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Crise climática: a resoluta caminhada rumo ao precipício

Pipocam evidências de que as mudanças para debelar o desequilíbrio são urgentes, mas os donos do mundo teimam em ignorar

ODS 11ODS 13ODS 15 • Publicada em 28 de junho de 2025 - 19:06

Na primeira fase da Copa do Mundo de clubes, cinco dos 48 jogos – mais de 10% – foram paralisados pelo Sistema de Alerta de Emergências (EAS, na sigla em inglês), protocolo usado por prefeituras para disseminar informações como alertas meteorológicos urgentes. Nele, as pessoas são orientadas a sair de áreas sem cobertura, como a arquibancada e o próprio campo, pela perspectiva de tempestade. Em alguns casos, a parada durou mais de uma hora.

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O Cerrado tem perdido ao menos 30 piscinas olímpicas de água – 1.303 m³/s – por minuto; em 24 horas, volume capaz de abastecer o Brasil por três dias e meio. A expansão do agronegócio exportador de commodities decifra a perda hídrica: as áreas destinadas à soja cresceram 1.834%; a redução hídrica foi de 21%, na comparação dos períodos de 1970 a 1979 e de 2012 a 2021.

Cheia no Rio Dourado, em Aratiba (RS): um morto na nova enchente. Foto Alexandre Pessoa/Agência Brasil

Pelo segundo ano seguido, o Rio Grande do Sul padece com enchentes devastadoras. Entre 28 de abril e 7 de maio de 2024, a maior catástrofe climática da história gaúcha matou 183 pessoas e deixou 27 desaparecidos e 806 feridos. Na semana que termina, as chuvas acarretaram cinco mortes e desabrigaram 10 mil moradores. A região segue aflita ante à previsão de novas tempestades para os próximos dias.

A ciência avisa que nem a redução da temperatura global ao nível estabelecido no Acordo de Paris, limitando o aumento a 1,5ºC, vai frear o derretimento das calotas polares e a consequente subida do nível do mar. Ilhas e cidades litorâneas estão sob risco crescente de terem parte do território inundadas. Como, aliás, acontece em Atafona, praia no norte do Estado do Rio. Ou seja: nem o combinado resolveria; e mesmo ele está sendo ignorado.

Parecem fatos aleatórios – #sóquenão. São evidências reunidas ao acaso entre incontáveis fatos, estudos e ocorrências, provas múltiplas de que a chapa está esquentando para os viventes da Terra. Falta somente os humanos em geral, e os poderosos em particular, se renderem a tão assustadora realidade. Até lá, seguimos em resoluta caminhada rumo ao precipício.

Na mesma semana em que o Sul do Brasil se viu novamente debaixo d’água, não houve consenso em torno de temas banais da preparação para COP30. A pré-conferência, em Bonn, na Alemanha, desmanchou-se em divergências e interesses minúsculos, todos impedindo a convergência para atuar em conjunto contra o problema que ameaça a sobrevivência dos grandes mamíferos (caso você aí ainda não tenha se ligado, estamos incluídos, entre outros bichos).

Falta muito mais gente prestar atenção – especialmente quem mais pode virar o jogo na direção correta. Não adianta ter esperança em trumps, mileis e outras excrescências. Mas líderes em teoria progressistas também andam necessitados de sensatez. Entre eles, tragicamente, Lula.

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O presidente brasileiro mantém-se errático no trato da crise climática. Apesar de, na campanha e naquele período “jardim florido” entre a eleição e a posse, ter reconhecido que meio ambiente virou assunto transversal, nunca levou o tema ao primeiro escalão do governo. Pior: dá abrigo a iniciativas venenosas, seja no simbolismo, seja na ação objetiva.

Uma delas reúne o pior dos dois aspectos: a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Lula incentiva os trâmites para liberar o empreendimento, inaceitável sob qualquer ponto de vista. Está a caminho de avalizar o extrativismo mais letal para o planeta no lugar mais simbólico da luta pelo clima, a Amazônia. Agora, se esconde atrás da balela de que o óleo extraído sob imenso risco para o ecossistema da mais importante das florestas vai financiar o caminho na direção do estabelecimento de novas formas de energia. #caiquemquer.

Não tem como ser bom, nem seguro. Em cinco anos, a extração do óleo em lugar tão delicado pode emitir até 4,7 bilhões de toneladas de gás carbônico, segundo levantamento do Instituto ClimaInfo, com base nos dados da Petrobras e da Empresa de Pesquisa Energética. Governo e petroleira garantem que a atividade é essencial para financiar a transição energética, atualmente apenas 0,06% dos recursos oriundos do petróleo tem esse fim. Ou #caiquemquer 2.

Além disso, o líder petista reduz a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (grife maior de sua equipe), a uma desabrigada política. Recentemente, a ambientalista de biografia inatacável foi vítima de emboscada misógina por senadores de oposição, em sessão no Congresso. Lula limitou-se a um telefonema privado de solidariedade; sua tropa na Casa – integrada, entre outros, pelos senadores Jaques Wagner (BA) e Randolfe Rodrigues (RR) – silenciou diante da brutalidade. Resiliente como na vida inteira, Marina parece disposta a permanecer até a COP30. Até lá, obriga-se a engolir um brejo inteiro de sapos.

Lula não está sozinho na hesitação. Seu governo vacila junto em abraçar o lado certo da querela que sequer devia existir, assim como políticos de outras esferas de poder no país. Eles e o resto da sociedade preferem o caminho da mediocridade, ao invés de encaminhar o Brasil à sua vocação de protagonista no enfrentamento ao desequilíbrio ambiental.

A nação da Amazônia tem mais chance do que qualquer outra de ocupar lugar tão cobiçado. Significa virar protagonista na geopolítica global, o que garante poder e vantagens econômicas. Passou da hora de a pequeneza política ser removida do caminho.

Mas até aqui a mesquinharia grassa – e o planeta paga conta cada vez mais alta.

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