Pouca gente sabe que a Copa do Mundo do Brasil, em 2014, foi a vigésima da história. Também são poucos os que lembram que as Olimpíadas do Rio, em 2016, serão a XXXI da era moderna. Com as conferências do clima ou conferências das partes, como são oficialmente chamadas, não é assim. A sigla, curtíssima, vem sempre acompanhada de um número. Assim, a COP que começa amanhã em Paris será a COP21. Difícil saber se a decisão de deixar o número das edições tão evidente foi de um aficionado por organização ou de um sádico. O fato é que esta será a 21ª vez que os representantes de quase 200 países se reúnem para discutir como evitar o aquecimento global. E será também a 21ª vez que eles fracassam. A diferença é que, desta vez, o fracasso já é de conhecimento prévio. Nenhum chefe de estado chegará a Paris achando que sairá de lá com um acordo climático simples, objetivo e eficaz.
Mas, então, o que é que as principais lideranças mundiais vão fazer em Paris? Um lugar que, ainda por cima, passou a ser alvo preferencial de terroristas. Eles vão porque precisam ir, porque é assim que as coisas funcionam. Existem duas maneiras de encarar esses vinte e um anos de discussões climáticas: a primeira é achar que foi uma enorme perda de tempo, um desperdício; a segunda é encarar esse período como um treinamento, uma preparação, um amadurecimento. Eu aposto na segunda. Para mim, o jogo está apenas começando e esta será a COP das COPs.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O mundo está começando um processo tímido de redução da sua pegada de carbono e o sistema financeiro internacional não está mais fazendo cara de paisagem.
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Veja o que já enviamosAtingida a maioridade, a conferência climática pode evitar ou minimizar os erros que cometeu no passado. O mais famoso deles foi o Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, durante a COP3. De acordo com ele, os países desenvolvidos, e apenas eles, deveriam reduzir suas emissões de gases de efeito estufa até 2015, tendo como base o que emitiam em 1990. Resultado, em lugar de decrescer elas subiram cerca de 50% em relação ao que era emitido no início dos anos 90.
O professor e economista José Eli da Veiga, da USP, que já escreveu 25 livros sobre mudanças climáticas e sustentabilidade, compara as reuniões da COP a um navio que está afundando. A decisão de Kyoto, em 1997, foi de que apenas o pessoal da primeira classe deveria consertar o casco do barco. Afinal de contas, eles tinham mais dinheiro e tinham sido responsáveis pelos maiores buracos. Enquanto isso, todos os outros passageiros, além de não ajudar nos reparos, tinham permissão para continuar fazendo pequenos furos na carcaça do navio.
Dito assim, fica claro porque essa empreitada não deu certo. Principalmente quando se sabe que um dos passageiros mais ricos, os EUA, disseram desde o início da viagem que não queriam brincar. E para piorar, uma numerosa família da segunda classe, a China, insistia em fazer buracos no casco maiores do que havia sido imaginado.
Em Paris, o acordo para consertar o barco é diferente. Agora, todos vão ajudar, sem exceção. O problema é que cada um vai contribuir com o que pode. Uma espécie de vaquinha de adolescente para comprar vinho barato. Tem gente entrando com martelo e madeira e gente que traz chiclete mastigado e pedaço de pano. É ruim? Certamente. Mas pela primeira vez estão todos remando na mesma direção. O objetivo era limitar o aquecimento global a 2ºC. Isso não vai acontecer, a oportunidade foi perdida. Até agora, a soma de todos os martelos, madeiras, chicletes e panos fará com que o planeta fique 3,5ºC mais quente até 2100.
O que acontecerá a partir de amanhã é que todas as contribuições serão aceitas e aplaudidas. E começarão, imediatamente, novas tratativas para buscar números melhores e reduções maiores. Do lado de fora dos centros de convenções, algumas boas notícias indicam que há esperança. Duas são as principais: o mundo está começando um processo claro de redução da sua pegada de carbono e o sistema financeiro internacional resolveu entrar no jogo e não está mais apenas olhando e fazendo cara de paisagem.
É fato que nem uma coisa nem a outra aconteceu por conta de uma crise de consciência ou por uma necessidade de salvar o planeta ou a humanidade. Estamos avançando, timidamente, porque a chamada economia de baixo carbono passou a ser um bom negócio. Os EUA resolveram taxar as usinas a carvão e investir em gás porque essas alternativas são mais baratas e reduzem a dependência política que eles tinham dos países do Oriente Médio.
A China só está fechando e modernizando as velhas usinas, poluentes e ineficientes, porque os chineses estão morrendo sufocados nas grandes cidades. E porque o crescimento da energia solar e eólica em todo o mundo é uma excelente oportunidade de negócio. É nessa onda que os grandes conglomerados financeiros começaram a surfar nos últimos 3 anos. Tem muito dinheiro nessa mesa. E quando o crédito fica farto e barato, não há como segurar o avanço de um setor econômico. Mesmo que seja o de conserto de barcos. Ainda é muito cedo para comemorar, o placar é bastante desfavorável, mas é possível que o navio não afunde. Chegaremos com água pelo joelho, é verdade, mas a maioria dos passageiros e tripulantes ainda pode se salvar.