Em busca de um Carnaval mais sustentável

Responsável pelos desfiles das escolas de samba da Série Ouro, Liga RJ faz parcerias para promover compensação de carbono, gestão de resíduos e reciclagem de fantasias

Por Oscar Valporto | ODS 12 • Publicada em 19 de fevereiro de 2025 - 10:07 • Atualizada em 21 de fevereiro de 2025 - 10:35

Recolhimento de resíduos durante ensaio técnico da Série Ouro na Passarela do Samba: em busca de um Carnaval mais sustentável (Foto: Liga RJ / Divulgação)

De outubro de 2024 à segunda semana de fevereiro de 2025, 28 ensaios de rua de escolas de samba – apenas dos dois grupos principais – foram cancelados pelas chuvas torrenciais na Região Metropolitana do Rio. O levantamento faz parte de um primeiro estudo sobre os impactos climáticos do Carnaval, desenvolvido pela Liga RJ, entidade responsável pela Série Ouro, a divisão de acesso ao Grupo Especial, que criou, em meados de 2024, uma diretoria com foco em tornar os desfiles das escolas de samba mais sustentáveis.

Leu essa? Falta meio ambiente nesse samba

Não é uma tarefa simples: as escolas de samba, com seus carros alegóricos e fantasias, usam muito plástico e isopor; os desfiles consomem, sempre à noite, muita energia, geram toneladas de resíduos. “Já para o Carnaval 2025, apenas na questão do meio ambiente, nós estamos focados em circularidade, em coleta seletiva de resíduos, em compensação de carbono e em educação ambiental”, explica Diego Carbonell, diretor de Sustentabilidade da Liga RJ, que trouxe a experiência de quem já exerceu cargo semelhante no Império Serrano e na Superliga Carnavalesca (responsável pelos desfiles das séries Prata e Bronze e do Grupo Avaliação).

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Para o Carnaval 2025, as ações vêm sendo desenvolvidas em parceria: começaram no mini-desfile de apresentação da Série Ouro, – evento batizado de ‘Esquenta Carnaval’, realizado em dezembro na Cidade do Samba, onde ficam os barracões das escolas do Grupo Especial -, seguiram nos quatro domingos (em janeiro e fevereiro) reservados aos ensaios técnicos das escolas da Série Ouro na Passarela da Marquês de Sapucaí; e terminará nos dois dias (sexta e sábado de Carnaval) quando as 16 escolas do grupo vão desfilar na disputa por uma vaga na elite em 2026. “Todos esses desfiles serão carbono zero. Nós temos uma empresa parceira que vai calcular as emissões e fazer a compensação de carbono, direcionada para projetos na Amazônia”, afirma Carbonell, 34 anos, formado em Administração, com pós-graduação em Controladoria, Auditoria e Compliance.

O tema de sustentabilidade, principalmente de meio ambiente, ainda é muito novo para as escolas, para as pessoas das escolas, os gestores das escolas. Mas ações sustentáveis, em todo esse espectro ESG, são avaliadas pelas empresas no momento do investimento em patrocínio. Iniciativas sustentáveis no Carnaval são certamente uma oportunidade para marcas fortalecerem essa preocupação junto ao público

Diego Carbonell
Diretor de Sustentabilidade da Liga RJ

A GPX Ecofi está sendo a empresa responsável por calcular as emissões dos ensaios técnicos e dos desfiles da Série Ouro: serão levados em conta as emissões geradas no transporte para o deslocamento dos componentes de cada escola de suas comunidades de para a Marquês de Sapucaí; pela energia consumida na Passarela do Samba durante os desfiles; pelo diesel usado nos carros alegóricos e nos carros de som. Tudo isso será inventariado para o cálculo do impacto em toneladas de carbono equivalente: os créditos serão negociados, pela GPX, especialista nesse tipo de comércio, para financiar projetos cadastrados na Amazônia.

Outra ação já aplicada no Esquenta Carnaval na Cidade do Samba e em alguns ensaios técnicos é a coleta seletiva de resíduos, esta em parceria com a Boomerang Soluções Ambientais, empresa com experiência em grandes eventos no Rio de Janeiro. Só no evento na Cidade do Samba, foram instalados 60 coletores, em duplas para separar o que é reciclável e o que é orgânico. “Foram mais de 500 quilos de materiais recicláveis recolhidos em seis, sete horas de evento. E também foram coletados 30 litros de óleo, na cozinha, que foram destinados para a produção de sabão pastoso”, relata o diretor de Sustentabilidade da Liga RJ.

A parceria com a Boomerang será repetida nos dois dias de desfiles da Série Ouro na Passarela do Samba da Marquês de Sapucaí: coletores de recicláveis, cadastrados pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima, serão responsáveis pelo recolhimento enquanto agentes de educação ambiental vão incentivar o público a fazer a coleta correta. A Boomerang vai receber o material, ajudar na separação e levar para cooperativas para reciclagem. “Nós percebemos no mini-desfile e nos ensaios que realmente existe essa preocupação em descartar corretamente, em separar. Mas é preciso garantir os pontos de coleta. Teremos mais de 100 na Sapucaí”, assegura Diego Carbonell.

