Brasil com baixa taxa de desocupação, mas longe do pleno emprego

Mercado de trabalho brasileiro ainda tem muito espaço para avançar na inserção produtiva da população nacional

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 8 • Publicada em 10 de fevereiro de 2025 - 09:32 • Atualizada em 10 de fevereiro de 2025 - 14:40

Número de pessoas desocupadas no Brasil estava em torno de 7 milhões entre 2012 e 2014, chegou ao máximo de 14,6 milhões, em 2021, e caiu para 7,35 milhões em 2024. Foto Mauro Pimentel/AFP

“O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos

os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente”

Adam Smith, primeira frase do livro “A Riqueza das Nações” (1776)

O Brasil alcançou, em 2024, a menor taxa de desocupação da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE, que teve início em 2012. Alguns economistas dizem que o Brasil alcançou ou está próximo de alcançar o pleno emprego. E o Banco Central tem utilizado o argumento de baixa taxa de desemprego como uma das motivações para aumentar, em níveis recordes, em termos reais, a taxa básica de juros do país. Porém, a análise dos dados da PNADC mostra que o mercado de trabalho está longe de incorporar todo o potencial produtivo da força de trabalho brasileira. O gráfico abaixo mostra que a taxa de desocupação anual estava em torno de 7% entre 2012 e 2014, subiu para 12,6% no auge da recessão de 2015 a 2017, atingiu o máximo de 14% em 2021, na época da pandemia da covid-19 e começou a cair em 2022 e chegou ao patamar mais baixo, de 6,6% em 2024, conforme mostra o gráfico abaixo.

Em termos absolutos, a PNADC indica que o número de pessoas desocupadas, estava em torno de 7 milhões entre 2012 e 2014, chegou ao máximo de 14,6 milhões em 2021 e caiu para 7,35 milhões em 2024. Ou seja, o número de desocupados (procurando emprego) no Brasil era maior do que o volume de toda a população do Paraguai, que era de 6,9 milhões de habitantes em 2024.

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O IBGE também calcula a chamada “taxa de subutilização”, que, na prática, é uma medida mais ampla do desemprego e representa a força de trabalho desperdiçada no país. Ela é formada por pessoas que têm potencial para trabalhar, mas não estão ocupadas, não estão procurando emprego ou não trabalham horas o suficiente.

O gráfico abaixo mostra a taxa composta de subutilização da força de trabalho brasileira de 2012 a 2024. A taxa estava em 18,7% em 2012, caiu para 15,9% em 2014, atingiu o valor mais alto, de 28,5%, em 2021 e caiu para 16,2% em 2024. Nota-se que a taxa de 2024 estava acima do valor registrado em 2014.

Em termos absolutos, a PNADC estima a população brasileira subutilizada em 19 milhões de pessoas em 2024, quase 2 milhões de pessoas a menos do que em 2023. Mas o número de 2024 está acima das 16,5 milhões de pessoas subutilizadas em 2014. O montante de pessoas subutilizadas no Brasil em 2024 equivale ao volume da população total do Chile.

A redução da taxa de ocupação e da taxa composta de subutilização da força de trabalho foi acompanhada do aumento do montante de pessoas ocupadas. O Brasil tinha 90 milhões de pessoas ocupadas em 2012, caiu para 86,7 milhões com o impacto da pandemia da covid-19 em 2020, subiu para 97 milhões em 2022 e aumentou mais de 6 milhões de pessoas ocupadas nos últimos 2 anos, chegando a 103,3 milhões de pessoas em 2024.

O nível da ocupação – representado pelo percentual de pessoas ocupadas na população de 14 anos e mais de idade – estava em 58,3% em 2013, caiu para 51% em 2020 e subiu para 58,6% em 2024, o maior valor da série histórica, como mostra o gráfico abaixo.

Todavia, a despeito do maior nível de ocupação brasileiro, o valor está abaixo de 60%, quando alguns países asiáticos, nesta mesma situação demográfica da estrutura etária apresentaram desempenho muito melhor. Japão, China e Vietnã chegaram a ter nível de ocupação acima de 70% em relação à população de 14 anos e mais de idade. Portanto, o mercado de trabalho brasileiro ainda tem muito espaço para avançar na inserção produtiva da população nacional.

Um problema estrutural do mercado de trabalho brasileiro é a alta taxa de emprego informal que tem, em geral, baixa produtividade. A taxa anual de informalidade ficou em torno de 40%. O número de empregados com carteira de trabalho aumentou e chegou a 38,7 milhões de pessoas em 2024, a média mais alta da série iniciada em 2012. Já a estimativa anual de empregados sem carteira assinada no setor privado foi de 14,2 milhões de pessoas em 2024.

O número de trabalhadores domésticos ficou em 6 milhões de pessoas em 2024. O número de trabalhadores por conta própria totalizou 26 milhões em 2024, o maior da série histórica. Os conta própria com CNPJ chegaram a 6,7 milhões, maior valor da série. Os conta própria sem CNPJ também atingiram o  maior valor da série, com 19,3 milhões de pessoas.

