‘Não é Não’ sim; sem lugar para talvez

Criação de protocolos nacional e na cidade do Rio de Janeiro ajuda a combater assédios às mulheres em estabelecimentos de lazer

Por Luís Guilherme Vieira | ArtigoODS 5 • Publicada em 5 de fevereiro de 2024 - 09:34 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2024 - 10:41

Não é não: novos protocolos ajudam a combater assédios às mulheres em estabelecimentos de lazer (Foto: Divulgação)

(Não é não)
(Não é não)
(Não é não)
(Não é não)
Eu existo e agora sei de mim
Eu não desisto e luto até o fim
Eu quero e eu ínsito
Escuta o que vou te falar
Sim é sim, não é não
E o talvez é para pensar
(Não é não. Sol da piedade. Composição: Daniel Musi/Cassiano Andrade)

Teve o caso do jogador famoso que abusou de uma paquera no banheiro da boate. E o caso da modelo que disse que um empresário colocou droga em sua bebida para que se aproveitasse dela sem que tivesse condição de resistência. E teve ainda o caso daquela amiga que reclamou de toques indevidos no espreme-espreme do bar quando tentava ser atendida no balcão. Teve também aquele que tentou roubar um beijo e o outro que levou a menina para o paredão forçado, mesmo longe de estar num reality show. Teve igualmente a mão-boba que balança o beiço e a mão que belisca a odalisca. Quem dera que estes atos criminosos fossem coisas de carnavais passados… Para todos aqueles que possam eventualmente se inspirar nesses malfadados exemplos, é preciso um recado duro: não é não. E quem está dizendo não sou eu nem você. É a lei.

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O presidente Lula (PT) sancionou, em 29 de dezembro, a Lei 14.786/2023, que cria o protocolo “Não é Não” para proteger mulheres de assédio em shows, bares e boates que vendem bebidas alcoólicas. A legislação entra em vigor 180 dias depois da publicação, portanto, a partir do final de junho de 2024.

Há, porém, uma grave restrição: a lei não se aplica a cultos nem a outros eventos realizados em locais religiosos. Provável que Lula tenha buscado evitar conflitos com a bancada evangélica do Congresso; nada justifica o imoderado cometimento. Público que nestes templos religiosos, sejam de que qualquer crença, abusos sexuais sucedem com frequência. Certamente a legislação não acabará com os abusos, mas é um passo a mais para a minimização da violência de gênero.

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Veja o que já enviamos

Na cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa da vereadora Luciana Boiteux (PSOL) e outros, já vigora, desde novembro, a Lei 8.186/2023, “Sem consentimento é violência”, em que os protocolos de proteção à mulher vitimada são rígidos e amplos. Esta já vale para o Carnaval carioca que se aproxima. Considera violência sexual desde o assédio verbal até a penetração forçada, com uma variedade de tipos de atos que ocorram sem consentimento, por meio de coerção, constrangimento, pressão social, intimidação e força física.

A lei municipal determina, tal qual a federal, que os proprietários e os organizadores de estabelecimentos de lazer, como bares, restaurantes, casas de show, boates, ginásios e clubes esportivos auxiliem a mulher vítima com serviços de prevenção e de suporte, por meio de treinamento de funcionários no acolhimento e encaminhamento da vítima para as redes de proteção oficial.

Determina, inclusive, que a vítima deve ser acolhida o mais rápido possível, sem questionamentos sobre a veracidade do seu relato por pessoas treinadas – se possível por uma mulher – em ambiente reservado, devendo ser verificado se ela não corre algum tipo de perigo imediato, mantendo-a afastada e protegida do possível agressor.

A lei federal, que terá de ser regulamentada, segue a mesma linha da carioca, com a vantagem de que a sua aplicação terá aplicação em todo território nacional. Também estabelece um protocolo de atendimento de mulheres vítimas de constrangimento e violência em locais onde sejam vendidas bebidas alcoólicas para prevenir e (tentar) evitar o agravamento das situações, além de preservar a integridade das mulheres.

As casas noturnas e os estabelecimentos que sediam eventos esportivos deverão identicamente adotar regras para resguardar a integridade física e psicológica das mulheres e, relatado o fato, os agressores hão de ser retirados do estabelecimento e, a depender, a polícia há de ser chamada para a adoção de medidas criminais. Têm, similarmente, a obrigação de criar um código próprio a ser divulgado nos banheiros femininos, estimulando que as mulheres alertem os funcionários que precisam de ajuda. Isso inclui a disponibilização de recursos para que a denunciante possa regressar à sua casa de forma segura; havendo, naqueles locais, câmeras de segurança, as imagens relacionadas aos acontecimentos terão de ser preservadas por pelo menos 30 dias.

“Não é Não”. “Sem consentimento é violência”. Paz e amor, sempre.

Luís Guilherme Vieira

Luís Guilherme Vieira é advogado criminal; cofundador e membro dos Conselhos Deliberativos do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e da Sociedade dos Advogados Criminais do Rio de Janeiro (Sacerj); membro da Comissão Especial de Defesa da Liberdade de Expressão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e secretário-geral do Instituto dos Advogados Brasileiros, onde presidiu – como na OAB-RJ – a Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito.

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