Exposição em evento da Série Ouro de fantasias feitas com material reusado de outros desfiles: parceria para recolhimento, reuso e reciclagem de peças de fantasias e adereços (Foto: Liga RJ / Divulgação)
Exposição em evento da Série Ouro de fantasias feitas com material reusado de outros desfiles: parceria para recolhimento, reuso e reciclagem de peças de fantasias e adereços (Foto: Liga RJ / Divulgação)

Para reciclagem de material usado pelas escolas de samba, a iniciativa da Liga RJ foi formalizar uma parceria com a Sustenta Carnaval, projeto criado em 2023 para recolher e reutilizar partes de fantasias e alegorias que, antes, tinham como destino o lixo. Em dois carnavais, o projeto recolheu quase 50 toneladas de fantasias nos dias de desfiles na Passarela do Samba. “É uma iniciativa maravilhosa e, nessa parceria, nós vamos garantir mais acesso às equipes do Sustenta Carnaval e trabalharmos juntos para incentivar o reuso e a reciclagem”, explica o diretor de Sustentabilidade, acrescentando que as escolas de samba, em geral, já tem a preocupação em reaproveitar o material, mas essa consciência não chega à grande parte dos componentes.

O material recolhido pelo Sustenta Carnaval pode ser reutilizado por escolas de samba de outros grupos, com menos recursos, ou por grupos teatrais ou mesmo por cursos e oficinas para qualificação e treinamento de artesãos. Parte do material pode ser reusado gratuitamente e parte é colocado à venda como forma de financiar o projeto.  No evento de apresentação a Série Ouro, foi instalado um stand com fantasias feitas de material reciclado, criadas pela estilista Lohane Tavares, especializada em design de moda sustentável, com peças recolhidas pelo projeto Sustenta Carnaval.

Impacto das mudanças climáticas no samba

Essas ações no Carnaval 2025 fazem parte da estratégia inicial da Diretoria de Sustentabilidade para aproximar o tema das escolas de samba da Série Ouro. “Nós estamos começando um trabalho. O plano é que, depois dos desfiles, a gente consiga mostrar os resultados e, então, é entrar em cada escola, conhecer e entender preocupações e necessidades e ver o que pode ser usado como potencial e atuar em conjunto”, explica Carbonell.

Mesmo com o trabalho em estágio inicial, ele resolveu fazer o Estudo de Impacto Climático no Carnaval, lançado nesta quarta-feira, 19/02, na Academia Brasileira de Artes Carnavalescas. “A gente precisa pensar como essa questão climática vai começar a impactar no Carnaval. Vai começar não, já está impactando. Só que o mundo do samba, assim como toda a população ou a grande maioria, ainda não consegue enxergar essa conexão dos eventos climáticos extremos com o Carnaval”, aponta. “Por isso, nós fizemos um estudo básico só levantando os cancelamentos. Quando você vai ter ensaio, o que acontece: tem que providenciar carro de som, tem que contratar segurança, tem que providenciar transporte… Quando tem um cancelamento, tudo isso aí vai pra água abaixo. E já está pago. Não tem mais como reaver esse dinheiro”, acrescenta.

Diego Carbonell gosta de dizer que seu sonho é levar o debate sobre sustentabilidade e mudanças climáticas para a mesa de bar. Sabe que esse caminho é longo, mas os eventos extremos estão cada vez mais fazendo parte da rotina das pessoas em qualquer ambiente. “É um primeiro estudo de impacto climático no carnaval. E a ideia é que ele seja só uma abertura; seja só um início. Mas a ideia é a gente avançar para a gente entender também a questão das ondas de calor, a começar pelas alas das baianas e e pela Velha Guarda”, ressalta.

Ação da campanha “Não é Não! Respeite a Decisão” no ensaio técnico da Série Ouro na Passarela do Samba: parcerias com órgãos públicos (Foto: Liga RJ / Divulgação)
Ação da campanha “Não é Não! Respeite a Decisão” no ensaio técnico da Série Ouro na Passarela do Samba: parcerias com órgãos públicos (Foto: Liga RJ / Divulgação)

A Diretoria de Sustentabilidade não tem responsabilidade apenas pelas questões ambientais, trabalha com o tripé ESG (Environment, Social, Governance, da sigla em inglês). Na área social, já estão em desenvolvimento ações para este Carnaval, em parceria com órgãos públicos, com foco no respeito às mulheres e à comunidade LGBT+ e de combate ao racismo. “São muitas coisas a serem feitas, mas é importante que todo o pessoal das escolas de samba passe a ter a sustentabilidade entre suas preocupações”, afirma o diretor, lembrando que ações com este foco já foram realizadas no Esquenta Carnaval e nos ensaios técnicos da Série Ouro.

Carbonell lembra que as escolas de samba – principalmente as Série Ouro, sem patronos – sonham em ter recursos de patrocinadores para um planejamento mais anual, sem depender das subvenções oficiais que chegam, em geral, só perto do Carnaval. “Nosso interesse na Liga RJ é atrair investimentos relacionados à parte de sustentabilidade ambiental, social, para que, posterior a isso, a gente tenha mais credibilidade de aproximar as escolas. O tema de sustentabilidade, principalmente de meio ambiente, ainda é muito novo para as escolas, para as pessoas das escolas, os gestores das escolas. Mas ações sustentáveis, em todo esse espectro ESG, são avaliadas pelas empresas no momento do investimento em patrocínio. Iniciativas sustentáveis no Carnaval são certamente uma oportunidade para marcas fortalecerem essa preocupação junto ao público”, destaca.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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