Quem vai pagar a conta do clima?

Barcos de turistas encalhados na Índia por conta da seca. Foto de Sam Panthaky/AFP

Cientistas dizem que acordo de Paris é fraco demais e oferece apenas falsas esperanças

Por José Eduardo Mendonça | ODS 13 • Publicada em 13 de fevereiro de 2017 - 08:50 • Atualizada em 14 de fevereiro de 2017 - 11:24

Barcos de turistas encalhados na Índia por conta da seca. Foto de Sam Panthaky/AFP
Barcos de turistas encalhados na Índia por conta da seca. Foto de Sam Panthaky/AFP
Barcos de turistas encalhados na Índia por conta da seca. Foto de Sam Panthaky/AFP

No mundo todo, o debate sobre a mudança do clima começa a perder intensidade, por conta de tensões geopolíticas e da luta predatória do neoliberalismo pelo controle do que ainda há a controlar. Tanto pior. Em 2014, William Nordhaus, professor de Yale e um dos principais pensadores da economia do aquecimento global, lançava O Cassino do Clima – Risco, Incerteza e Economia para um Mundo em Aquecimento. Sua credibilidade confere grande peso à mensagem central do livro: a mudança do clima é uma questão econômica urgente, com impactos em espiral sobre seus custos.

O futuro é altamente incerto para virtualmente todas as variáveis, particularmente as econômicas, como emissões futuras, danos e o custo social do carbono

Nordhaus vem falando sobre isso há anos. Em 1972, junto com seu colega James Tobin, publicou O Crescimento é Obsoleto?, um artigo que introduziu a Medida de Bem-Estar Econômico (ou Índice de Bem-Estar Econômico Sustentável). Este foi o primeiro modelo para uma avaliação da sustentabilidade da economia. Ele argumentava que para se pensar claramente na economia de recursos exauríveis como petróleo e carvão, era necessário olhar bem para a frente, para avaliar seu valor quando eles se tornassem mais escassos.

E dá alguns exemplos, em valores vultosos. No século 21, o custo dos furacões, nos EUA, vai mais que dobrar, chegando a U$ 12 bilhões por ano. E impostos eficazes sobre a emissão de gases de efeito estufa irão aumentar o preço de quase toda a atividade econômica. Se as ações para brecar a mudança do clima custam dinheiro, não fazer nada custa muito mais.

Agora, em estudo publicado recentemente, Nordhaus diz que o acordo de Paris, feito por 195 países em Paris, em dezembro de 2015, e que serviria para virar o jogo, é apenas uma peça “retórica”. O acadêmico rodou dados disponíveis em seu modelo econômico conhecido como DICE (Dynamic Integrated Model of Climate & the Economy) e chegou a conclusões sombrias.

“A meta internacional da mudança do clima com um limite de 2ºC (acima de níveis pré-industriais) é impraticável com tecnologias razoavelmente acessíveis – mesmo com estratégias muito rigorosas e irrealistas de diminuição de emissões”, escreve ele.

“Isto por causa da inércia do sistema do clima, do rápido crescimento econômico projetado no curto prazo e de várias revisões no modelo. Uma meta de 2.5ºC é tecnicamente viável mas iria requerer medidas política extremas”.

As afirmações de Nordhaus se baseiam em projeções e crescimento econômico até 2050, que ele estima em torno de 2.1% ao ano, um pouco abaixo dos 2.2% vistos de 1980 a 2015. A falta de qualquer imposto sério e internacional sobre as emissões de carbono significa que o crescimento sustentado resultará em seu aumento. E, claro, no custo dos danos causados pelo aquecimento.

O futuro é altamente incerto para virtualmente todas as variáveis, particularmente as econômicas, como emissões futuras, danos e o custo social do carbono”, diz ele. “Pode ser tentador concluir que as nações deveriam esperar que as incertezas sejam resolvidas, ou até pelo menos a poeira baixar. O estudo diz o contrário”.

Mesmo os militares americanos expressaram preocupação sobre as implicações de segurança de movimentos de massa que cenários como tempestades devastadoras, secas, ondas de calor e enchentes irão provavelmente provocar.

Nordhaus afirma que em todo o mundo apenas a União Européia introduziu políticas importantes destinadas a reduzir o aquecimento global, mas tem dúvidas sobre os resultados.  As políticas hoje na região são muito modestas. Além disso, a partir da perspectiva da economia política em vários países a partir de agora, “parece que as chances de fortes medidas políticas diminuem, não aumentam”.

Os alertas do professor Nordhaus estão entre os mais recentes feitos por cientistas, segundo os quais o tempo está se esgotando. De acordo com eles, em carta conjunta publicada no jornal inglês The Independent, o acordo de Paris é fraco demais e apenas oferece “falsas esperanças”.

Outro acadêmico notável, o climatologista Michael Mann, enfatizando não ser um economista, disse que restringir o aquecimento a 2ºC “já é um desafio”, mas acha um “exagero” dizer, como Nordhaus, que isto será extremamente difícil, mesmo se forem introduzidas políticas severas no curto prazo”.

A física não é um obstáculo, apenas a vontade política”, diz. “Poderíamos argumentar que não seria possível criar a mobilização para vencer a Segunda Guerra, mas nós fizemos isto”.

Com a eleição de Donald Trump, fala-se em uma “era de políticas mínimas do clima” para os próximos anos. Nordhaus, no entanto, sugere que esta já é a situação corrente. E que, com as revisões de métodos e dados em seu modelo, o preço associado a cada tonelada de carbono emitida deverá ser 50 por cento mais alto que em sua versão anterior. O governo Obama usou o DICE como um de três modelos de avaliação utilizados também pela iniciativa privada para estimar, em dólares, o “custo social do carbono”. A estimativa atual é de U$ 40 por tonelada.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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