Um lado dramático da injustiça social e da incapacidade do mercado de trabalho e do sistema educacional de aproveitar o potencial produtivo da população brasileira se traduz no desperdício de oportunidades para a população jovem.  O número de jovens de 15 a 29 anos que nem estudam e nem trabalham (geração nem-nem) se mantém em torno de 10 milhões de pessoas. A maior parte da geração nem-nem é composta de meninas pobres da periferia que sofrem com a violência de gênero, ficam grávidas de forma indesejada ou intempestiva e, ao ficarem sem emprego e sem escola, terminam por engrossar a estatística da feminização da pobreza.

Outra questão de gênero que restringe o potencial produtivo da sociedade brasileira é a baixa taxa de ocupação das mulheres. O gráfico abaixo mostra o  nível de ocupação total e por sexo. Fica claro  que os homens possuem nível de ocupação sistematicamente maior do que o nível de ocupação das mulheres. Esta diferença pode ser explicada pela divisão sexual do trabalho, que coloca obstáculos à inserção produtiva das mulheres e sobrecarrega o sexo feminino com as tarefas da reprodução (cuidado das tarefas de casa e os cuidados com o cônjuge, os filhos e os demais parentes).

Com políticas públicas adequadas contra o sexismo, com iniciativas de combate à segregação ocupacional por parte da iniciativa privada e com mudanças culturais a favor da equidade de gênero na sociedade civil, a inserção feminina no mercado de trabalho poderia aumentar e contribuir para o aumento da produção e para o bem-estar da população brasileira.

A inserção no mercado de trabalho também é muito desigual em termos geracionais. O gráfico abaixo mostra que o nível de ocupação do grupo 14-29 anos chegou a 53,2% em 2024, o maior valor da série histórica, mas mesmo assim um nível baixo para os padrões internacionais. O grupo de adultos de 30-49 anos é normalmente aquele que apresenta os maiores níveis de ocupação, mas em outros países é comum se atingir níveis acima de 80%.

O grupo etário de 50 a 59 anos tem um nível de ocupação abaixo de dois terços da população nesta idade, sendo que em 2024 alcançou 64,9%. A queda do nível de atividade é significativa em relação ao grupo 30-49 anos. Não há muita razão para uma queda tão  grande, a não ser a presença de práticas etaristas, que são discriminações contra as gerações prateadas (50 anos e +) no mercado de trabalho.

Mas o nível de atividade é extremamente baixo no grupo de 60 anos e mais de idade, que em 2019 tinha um nível de ocupação de 23% e caiu ligeiramente para 22,9% em 2024. O Japão, que é o país mais envelhecido do mundo, tem níveis de ocupação de pelo menos o dobro do registrado no Brasil.

O baixo nível de ocupação das gerações prateadas é um grande desafio para a economia brasileira. Com o processo de envelhecimento populacional, as gerações prateadas, aquelas de 50 anos e mais de idade, terão as maiores taxas de crescimento. As projeções populacionais do IBGE indicam que as pessoas com 50 anos e mais de idade serão maioria da população brasileira a partir da década de 2060, enquanto o grupo 15-49 já começou a diminuir a partir de 2021. A economia prateada vai ganhar força ao longo do século XXI e evitar o etarismo é uma necessidade imprescindível e inadiável.

O fato é que houve uma recuperação do mercado de trabalho, mas o nível de ocupação está longe de ser classificado como pleno emprego. Esta recuperação foi acompanhada por um aumento do rendimento dos trabalhadores. O rendimento médio real habitual das pessoas ocupadas estava em R$ 3.120 em 2014, caiu para um nível abaixo de R$ 3 mil em 2021 e 2022 e chegou ao nível máximo da série em 2024, com R$ 3.225.

Assim, o aumento da ocupação foi acompanhada por um aumento da massa salarial. A massa de rendimento real habitual das pessoas ocupadas – em todos os trabalhos – estava em R$ 278 bilhões em 2014 e chegou ao valor máximo de R$ 329 milhões em 2024. Este crescimento do emprego e do rendimento do trabalho deveria ser comemorado.

Mas existe uma visão míope que considera o aumento do nível de ocupação e o aumento do rendimento como uma ameaça. A última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), da 268ª reunião, realizada nos dias 28 e 29 de janeiro de 2025 e  divulgada no dia 04 de fevereiro, diz o seguinte:

“Ao longo dos últimos trimestres, o mercado de trabalho também se mostrou aquecido, como demonstrado nas mensurações da taxa de desocupação, do nível de ocupação e do número de desligamentos voluntários. Os rendimentos nominais crescem em patamar elevado, embora se observe alguma moderação no ritmo de crescimento real de salários”.

Ou seja, o Copom, que aumentou a taxa de juros em 1% nas duas últimas reuniões, deve promover um novo aumento da mesma magnitude na próxima reunião a ser realizada em 18 e 19 de março de 202, tendo como objetivo desacelerar a economia, aumentar o desemprego e reduzir os salários, como expresso na ata:

“O Comitê segue avaliando que o cenário-base prospectivo envolve uma desaceleração da atividade, a qual é parte do processo de transmissão de política monetária e elemento necessário para a convergência da inflação à meta”.

