Japão alia decrescimento demográfico com crescimento da renda per capita

País do sol nascente caminha para ser uma referência em qualidade de vida humana e preservação ambiental

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 9 • Publicada em 29 de abril de 2024 - 09:25 • Atualizada em 3 de maio de 2024 - 09:23

Carros alegóricos cruzam uma ponte laqueada de vermelho perto de cerejeiras em plena floração no segundo dia do Festival da Primavera de Takayama na província de Gifu. O Japão caminha para ser uma referência mundial em qualidade de vida e preservação ambiental. Foto Yasushi Kanno/The Yomiuri Shimbun via AFP

O Japão foi o único país do mundo a sofrer um ataque nuclear. As bombas atômicas construídas pelo projeto Manhattan nos Estados Unidos da América – sob a liderança do físico norte americano Robert Oppenheimer (1904-1967), diretor do Laboratório Nacional Los Alamos – atingiram Hiroshima (06 de agosto de 1945) e Nagasaki (09 de agosto de 1945) matando mais de 200 mil pessoas. O país do “Sol Nascente” saiu destruído da guerra e teve de redirecionar sua estratégia de desenvolvimento.

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Parecia impossível, mas o Japão “sacudiu a poeira e deu a volta por cima”, pois em menos de 50 anos se transformou em um país rico, altamente tecnológico, com um elevado padrão de vida, tendo 67% do território coberto por florestas, baixíssima taxa de mortalidade infantil e a maior expectativa de vida do mundo. O período de ouro ocorreu na época do chamado “milagre econômico japonês”, que foi do final da década de 1940 ao início da década de 1990. O Japão aproveitou o 1º bônus demográfico (bônus da estrutura etária) e, também, o 2º bônus (da produtividade) e, a despeito de ser um país pequeno e sem grandes recursos naturais, se transformou em uma das 4 maiores economias globais.

Todavia, o auge do crescimento econômico já passou. O crescimento da economia estagnou e a população total do país atingiu o pico no início dos anos 2000, iniciando um período secular de diminuição do número de habitantes. Boa parte da mídia internacional e muitos analistas dizem que o Japão enfrenta uma crise demográfica e que a economia japonesa pode colapsar em função da redução da população em idade ativa, do envelhecimento populacional e do aumento da razão de dependência demográfica.

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Todavia, a despeito de todo o alarmismo, o decrescimento demográfico japonês, ao invés de provocar um retrocesso, pode gerar uma janela de oportunidade para a prosperidade social e ambiental do país. O Japão tem uma história muito rica e cheia de reviravoltas, mas o século XXI pode marcar um novo tempo de auspicioso decrescimento demoeconômico com maior qualidade de vida humana e ecológica.

Os diferentes tipos de crescimento econômico e demográfico

A relação entre população e desenvolvimento variou ao longo do tempo. Para entender as relações entre a dinâmica demográfica e o desenvolvimento econômico é adequado recorrer ao artigo “Population, Technology, and Growth: From the Malthusian Regime to the Demographic Transition” dos economistas Galor and Weil (1998). Os autores mostram que, em geral, as diversas economias do mundo evoluíram endogenamente através de três fases:

1ª. No regime malthusiano, o crescimento populacional está positivamente relacionado com o nível de rendimento per capita. O progresso tecnológico é lento e é acompanhado por aumentos proporcionais da população, de modo que o produto per capita se mantém estável em torno de um nível constante.

2ª. No regime pós-Malthusiano, as taxas de crescimento da tecnologia e da produção total aumentam. O crescimento populacional absorve grande parte do crescimento da produção, mas o rendimento per capita aumenta lentamente. A economia passa endogenamente por uma transição demográfica em que a relação tradicionalmente positiva entre o rendimento per capita e o crescimento populacional é invertida.

3ª. No regime de Crescimento Moderno, o crescimento populacional é moderado ou mesmo negativo e o rendimento per capita aumenta rapidamente. O progresso tecnológico avança juntamente com o aumento da proporção

O Japão passou por estas 3 fases nos últimos 2 séculos e está na dianteira de uma quarta fase. O país do extremo oriente fez várias tentativas para se afirmar enquanto nação independente e soberana. No início do século XVII, o xogum Tokugawa unificou o país e expulsou os portugueses, fechando o país aos estrangeiros por cerca de 250 anos. Neste período a economia japonesa ficou estagnada.

Mas em 1854, os navios da Marinha dos Estados Unidos, liderados por Matthew C. Perry, forçaram a abertura do país ao comércio internacional, enfraquecendo o xogunato Tokugawa. Em 1868, houve uma virada, quando o poder foi centralizado nas mãos do imperador Mutsuhito, que promoveu a restauração Meiji  e iniciou um processo acelerado de desenvolvimento econômico e fortalecimento do poderio militar japonês.

O Japão surpreendeu o mundo ao vencer a Rússia na guerra de 1904-1905. Mas em seguida optou pelo fortalecimento militar e ocupou a Coreia, Taiwan e a ilha Sacalina. Nos anos 1930 invadiu a Manchúria, na China. Em 7 de dezembro de 1941, atacou a base naval de Pearl Harbor e declarou guerra aos Estados Unidos. A derrota na Segunda Guerra deixou o Japão destruído, sem colônias e com o colapso do complexo militar industrial.

