Amazônia: entre o narcotráfico e os crimes ambientais

Fundação Heinrich Böll comemora 25 anos no Brasil com a publicação do Atlas da Amazônia Brasileira. Os autores traduzem a diversidade racial, étnica e de gênero do bioma

Por Liana Melo | ODS 10ODS 13 • Publicada em 6 de maio de 2025 - 09:29 • Atualizada em 6 de maio de 2025 - 09:55

Garimpo ilegal de ouro nas proximidades da comunidade de Rosarinho, em Autazes, no Amazonas: prefeitura aciona governo estadual e Ministério Público cobra ação da Polícia Federal (Foto: Bruno Kelly/Greenpeace/Amazônia Real)

A Amazônia se tornou o epicentro da criminalidade no Brasil. As facções criminosas estão por toda a região, seja traficando drogas ou praticando crimes ambientais. A relação entre os dois delitos se dá por meio de atividades ilegais como exploração de madeira, contrabando de minérios (manganês e cassiterita) e grilagem de terras. Essas atividades vêm sendo financiadas pelo crime organizado nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos 1980, principalmente como estratégia de lavagem de dinheiro.

Leu essa? Drogas, garimpo, contrabando de madeira… tudo junto e misturado

Essa é uma das conclusões do “Atlas da Amazônia Brasileira”. Composta por 32 artigos, escrito por mais de 50 autores, a publicação é assinada por pesquisadores originários de diferentes partes da região, considerando também uma diversidade racial, étnica e de gênero. É uma coletânea de artigos curtos, em uma linguagem simples, com fatos, dados e saberes, que, juntos, formam um grande caleidoscópio da Amazônia.

Temos o Comando Vermelho e o PCC (Primeiro Comando da Capital) distribuído ao longo dos rios, ao longo das rotas do tráfico de drogas e lavando dinheiro através dos garimpos e do desmatamento ilegal

Regine Schönenberg
diretora do escritório da Böll no Rio de Janeiro

O Atlas faz parte das comemorações de 25 anos da Fundação Heinrich Böll no Brasil e é o primeiro totalmente produzido no “Sul Global” – termo usado para referir-se a um conjunto de países que compartilham características socioeconômicas semelhantes.

Os territórios indígenas são o principal alvo da criminalidade na Amazônia e jovens indígenas vêm sendo aliciados para o crime. A aproximação com esses povos é feita através dos vários meios de transporte das drogas na região: as estradas próximas às terras indígenas, os rios ou as pistas clandestinas construídas ilegalmente nessas áreas protegidas.

“A Amazônia está sofrendo abusos ambientais há décadas. Até que ponto isso se junta com movimentos criminosos depende da conjuntura e da atuação do governo. Nesse momento, a situação é brava, como nunca antes, porque agora as facções do Rio de Janeiro e de São Paulo entraram na região. Temos o Comando Vermelho e o PCC (Primeiro Comando da Capital) distribuído ao longo dos rios, ao longo das rotas do tráfico de drogas e lavando dinheiro através dos garimpos e do desmatamento ilegal”, analisa Regine Schönenberg, diretora do escritório da Böll no Rio de Janeiro.

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Pesquisadora e uma das autoras do Atlas, Schönenberg viveu mais de uma década anos na região, período em que se debruçou sobre a atuação do crime organizado na Amazônia. “Estamos assistindo uma simbiose entre os abusos ambientais com o crime organizado”, acrescentou, chamando a atenção para a omissão do estado nesse tema. Às vésperas da COP30, ela defende a destinação das terras devolutas para áreas de preservação ambiental ou para terras indígenas.

No capítulo ‘Crime organizado – Dinâmicas das facções criminosas na região Amazônica’, os autores do artigo argumentam que a “difusão e territorialização das facções criminosas e das milícias na Amazônia vêm contribuindo para uma profissionalização da violência”. E concluem que o tráfico de drogas na região “fragiliza as instituições e as populações amazônidas, bem como as alternativas de proteção dos direitos humanos e a implementação de uma política justa do clima”.

Segundo a publicação,  os modelos de desenvolvimento econômico implementados na região não só violaram, e continuam violando, os direitos territoriais das populações tradicionais, assim como promove danos ambientais. O narcotráfico é apenas uma das atividades destacadas no Atlas, sendo a questão fundiária o principal problema da Amazônia, o que leva o bioma a processos de deterioração, como a savanização, e suas populações à criminalidade.

No capítulo ‘Economia do crime – Terra, poder e crime ambiental’, os autores mostram que o controle de terras e o poder político são duas facetas da mesma moeda. “Os vínculos estreitos entre essas economias e outras atividades ilícitas, como o comércio de cocaína, a mineração ilegal e o tráfico de animais silvestres, fazem parte de um ciclo de apropriação territorial por grupos econômicos que se beneficiam dos lucros dessas atividades”.

