquisa foi publicada na revista REM – International Engineering Journal e propõe uma alternativa local para enfrentar um grave problema ambiental, a poluição crescente de rios por resíduos de mineração. Essa contaminação afeta diferentes regiões da Amazônia, como Carajás (PA), com impactos severos nos ecossistemas e na vida de comunidades ribeirinhas e animais.

“Amazônidas trabalhando pela Amazônia, o que mostra que nós temos profissionais capazes de resolvermos os nossos problemas”, destaca Dorsan dos Santos Moraes, professor da UFPA e coordenador do grupo responsável pela pesquisa. Segundo ele, o estudo surgiu a partir da intenção de enfrentar os problemas em sua origem, evitando que esses resíduos sejam descartados na natureza.

No estudo, foram feitos testes com dois materiais, sendo um deles a vermiculita ativada com sódio, composto que obteve 99% de eficácia na remoção de corantes industriais, como o azul de metileno. O outro material, a fase tipo Shigaite LDH, feita com resíduos da mineração de manganês, removeu 100% dos metais pesados da água, como cromo e o próprio manganês.

“A vermiculita já é um absorvente natural utilizado na embalagem de muitos produtos químicos que vem para a Amazônia. Depois do seu uso principal, ela é descartada. Então, nós pegamos esse material que era descartado e transformamos em novos adsorvedores muito mais potentes”, explica Dorsan. O laboratório em que ele atua trabalha com pesquisas semelhantes há 10 anos. 

Adsorvedores é o termo utilizado para nomear materiais capazes de reter substâncias, a partir da fixação. No caso do tratamento de água e ar, esses produtos são bastante usados para remover impurezas, poluentes e odores.

Impactos da mineração

Um dos piores desastres socioambientais da história do Brasil está ligado, justamente, ao depósito de rejeitos de mineração da barragem Brumadinho, administrada pela Vale, em Minas Gerais. Na época, em 2019, o desastre matou 272 pessoas, além de ter causado inúmeros danos socioambientais e econômicos no território ao longo dos anos.

Já temos diversos absorvedores de origem sintética em uso, mas eles têm um alto preço de mercado. Aliado ao fato de que para serem produzidos, eles também geram resíduos. Esse nosso material já é feito de resíduos

Dorsan dos Santos Moraes
Professor da UFPA

Um outro estudo, divulgado em 2024 pela WWF-Brasil, mostrou os impactos da contaminação por mercúrio nas bacias dos Rios Tapajós, Xingu, Mucajaí e Uraricoera. A pesquisa, feita a partir do aumento das atividades de garimpo ilegal na Amazônia, identificou risco extremamente alto de contaminação para homens e mulheres em mais de 50% das sub-bacias analisadas, com impactos mais graves para populações indígenas e ribeirinhas.

Mas não é só a mineração ilegal que afeta os rios da região. Em 2018, o vazamento de bauxita das operações da mineradora Hydro Alunorte causou a contaminação de rios próximos a Barcarena, no interior do Pará. Uma investigação, feita um ano depois, mostrou ainda que um duto clandestino espalhou os resíduos poluentes para outros cursos d’água na região. 

Mina do Sossego, em Canaã dos Carajás (PA), reconhecida como a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo (Foto: Maycon Nunes / Agência Pará – 13/03/2019)

Desafios e futuras pesquisas

Dorsan Moraes ressalta que, apesar dos resultados positivos da pesquisa, o “carro chefe” do trabalho desenvolvido nos laboratórios de geociências da UFPA é a preparação dos estudantes. “São nossos alunos que vem para o laboratório colaborar com a gente para desenvolver novos produtos”. Colaboram com a pesquisa, os estudantes Arthur de Farias Silva Rente, Augusto Farias Rente e Bruno Apolo Miranda Figueira, além do também professor Anderson Conceição Mendes.

Os estudos da área também envolvem dois outros fatores: tempo e financiamento. “Na Amazônia, a gente tem uma dificuldade muito grande de verba para dar prosseguimento aos projetos”, lamenta Dorsan. Um dos objetivos do estudo é chamar atenção para o potencial desses materiais desenvolvidos e atrair investimentos também de empresas e indústrias do setor.

Outro elemento que reforça a importância da pesquisa com resíduos de mineração, para além dos benefícios socioambientais, está na própria redução de custos para despoluição de rios. “Já temos diversos absorvedores de origem sintética em uso, mas eles têm um alto preço de mercado. Aliado ao fato de que para serem produzidos, eles também geram resíduos. Esse nosso material já é feito de resíduos”, pontua o professor.

Para o futuro, Dorsan conta que o laboratório está trabalhando também com outros materiais, como a atapulgita, um mineral argiloso com estrutura fibrosa e que também possui propriedades de adsorção e é muito utilizado em diversas indústrias. “Estamos investigando suas propriedades e a possibilidade de aplicação. E muitas outras coisas que estão presentes na Amazônia, nós também estamos pesquisando”, complementa o pesquisador da UFPA.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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