Sem dúvida, o aumento da taxa de juros básica tira fôlego do consumo, reduz o aumento da demanda agregada, elimina postos de trabalho, inibe a taxa de investimento e dificulta o processo de aumento da capacidade produtiva do país, rebaixando a demanda de bens e serviços para ajustar aos limites da oferta de mercadorias à meta da inflação.

Porém, existe outra alternativa para a política macroeconômica. Ao invés de reduzir a DEMANDA agregada para controlar a inflação, o melhor seria aumentar a OFERTA agregada, elevando o nível de emprego, os salários e a produção econômica, visando manter o nível dos preços estáveis.

Como mostrei no artigo “A economia brasileira apresenta sinais de recuperação e de estagnação”, publicado aqui no # Colabora (Alves, 27/01/2025), o Brasil tem uma das menores taxas de poupança e investimento no mundo e isto limita qualquer crescimento econômico sustentado e sustentável.

Para crescer no sentido de aumentar o bem-estar social, garantir a sustentabilidade ambiental e manter a inflação baixa, o Brasil precisa impulsionar os investimentos em algumas áreas básicas, para que a produção de bens e serviços atenda a população mais pobre, ofereça energia não poluente e avance no sentido de se alcançar o verdadeiro pleno emprego, sem subutilização da força de trabalho e sem discriminações de gênero e geração na contratação de mão-de-obra.

Por exemplo, o aumento do preço dos alimentos não deve ser resolvido por meio do desemprego e dos baixos salários, mas sim com o aumento dos investimentos na agricultura orgânica e urbana. Há inúmeras iniciativas que podem ser adotadas, como: criar linhas de crédito especiais para pequenos agricultores urbanos, apoiar tecnologias inovadoras de cultivo em espaços reduzidos, facilitar o acesso a insumos e mercado por meio de associações e cooperativas de produtores, expandir as hortas comunitárias, apoiar a permacultura, etc.

A combinação dessas estratégias pode acelerar a expansão da agricultura orgânica e urbana, tornando as cidades mais sustentáveis e resilientes, diminuindo a dependência do transporte de  longa distância, ao mesmo tempo que gera emprego e reduz a insegurança alimentar. O investimento na hortifruticultura tem retornos no curto prazo e pode contrabalançar as variações sazonais no preço dos bens de subsistência.

O aumento do preço dos combustíveis e da energia não deve ser solucionado pelo expansão desenfreada da exploração de combustíveis fósseis (muito menos na bacia amazônica e na margem equatorial brasileira), mas sim com investimentos na transição energética e na expansão das energias eólicas e solar e na produção de hidrogênio verde. Estes investimentos podem aumentar a oferta de energia ao mesmo tempo que geram emprego e avançam na descarbonização da economia.

Diversas outras ações são necessárias para aumentar o Índice de Desenvolvimento Humano  (IDH), como: a) investimentos em infraestrutura e logística para melhorar o fluxo de transporte, garantir a mobilidade urbana e diminuir o número de mortes nas estradas e no trânsito em geral; b) investimento em educação e saúde para evitar doenças, garantir o bem-estar da população e aumentar a produtividade da força de trabalho; c) modernização do setor público para garantir maior eficiência e menos desperdício de recursos, especialmente controlando reduzindo os supersalários e as super aposentadorias do Judiciário, do Legislativo e do Executivo, além de eliminar os privilégios, as regalias, os benesses e o corporativismo dos “donos do poder”.

O fato é que a política do Copom de aumentos escorchantes da taxa real de juros é uma iniciativa regressiva que retira dinheiro do setor produtivo e transfere para o setor financeiro, reduzindo a demanda agregada ao invés de aumentar a oferta de bens e serviços. Mais grave é o Copom alegar que o Brasil tem um mercado de trabalho aquecido e próximo do pleno emprego, quando, na realidade, existem  mais de 7 milhões de pessoas procurando trabalho, 10 milhões de jovens nem-nem, mais de 16 milhões de pessoas subutilizadas e cerca de 40 milhões de brasileiros na informalidade.

A solução para o país é mais trabalho. Como diziam os principais autores da economia política clássica: “o trabalho é a fonte de riqueza das nações”. Uma das principais bandeiras da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é “Pleno Emprego e Trabalho Decente”. Decerto, não há escassez de mão-de-obra no Brasil atual, no máximo há uma escassez de trabalhadores qualificados em setores específicos.

Indubitavelmente, o Brasil precisa de menores taxas de juros e de maior nível de ocupação, com elevação da taxa de investimento e do nível de produtividade geral dos fatores de produção. Seguramente, trabalho, educação e saúde são direitos humanos básicos. O Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, diz o seguinte: “Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.

Referências:

ALVES, JED. A economia brasileira apresenta sinais de recuperação e de estagnação, # Colabora, 27/01/2025  https://projetocolabora.com.br/ods12/economia-brasileira-tem-sinais-de-recuperacao-e-de-estagnacao/

COPOM, Atas do Comitê de Política Monetária, 268ª Reunião – 28-29 janeiro, 2025, Data de publicação: 04/02/2025 https://www.bcb.gov.br/publicacoes/atascopom

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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