Há mais de 10 anos, tomei conhecimento do que é a adoção no Brasil. Tenho 3 filhos. Sempre me indignei com o fato de ver tantas crianças abandonadas, vítimas de maus tratos, largadas nos sinais de trânsito, estupradas e violentadas em seus direitos mais básicos à vida e à dignidade.
Neste contato com a adoção, descobri que existem mais famílias querendo adotar do que crianças “disponíveis”. Então veio a pergunta: Por que esta conta não fecha?
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]Podemos chamar de família pessoas que, por uma coincidência genética, vieram ao mundo conosco, mesmo sem qualquer afinidade emocional? Será que podemos chamar de família um pai ou uma mãe que prostituem seus filhos em troca de alguns trocados?
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Veja o que já enviamosPercebi que temos uma moderna legislação que regulamenta a questão da adoção e das crianças – o chamado ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Bom, se temos leis, se temos famílias, se temos crianças, por que tantas crianças envelhecem sem um lar?
A lei privilegia a família e não a criança. Este é o problema. Para que uma criança esteja “disponível” para a adoção, ela precisa terminar um processo de destituição do poder familiar, ou seja, “liberar-se” da família biológica.
Aí surgem os problemas, pois temos de um lado milhares de crianças abandonadas, e um Poder Judiciário tentando, sem limitação de prazo, reinserir uma criança em sua família sanguínea.
Mas o que é família?
Podemos chamar de família pessoas que, por uma coincidência genética, vieram ao mundo conosco, mesmo sem qualquer afinidade emocional? Será que podemos chamar de família um pai ou uma mãe que prostituem seus filhos em troca de alguns trocados? O que dizer de “parentes” que jamais demonstraram qualquer afetividade, mas que são chamados a “cuidar” de uma criança pelo simples fato de que são a chamada família extensa? Onde entra o quesito mais importante, que é o amor?
Recentemente temos lido na imprensa alguns artigos sobre a demora na destituição do poder familiar e a existência de gerações e mais gerações de “Filhos de Abrigo”, que crescem sem uma família, mesmo existindo mais de 60 mil pessoas esperando por um filho.
Em maio de 2016 lancei um livro de fotografias chamado “FILHOS”, retratando justamente este problema e servindo como início de uma conscientização social, para que a Lei seja alterada e se estabeleça um prazo para a destituição do poder familiar.
Uma Lei pode ser alterada de várias formas, mas a maneira mais rápida é através da iniciativa do Poder Legislativo Federal que, ouvindo o clamor da sociedade, apresenta as mudanças necessárias. E foi assim o que ocorreu depois do lançamento do livro. Em apenas três dias tivemos o projeto de lei apresentado. Agora precisa ser votado.
Neste mês estamos vendo o movimento do Ministério da Justiça no sentido de melhorar os processo de adoção, e muitas pessoas alegando que ser “Filho de Abrigo” é uma coisa indesejável, colocando em questão o imenso serviço social que estes abrigos prestam.
Por conta do livro, conheci dezenas de abrigos, e acompanhei de perto a rotina de diretores, funcionários, crianças, etc. É preciso deixar claro que a maioria destas instituições trabalha bravamente com um ideal de doação e amor incondicional pelo próximo.
Presenciei demonstrações de caridade e altruísmo difíceis de se ver por aí. Pessoas que abrem mão de grande parte de suas vidas para tentar acolher cada vez mais crianças, na certeza de estarem contribuindo para um mundo melhor. Imaginar que o Poder Público vá dar conta disto, é tapar o sol com a peneira e lavar as mãos para tantas vidas. Um abrigo certamente é muito melhor do que a casa de origem, repleta de maus tratos e condições desumanas. Um abrigo certamente é muito melhor do que morar debaixo da ponte, com toda sorte de maus tratos e falta de higiene que existe. Mas um abrigo deve ser provisório, e não definitivo.
Não podemos permitir a existência de crianças de abrigo, que passam sua infância sem um verdadeiro lar, tudo por conta de uma lei que não cria mecanismos para evitar isto. Mas nem por isto podemos misturar os conceitos de uma legislação mais eficiente, com descuido em seu processo.
Para se tornar pai através da adoção, precisa-se estar legalmente habilitado para isto.
Um processo de adoção não é fácil. Muitos desistem. Reuniões, entrevistas, audiências, espera e incertezas. Não se deve descuidar deste processo de habilitação. Deve-se torná-lo ainda mais criterioso e sério, pois estamos lidando com a vida humana. Processos de devolução de crianças são extremamente traumáticos, e causam sequelas eternas.
Defendo a aplicação de pesadas indenizações monetárias para os pais que devolvam uma criança. Filho não é mercadoria, seja ele biológico ou não. O mesmo serve para o abandono afetivo. Otimizar o processo de adoção e estabelecer um prazo para que ocorra a destituição do poder familiar não é, em absoluto, descuidar do processo de habilitação, ou dos procedimentos pós adoção.
Otimizar este processo é permitir que milhares de crianças não cresçam sem um lar, sem família, sem amor.
Nesta semana, nos dias 15, 16 e 17 de março, prosseguiremos com o projeto “Filhos – Como transformar vidas”, uma série com exposição e debates na Livraria da Travessa, no Shopping Leblon. Todos se sensibilizaram com a seriedade do tema e abriram suas portas para que possamos debater abertamente o assunto. Reunimos voluntariamente mais de 40 palestrantes que estarão debatendo nestes dias, com entrada franca, os pilares da adoção e o que precisamos fazer para mudar isto. Afinal de contas, o lugar de criança é em casa, com amor, carinho, respeito e com dignidade.
Melhor assim do que ficar discutindo redução de maioridade penal, abandono escolar, aumento do consumo de drogas, etc.