O gráfico abaixo mostra o crescimento acumulado do Produto Interno Bruto (PIB), da população e da renda per capita japonesa de 1885 a 1947, com dados do Projeto Maddison. A população japonesa era de 38,4 milhões de habitantes em 1885 e passou para 78,1 milhões de habitantes em 1947, um crescimento de 2 vezes em 62 anos. O PIB cresceu 5,6 vezes entre 1885 e 1944, mas caiu quase pela metade até 1947, como consequência da derrota na Segunda Guerra. Assim, o crescimento do PIB foi de 3,2 vezes entre 1885 e 1947 e a renda per capita cresceu 1,6 vezes entre 1885 e 1947. Portanto, a renda per capita cresceu 60% em 62 anos, isto é, 0,7% ao ano. Por conseguinte, neste período, o Japão estava próximo de um regime malthusiano, com alto crescimento demográfico e baixo crescimento da renda per capita.

Porém, tudo mudou após a derrota militar japonesa. A alternativa de crescer com base nos gastos militares foi encerrada. Os grandes conglomerados japoneses – que participaram da aventura imperialista – passaram a atuar para a conquista de mercados de bens e serviços. Os chamados Zaibatsus – como Mitsubishi; Mitsui, Sumitomo e Yasuda – passaram a investir em produtos e tecnologias civis e na conquista de mercados externos. Houve também mudanças demográficas. O Japão deixou para trás as políticas pró natalistas da época do esforço de guerra e passou a seguir o caminho da transição demográfica.

O gráfico abaixo mostra o crescimento acumulado do Produto Interno Bruto (PIB), da população e da renda per capita japonesa de 1947 a 1992, também com base nos dados do Projeto Maddison. A população japonesa era de 78,1 milhões de habitantes em 1947 e passou para 124,5 milhões em 1992, um crescimento de 1,6 vezes em 45 anos. Mas o PIB cresceu impressionantes 18,2 vezes entre 1947 e 1992. Por conseguinte, a renda per capita cresceu de forma exponencial, aumentando 11,4 vezes em 45 anos, isto é, 5,6% ao ano, uma das maiores taxas de progresso da renda do mundo. Desta forma, neste período, o Japão entrou com toda a força no “regime de crescimento moderno” e conseguiu aproveitar o 1º e o 2º bônus demográficos e se transformou em uma economia rica, com elevado padrão de vida da população.

Todavia, depois de viver uma fase “milagrosa” e se transformar em uma economia poderosa, o ritmo de crescimento populacional e econômico do Japão se reduziu. O gráfico abaixo mostra o crescimento acumulado do Produto Interno Bruto (PIB), da população e da renda per capita japonesa de 1992 a 2025, com base nos dados do World Economic Outlook (WEO) do Fundo Monetário Internacional, de abril de 2023. A população japonesa era de 124,5 milhões em 1992, atingiu o pico de 128 milhões em 2009 e diminui ligeiramente para 122 milhões em 2025, praticamente uma estabilidade nos 33 anos em questão. Neste quadro, tanto o PIB quanto a renda per capita cresceram 1,3 vezes no período, um crescimento de 0,7% ao ano. Desta maneira, o Japão saiu do “regime de crescimento moderno” para um regime de baixo crescimento econômico, típico das economias maduras.

Mas o cenário para o restante do século XXI deve ser completamente diferente de tudo que aconteceu anteriormente e pode ser uma experiência enriquecedora do ponto de vista social e ambiental. O Japão tem a oportunidade de reduzir a pegada ecológica concomitante ao aumento da renda per capita, configurando um novo regime de crescimento do poder de compra da população.

Decrescimento demoeconômico com crescimento da renda per capita

O gráfico abaixo mostra a variação acumulada da população japonesa de 2025 a 2100, segundo a projeção média da Divisão de População da ONU (revisão 2022). A população do Japão está estimada em 122 milhões de habitantes em 2025 e em 73,6 milhões de habitantes em 2100, apresentando um decrescimento médio de 0,7% ao ano. Neste quadro, fizemos um exercício de projeção do PIB a partir da hipótese de decrescimento de 0,1% ao ano.

A renda per capita é dada pela diferença entre a variação da população e do PIB. Desta forma, o gráfico abaixo apresenta uma projeção até 2100 do PIB e da renda per capita do Japão. O que o gráfico mostra é que, entre 2025 e 2100, a população japonesa vai diminuir em 40%, o PIB pode diminuir em 7% e a renda per capita, com base nestas duas curvas, deve ir em direção contrária e crescer 54%.

O Japão pode ter uma situação inédita no século XXI e pode comemorar um cenário muito alvissareiro em termos sociais e a ambientais.  O FMI estima que a renda per capita (em poder de paridade de compra) é de US$ 43,4 mil, em 2025. No cenário de decrescimento da população e do PIB, a renda per capita japonesa pode chegar a US$ 67 mil em 2100. O Japão já é um país rico e com elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas pode ter uma renda per capita ainda maior com o decrescimento demoeconômico.

