ODS 1
Brasil com baixa taxa de desocupação, mas longe do pleno emprego
![](https://projetocolabora.com.br/wp-content/uploads/2025/02/000-1hg7lt-scaled-e1738969033503.jpg)
Mercado de trabalho brasileiro ainda tem muito espaço para avançar na inserção produtiva da população nacional
![](https://projetocolabora.com.br/wp-content/uploads/2025/02/000-1hg7lt-scaled-e1738969033503.jpg)
“O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos
os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente”
Adam Smith, primeira frase do livro “A Riqueza das Nações” (1776)
O Brasil alcançou, em 2024, a menor taxa de desocupação da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE, que teve início em 2012. Alguns economistas dizem que o Brasil alcançou ou está próximo de alcançar o pleno emprego. E o Banco Central tem utilizado o argumento de baixa taxa de desemprego como uma das motivações para aumentar, em níveis recordes, em termos reais, a taxa básica de juros do país. Porém, a análise dos dados da PNADC mostra que o mercado de trabalho está longe de incorporar todo o potencial produtivo da força de trabalho brasileira. O gráfico abaixo mostra que a taxa de desocupação anual estava em torno de 7% entre 2012 e 2014, subiu para 12,6% no auge da recessão de 2015 a 2017, atingiu o máximo de 14% em 2021, na época da pandemia da covid-19 e começou a cair em 2022 e chegou ao patamar mais baixo, de 6,6% em 2024, conforme mostra o gráfico abaixo.
Em termos absolutos, a PNADC indica que o número de pessoas desocupadas, estava em torno de 7 milhões entre 2012 e 2014, chegou ao máximo de 14,6 milhões em 2021 e caiu para 7,35 milhões em 2024. Ou seja, o número de desocupados (procurando emprego) no Brasil era maior do que o volume de toda a população do Paraguai, que era de 6,9 milhões de habitantes em 2024.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosO IBGE também calcula a chamada “taxa de subutilização”, que, na prática, é uma medida mais ampla do desemprego e representa a força de trabalho desperdiçada no país. Ela é formada por pessoas que têm potencial para trabalhar, mas não estão ocupadas, não estão procurando emprego ou não trabalham horas o suficiente.
O gráfico abaixo mostra a taxa composta de subutilização da força de trabalho brasileira de 2012 a 2024. A taxa estava em 18,7% em 2012, caiu para 15,9% em 2014, atingiu o valor mais alto, de 28,5%, em 2021 e caiu para 16,2% em 2024. Nota-se que a taxa de 2024 estava acima do valor registrado em 2014.
Em termos absolutos, a PNADC estima a população brasileira subutilizada em 19 milhões de pessoas em 2024, quase 2 milhões de pessoas a menos do que em 2023. Mas o número de 2024 está acima das 16,5 milhões de pessoas subutilizadas em 2014. O montante de pessoas subutilizadas no Brasil em 2024 equivale ao volume da população total do Chile.
A redução da taxa de ocupação e da taxa composta de subutilização da força de trabalho foi acompanhada do aumento do montante de pessoas ocupadas. O Brasil tinha 90 milhões de pessoas ocupadas em 2012, caiu para 86,7 milhões com o impacto da pandemia da covid-19 em 2020, subiu para 97 milhões em 2022 e aumentou mais de 6 milhões de pessoas ocupadas nos últimos 2 anos, chegando a 103,3 milhões de pessoas em 2024.
O nível da ocupação – representado pelo percentual de pessoas ocupadas na população de 14 anos e mais de idade – estava em 58,3% em 2013, caiu para 51% em 2020 e subiu para 58,6% em 2024, o maior valor da série histórica, como mostra o gráfico abaixo.
Todavia, a despeito do maior nível de ocupação brasileiro, o valor está abaixo de 60%, quando alguns países asiáticos, nesta mesma situação demográfica da estrutura etária apresentaram desempenho muito melhor. Japão, China e Vietnã chegaram a ter nível de ocupação acima de 70% em relação à população de 14 anos e mais de idade. Portanto, o mercado de trabalho brasileiro ainda tem muito espaço para avançar na inserção produtiva da população nacional.
Um problema estrutural do mercado de trabalho brasileiro é a alta taxa de emprego informal que tem, em geral, baixa produtividade. A taxa anual de informalidade ficou em torno de 40%. O número de empregados com carteira de trabalho aumentou e chegou a 38,7 milhões de pessoas em 2024, a média mais alta da série iniciada em 2012. Já a estimativa anual de empregados sem carteira assinada no setor privado foi de 14,2 milhões de pessoas em 2024.
O número de trabalhadores domésticos ficou em 6 milhões de pessoas em 2024. O número de trabalhadores por conta própria totalizou 26 milhões em 2024, o maior da série histórica. Os conta própria com CNPJ chegaram a 6,7 milhões, maior valor da série. Os conta própria sem CNPJ também atingiram o maior valor da série, com 19,3 milhões de pessoas.