Segundo os autores do capítulo, representantes do Executivo e Legislativo exercem um controle crescente sobre os mecanismos administrativos, o que permite que a renda e os bens provenientes de atividades ilícitas sejam transformados em propriedade. E concluem: “por meio da corrupção de funcionários e de barganhas político-eleitorais, a vários fundos de origem legal, como o financiamento estatal da atividade econômica, as licitações públicas e as transferências constitucionais”. Juntas e misturadas, essas realidades constituem, defendem os autores do capítulo, a estrutura da formação do mercado de terras e da destruição ambiental na Amazônia, promovendo o “caos fundiário”.

Desafios para a COP30

Para a diretoria da Böll, como escreveram na apresentação do Atlas, é fundamental “mostrar que o protagonismo dos povos responsáveis pela proteção milenar da região é central para as negociações climáticas multilaterais – e, invariavelmente, para a sobrevivência planetária”, especialmente em um ano marcado pela primeira conferência do clima da ONU a ser realizada na Amazônia, a COP30.

Em Belém, onde será realizada a COP30 em novembro, o mercado de carbono será um dos temas da conferência. Foi na COP29, em Baku (Azerbaião), que se estabeleceu as regras para um mercado global de crédito de carbono, permitindo que países e empresas comprem créditos para compensar as suas emissões de gases de efeito estufa. Para os autores do Atlas, esse novo mercado que é visto como solução para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, acaba permitindo que indústrias poluentes compensem suas emissões sem realmente reduzi-las.

“A governança climática tem sido capturada por soluções que envolvem a financeirização da natureza. A primeira COP na Amazônia é uma oportunidade para se encarar de frente os impactos e contradições desses projetos, apostando em direitos e soberania territorial para as populações amazônidas”, destaca a publicação.

Bioma de superlativos

Composta por nove estados brasileiros (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão), a Amazônia pode ser descrita como um bioma de superlativos: maior floresta tropical e o maior sistema de água doce do mundo, reunindo metade de todas as espécies vivas do planeta. Sua população é majoritariamente urbana – fruto de diferentes booms migratórios, tendo sido o primeiro deles na época da ditadura militar, quando o governo decidiu ocupar, o que considerava, um vazio demográfico.

Moradia de uma diversidade de povos e comunidades tradicionais, é onde vive a maior parte da população indígena brasileira. Na Amazônia brasileira são quase 28 milhões de pessoas, incluindo mais de 180 povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhas e uma variedade de outros povos e comunidades tradicionais.

É também uma região muito perigosa, para defensores de direitos humanos e ambientais, com altos índices de conflitos e assassinados. No Relatório de Conflitos no Campo Brasil 2024, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) publicou que as disputas por terra bateram recorde naquele ano, especialmente nas fronteiras agrícolas, o que incluí estados da Amazônia Legal.

A destruição faz parte do cotidiano da região, seja provocada por incêndios florestais, extração de madeira e secas fortalecidas pelas mudanças climáticas. Os autores da publicação defendem que o combate à degradação na Amazônia avança em duas frentes: seja pela repressão ao desmatamento ilegal por meio de fiscalizações e multas, seja pela restauração florestal.

Só que restaurar a Floresta Amazônica em um hectare de terra degradada custa, segundo a publicação, muito mais do que evitar a perda de um hectare de floresta original. “O benefício da restauração, tanto por hectare como por real investido, é muito menor em termos de sociobiodiversidade e clima”. A conclusão é que as ações ambientais são sempre insuficientes, e cada real gasto na restauração significa um real a menos para frear o desmatamento.

“Em um ano marcado pela COP30, o Atlas é uma oportunidade de dar visibilidade para autores amazônidas, dado que há pesquisadores na publicação de todos os Estados da Amazônia Legal”, analisa Marcelo Montenegro, coordenador de programas e projetos de Justiça Socioambiental da Böll. Ele defende que fortalecer a produção de conhecimento amazônida é contribuir para chamar a atenção da necessidade de se ter uma representatividade local nos debates que envolvam a Amazônia, seja em nível local, nacional ou internacional.

Para conselho editorial do Atlas da Amazônia Brasileira, o bioma vive um momento decisivo: “ou abraçamos seu fim ou fortalecemos aqueles que apresentam essas alternativas, mudando o curso da história tal como a Boiúna, ou Cobra Grande”. O animal, que faz parte do mito amazônico, ilustrada na capa da publicação. Conta a lenda que a  Boiúna, ou Cobra Grande, seria capaz de mudar o curso das águas, moldando o mundo com a sua cauda em uma força criadora equiparável à sua capacidade de destruição.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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