Indubitavelmente, o decrescimento demoeconômico do Japão pode ocorrer com prosperidade e aumento da renda per capita. Esta perspectiva auspiciosa, acima de tudo, pode ser uma ótima janela de oportunidade para a redução da pegada ecológica. De acordo com os dados da Divisão de População da ONU, a população japonesa em idade ativa, de 15 a 59 anos, era de 48 milhões de pessoas em 1950, atingiu o pico em 1993 com 80 milhões de pessoas, caiu para 65 milhões em 2022 e deve chegar a 47 milhões em 2050, conforme mostra o gráfico abaixo (linha azul).

Segundo o Instituto Global Footprint Network, a pegada ecológica do Japão era de 266 milhões de hectares globais (gha), atingiu o pico em 1996, com 699 milhões de gha e caiu para 501 milhões de gha em 2022, conforme mostra o gráfico abaixo (linha laranja).

Nota-se que a pegada ecológica crescia enquanto crescia a força de trabalho e o PIB também crescia em ritmo acelerado. Mas quando a população em idade ativa parou de crescer e a população total começou a diminuir (a partir de 2009), o declínio da pegada ecológica se aprofundou. Com menor número de trabalhadores e de consumidores, a demanda sobre o meio ambiente diminuiu e, desta forma, também houve redução dos níveis de poluição.

O Japão é o país mais envelhecido do mundo, isto é, tem a maior proporção de idosos de 60 anos e mais de idade. Isto implica em aumento da razão de dependência demográfica e redução da taxa de ocupação. Mas, ao invés de cair na “armadilha da estagnação da renda alta”, o Japão está tomando medidas para aproveitar o 3º bônus demográfico (bônus prateado ou da longevidade) transformando a população idosa em um ativo – com grande inserção e participação social – e não em um passivo que inviabiliza o progresso social do país. Como as mulheres japonesas são maioria entre a população idosa, elas são fundamentais para o aproveitamento do 3º bônus demográfico, com redução das desigualdades de gênero.

Decrescimento demoeconômico contribui para a descarbonização da economia japonesa

O gráfico abaixo mostra a correlação entre a população total japonesa e as emissões de carbono entre 1885 e 2022. Os dados da população são do Projeto Maddison e da Divisão de População da ONU e os dados das emissões de carbono são do The Global Carbon Project (2023). Nota-se que as emissões de carbono cresciam pari passu ao crescimento da população e começaram a diminuir logo depois do pico populacional.

As emissões de carbono estavam abaixo de 1 milhão de toneladas no século XIX, chegou a 3 milhões de toneladas em 1930, saltou para 12 milhões de toneladas em 1950 e 75 milhões de toneladas em 1988. Houve uma ligeira redução nos anos seguintes, mas voltou a subir e atingiu o pico das emissões em 2018, com 84 milhões de toneladas. Mas as emissões já começaram a cair a partir de 2019. A curva de tendência (função polinomial) entre as duas variáveis indica que 93,8% da variabilidade das emissões está diretamente associada à variabilidade da população no período 1885 a 2022.

Portanto, o pico do crescimento da população coincide aproximadamente com o pico das emissões de carbono. A perspectiva para o restante do século XXI é de decrescimento populacional e, neste sentido, deve haver também redução das emissões de carbono, especialmente se o Japão investir na transição e na eficiência energética, além de garantir a restauração ecológica.

O fato inquestionável é que o Japão terá decrescimento populacional no século XXI. A Divisão de População possui diversas projeções, mas na estimativa média a população japonesa pode diminuir quase pela metade até 2100, como vimos acima. Evidentemente, o número poderá ser menor ou maior dependendo da dinâmica dos componentes demográficos. Por exemplo, o decrescimento pode ser menor se houver aumento das taxas de fecundidade ou entrada de grande volume de imigrantes.

Em relação à economia, a perspectiva é que haja também redução do Produto Interno Bruto. No entanto, se o PIB cair em ritmo mais lento do que o ritmo de decrescimento da população, o resultado será o aumento da renda per capita, com a queda do numerador sendo menor do que a redução do denominador. Este processo poderá viabilizar a objetivo de descarbonização da economia e garantir a meta de emissões zero de carbono nas próximas décadas.

Em 2100, o Japão poderá ser um país com menos habitantes e com uma economia menor, mas com uma maior qualidade de vida humana e ambiental. Se o Japão e os demais países do mundo colocarem na agenda nacional e internacional o planejamento do decrescimento demoeconômico, isto pode ser um fator decisivo para evitar o colapso global do clima e da ecologia.

Referências:

Galor, Oded and Weil, David Nathan, Population, Technology, and Growth: From the Malthusian Regime to the Demographic Transition (November 1998). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=141272  or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.141272

Maddison Project Database 2020

https://www.rug.nl/ggdc/historicaldevelopment/maddison/releases/maddison-project-database-2020

The Global Carbon Project (2023) https://www.globalcarbonproject.org/

UN/ESA. World Population Prospects (2022) https://population.un.org/wpp/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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