Um lado dramático da injustiça social e da incapacidade do mercado de trabalho e do sistema educacional de aproveitar o potencial produtivo da população brasileira se traduz no desperdício de oportunidades para a população jovem. O número de jovens de 15 a 29 anos que nem estudam e nem trabalham (geração nem-nem) se mantém em torno de 10 milhões de pessoas. A maior parte da geração nem-nem é composta de meninas pobres da periferia que sofrem com a violência de gênero, ficam grávidas de forma indesejada ou intempestiva e, ao ficarem sem emprego e sem escola, terminam por engrossar a estatística da feminização da pobreza.
Outra questão de gênero que restringe o potencial produtivo da sociedade brasileira é a baixa taxa de ocupação das mulheres. O gráfico abaixo mostra o nível de ocupação total e por sexo. Fica claro que os homens possuem nível de ocupação sistematicamente maior do que o nível de ocupação das mulheres. Esta diferença pode ser explicada pela divisão sexual do trabalho, que coloca obstáculos à inserção produtiva das mulheres e sobrecarrega o sexo feminino com as tarefas da reprodução (cuidado das tarefas de casa e os cuidados com o cônjuge, os filhos e os demais parentes).
Com políticas públicas adequadas contra o sexismo, com iniciativas de combate à segregação ocupacional por parte da iniciativa privada e com mudanças culturais a favor da equidade de gênero na sociedade civil, a inserção feminina no mercado de trabalho poderia aumentar e contribuir para o aumento da produção e para o bem-estar da população brasileira.
A inserção no mercado de trabalho também é muito desigual em termos geracionais. O gráfico abaixo mostra que o nível de ocupação do grupo 14-29 anos chegou a 53,2% em 2024, o maior valor da série histórica, mas mesmo assim um nível baixo para os padrões internacionais. O grupo de adultos de 30-49 anos é normalmente aquele que apresenta os maiores níveis de ocupação, mas em outros países é comum se atingir níveis acima de 80%.
O grupo etário de 50 a 59 anos tem um nível de ocupação abaixo de dois terços da população nesta idade, sendo que em 2024 alcançou 64,9%. A queda do nível de atividade é significativa em relação ao grupo 30-49 anos. Não há muita razão para uma queda tão grande, a não ser a presença de práticas etaristas, que são discriminações contra as gerações prateadas (50 anos e +) no mercado de trabalho.
Mas o nível de atividade é extremamente baixo no grupo de 60 anos e mais de idade, que em 2019 tinha um nível de ocupação de 23% e caiu ligeiramente para 22,9% em 2024. O Japão, que é o país mais envelhecido do mundo, tem níveis de ocupação de pelo menos o dobro do registrado no Brasil.
O baixo nível de ocupação das gerações prateadas é um grande desafio para a economia brasileira. Com o processo de envelhecimento populacional, as gerações prateadas, aquelas de 50 anos e mais de idade, terão as maiores taxas de crescimento. As projeções populacionais do IBGE indicam que as pessoas com 50 anos e mais de idade serão maioria da população brasileira a partir da década de 2060, enquanto o grupo 15-49 já começou a diminuir a partir de 2021. A economia prateada vai ganhar força ao longo do século XXI e evitar o etarismo é uma necessidade imprescindível e inadiável.
O fato é que houve uma recuperação do mercado de trabalho, mas o nível de ocupação está longe de ser classificado como pleno emprego. Esta recuperação foi acompanhada por um aumento do rendimento dos trabalhadores. O rendimento médio real habitual das pessoas ocupadas estava em R$ 3.120 em 2014, caiu para um nível abaixo de R$ 3 mil em 2021 e 2022 e chegou ao nível máximo da série em 2024, com R$ 3.225.
Assim, o aumento da ocupação foi acompanhada por um aumento da massa salarial. A massa de rendimento real habitual das pessoas ocupadas – em todos os trabalhos – estava em R$ 278 bilhões em 2014 e chegou ao valor máximo de R$ 329 milhões em 2024. Este crescimento do emprego e do rendimento do trabalho deveria ser comemorado.
Mas existe uma visão míope que considera o aumento do nível de ocupação e o aumento do rendimento como uma ameaça. A última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), da 268ª reunião, realizada nos dias 28 e 29 de janeiro de 2025 e divulgada no dia 04 de fevereiro, diz o seguinte:
“Ao longo dos últimos trimestres, o mercado de trabalho também se mostrou aquecido, como demonstrado nas mensurações da taxa de desocupação, do nível de ocupação e do número de desligamentos voluntários. Os rendimentos nominais crescem em patamar elevado, embora se observe alguma moderação no ritmo de crescimento real de salários”.
Ou seja, o Copom, que aumentou a taxa de juros em 1% nas duas últimas reuniões, deve promover um novo aumento da mesma magnitude na próxima reunião a ser realizada em 18 e 19 de março de 202, tendo como objetivo desacelerar a economia, aumentar o desemprego e reduzir os salários, como expresso na ata:
“O Comitê segue avaliando que o cenário-base prospectivo envolve uma desaceleração da atividade, a qual é parte do processo de transmissão de política monetária e elemento necessário para a convergência da inflação à meta”.
