Fui acordada no meio da noite por uma saraivada de fogos, comemoração do impeachment da presidente Dilma Roussef em frente ao prédio da Fiesp. No estado entre sono e vigília, minha memória produziu um conjunto de lembranças que me ajudaram a pensar no impensável da política hoje. Durante o dia, acompanhando a votação no Senado, ouvi um parlamentar dizer: “É a economia, estúpida”. Parafraseava um debate norte-americano em torno da permanência de Bill Clinton no cargo. Na véspera, havia lido o excelente artigo de Mario Sergio Conti sobre como a história do impeachment começa a ser contada a partir da acusação, por parte do PSBD, de que Dilma, embora eleita por 54 milhões de votos, não tinha legitimidade para governar.
Lembrei então que, quando o ex-presidente Fernando Collor foi eleito, depois de termos passado pelo governo indireto de José Sarney como uma espécie de purgatório a partir do qual enfim se chegaria às eleições diretas para presidente da República, havia esse espírito de uma vitória ilegítima. Afinal, o “caçador de marajás” tinha sido forjado como um avesso do político e, portanto, o avesso de todos aqueles que, à esquerda lutavam por restituir a democracia, à direita lutavam para não perder sua parte no bolo quando a democracia enfim fosse restituída. Montado num jatinho ao lado de um assessor de imprensa, Collor percorrera o país e crescera nas pesquisas, destituindo políticos tradicionais – como Ulisses Guimarães, Leonel Brizola ou Mario Covas – e conquistara um lugar no segundo turno das eleições presidenciais. Brotaria daí e do último debate presidencial promovido pela Rede Globo a ideia de que sua vitória era ilegítima.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]Não é por acaso que essas lembranças me vieram numa fria noite paulistana, a uma quadra da sede da Fiesp, na Avenida Paulista. Ali está o fulcro – para usar uma palavra muito repetida pelos senadores em seus discursos – da disputa do poder. Estado mais rico e mais industrializado da federação, concentra os homens brancos que hoje ocupam os ministérios como se fossem os donos do país.
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Veja o que já enviamosVeio o plano econômico, o ataque à poupança, o desmonte do estado, a abertura às importações, a quebra da indústria nacional, a recessão aguda. Só então vieram as denúncias de corrupção e uma história que me voltou à lembrança durante a noite de ontem, meio dormindo, meio acordada pelo terrível do que o barulho significava: o que se dizia à boca pequena era que Collor cairia não porque roubava, mas porque deixava de fora aqueles que sempre haviam roubado. Pretendeu, portanto, o monopólio da corrupção no Executivo, isso sim inaceitável para os donos do poder, muitos deles hoje no ministério do governo interino de Michel Temer.
Vieram as ruas, os cara-pintadas, as manifestações pró-impeachment, e muitos de nós ainda gostam de acreditar que foram esses movimentos populares que derrubaram o então presidente. Talvez esteja na hora de reconhecer que foi a mesma combinação em jogo hoje: suposição de ilegitimidade, corrupção na mão de poucos, e a economia, claro. Se é possível pensar nesse tripé ontem e hoje, talvez seja também preciso lembrar de como esse tripé se resolveu no governo Itamar Franco.
Parte do PSDB – a mesma parte paulista que hoje está ao lado de Temer –, aceitou cargos, compôs ministérios e fez disso um caminho para chegar ao poder. O presidente Fernando Henrique Cardoso, cujos discursos a favor do impeachment de Dilma foram muito contundentes, foi nomeado ministro das Relações Exteriores (mesmo cargo reservado à Jose Serra no governo Temer), depois ministro da Fazenda, e deve a sua eleição ao Plano Real, ao fim da inflação e à estabilização da economia. Parte do PSDB permaneceu fora do governo Itamar (a mesma parte aliás, que está fora do governo Temer). Legitimidade democrática porque as instituições haviam funcionado e soluções para a economia caminharam juntas, e a corrupção foi varrida para debaixo do tapete.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]Dilma não cai pela ilegitimidade, pela economia ou pela corrupção. Isso é só a falsa repetição da estratégia do impeachment anterior. Dilma cai por ser mulher, guerrilheira e honesta, necessariamente nesta ordem.
[/g1_quote]Não é por acaso que essas lembranças me vieram numa fria noite paulistana, a uma quadra da sede da Fiesp, na Avenida Paulista. Ali está o fulcro – para usar uma palavra muito repetida pelos senadores em seus discursos – da disputa do poder. Estado mais rico e mais industrializado da federação, concentra os homens brancos que hoje ocupam os ministérios como se fossem os donos do país. Ao tomar-se como centro – econômico financeiro e, como se daí decorresse como consequência direta, político –, produzem a falsa percepção de que tudo mais é ilegítimo, num movimento reflexivo e, no entanto, necessário como única forma de apagar a marca de ilegitimidade do governo Temer.
Resta então um elemento novo, a judicialização da política – termo tão importado dos EUA quanto impeachment – , uma das marcas da diferença entre passado, presente e futuro. A sessão do Senado foi aberta com discursos de defesa da presidente Dilma cujos argumentos eram formalidades jurídicas. Foi assim nas falas da senadora Gleisi Hoffman e do senador Lindberg Faria, ambas pontuadas pela estratégia de registrar os elementos que podem vir a ser usados no STF contra a decisão do Senado. Levar a política para os tribunais é esvaziá-la de seu sentido político, ainda que de forma contraditória vá ser preciso argumentar que o impedimento da presidente só se sustenta como decisão política.
Assim, sobra do passado o sonho da Nova República, que a rigor nunca se constituiu enquanto tal; sobra a vida lesada, como descrita pelo filósofo Theodor Adorno na “Mínima Morália”, aquela marcada pelo despertar no momento que poderia ter sido a melhor parte do sonho. A seguir o argumento de que a história só se repete como farsa, Dilma não cai pela ilegitimidade, pela economia ou pela corrupção. Isso é só a falsa repetição da estratégia do impeachment anterior. Dilma cai por ser mulher, guerrilheira e honesta, necessariamente nesta ordem.
Meus cumprimentos à professora, mestra e doutora Carla Rodrigues pela brilhante exposição dos motivos que levaram o Senado à votar pelo impedimento da grande Presidenta Dilma Rousseff.
Li e acompanhei a exposição do jurista Marcello Levreve discorrendo sobre os motivos que levaram ao impedimento de Collor, mostrando que nem de longe se compara ao da Presidente Dilma. Daí vemos que o golpe já era enunciado desde o dia seguinte às eleições.
Mas o que eu quero dizer é que gostei e pude saborear a exposição da professora Carla Rodrigues sobre os motivos que levaram a a este impedimento simplesmente politico e machista: é a nossa Presidenta ser “mulher, guerrilheira e honesta”.
Pra mim uma frase perfeita pra nossa Presidenta “verás que um filho teu não foge à luta”. Hoje, após o pronunciamento quando foi falar para o povo que estava na saída do Planalto, tive vontade de tira-lá dali ou dizer como se diz a uma criança “engole o choro minha Presidenta” e ela aguentou firme , as vezes com a voz embargada pela emoção , conseguiu engolir o choro…
Obrigada pela leitura, de fato, a situação é lamentável.