Sem dúvida, o aumento da taxa de juros básica tira fôlego do consumo, reduz o aumento da demanda agregada, elimina postos de trabalho, inibe a taxa de investimento e dificulta o processo de aumento da capacidade produtiva do país, rebaixando a demanda de bens e serviços para ajustar aos limites da oferta de mercadorias à meta da inflação.
Porém, existe outra alternativa para a política macroeconômica. Ao invés de reduzir a DEMANDA agregada para controlar a inflação, o melhor seria aumentar a OFERTA agregada, elevando o nível de emprego, os salários e a produção econômica, visando manter o nível dos preços estáveis.
Como mostrei no artigo “A economia brasileira apresenta sinais de recuperação e de estagnação”, publicado aqui no # Colabora (Alves, 27/01/2025), o Brasil tem uma das menores taxas de poupança e investimento no mundo e isto limita qualquer crescimento econômico sustentado e sustentável.
Para crescer no sentido de aumentar o bem-estar social, garantir a sustentabilidade ambiental e manter a inflação baixa, o Brasil precisa impulsionar os investimentos em algumas áreas básicas, para que a produção de bens e serviços atenda a população mais pobre, ofereça energia não poluente e avance no sentido de se alcançar o verdadeiro pleno emprego, sem subutilização da força de trabalho e sem discriminações de gênero e geração na contratação de mão-de-obra.
Por exemplo, o aumento do preço dos alimentos não deve ser resolvido por meio do desemprego e dos baixos salários, mas sim com o aumento dos investimentos na agricultura orgânica e urbana. Há inúmeras iniciativas que podem ser adotadas, como: criar linhas de crédito especiais para pequenos agricultores urbanos, apoiar tecnologias inovadoras de cultivo em espaços reduzidos, facilitar o acesso a insumos e mercado por meio de associações e cooperativas de produtores, expandir as hortas comunitárias, apoiar a permacultura, etc.
A combinação dessas estratégias pode acelerar a expansão da agricultura orgânica e urbana, tornando as cidades mais sustentáveis e resilientes, diminuindo a dependência do transporte de longa distância, ao mesmo tempo que gera emprego e reduz a insegurança alimentar. O investimento na hortifruticultura tem retornos no curto prazo e pode contrabalançar as variações sazonais no preço dos bens de subsistência.
O aumento do preço dos combustíveis e da energia não deve ser solucionado pelo expansão desenfreada da exploração de combustíveis fósseis (muito menos na bacia amazônica e na margem equatorial brasileira), mas sim com investimentos na transição energética e na expansão das energias eólicas e solar e na produção de hidrogênio verde. Estes investimentos podem aumentar a oferta de energia ao mesmo tempo que geram emprego e avançam na descarbonização da economia.
Diversas outras ações são necessárias para aumentar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), como: a) investimentos em infraestrutura e logística para melhorar o fluxo de transporte, garantir a mobilidade urbana e diminuir o número de mortes nas estradas e no trânsito em geral; b) investimento em educação e saúde para evitar doenças, garantir o bem-estar da população e aumentar a produtividade da força de trabalho; c) modernização do setor público para garantir maior eficiência e menos desperdício de recursos, especialmente controlando reduzindo os supersalários e as super aposentadorias do Judiciário, do Legislativo e do Executivo, além de eliminar os privilégios, as regalias, os benesses e o corporativismo dos “donos do poder”.
O fato é que a política do Copom de aumentos escorchantes da taxa real de juros é uma iniciativa regressiva que retira dinheiro do setor produtivo e transfere para o setor financeiro, reduzindo a demanda agregada ao invés de aumentar a oferta de bens e serviços. Mais grave é o Copom alegar que o Brasil tem um mercado de trabalho aquecido e próximo do pleno emprego, quando, na realidade, existem mais de 7 milhões de pessoas procurando trabalho, 10 milhões de jovens nem-nem, mais de 16 milhões de pessoas subutilizadas e cerca de 40 milhões de brasileiros na informalidade.
A solução para o país é mais trabalho. Como diziam os principais autores da economia política clássica: “o trabalho é a fonte de riqueza das nações”. Uma das principais bandeiras da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é “Pleno Emprego e Trabalho Decente”. Decerto, não há escassez de mão-de-obra no Brasil atual, no máximo há uma escassez de trabalhadores qualificados em setores específicos.
Indubitavelmente, o Brasil precisa de menores taxas de juros e de maior nível de ocupação, com elevação da taxa de investimento e do nível de produtividade geral dos fatores de produção. Seguramente, trabalho, educação e saúde são direitos humanos básicos. O Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, diz o seguinte: “Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”.
Referências:
ALVES, JED. A economia brasileira apresenta sinais de recuperação e de estagnação, # Colabora, 27/01/2025 https://projetocolabora.com.br/ods12/economia-brasileira-tem-sinais-de-recuperacao-e-de-estagnacao/
COPOM, Atas do Comitê de Política Monetária, 268ª Reunião – 28-29 janeiro, 2025, Data de publicação: 04/02/2025 https://www.bcb.gov.br/publicacoes/atascopom
Relacionadas
![](https://projetocolabora.com.br/wp-content/uploads/2022/05/eustaquio-8-150x150.png)
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.