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Por que estamos atrasados na discussão sobre trabalho e justiça climática?

Racismo ambiental, além de sempre perverso, também compromete as fontes de emprego e renda das populações vulnerabilizadas

ODS 10ODS 8 • Publicada em 16 de janeiro de 2025 - 13:32 • Atualizada em 16 de janeiro de 2025 - 13:59

Poucos anos atrás, eu estava em Salvador, na Bahia, observando trabalhadores na rua, quando tive a primeira inquietação sobre a relação direta entre a emergência climática e as relações de trabalho. Apesar de um debate conflituoso, pareceu oportuno discutir como os direitos trabalhistas respondem – ou não – à questão-chave relacionada à influência do emprego e renda como fatores econômicos estruturais decisivos para a qualidade de vida da população. Mas e a população negra?

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Em primeira mão para o #Colabora, lançamos hoje o terceiro boletim informativo do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC) que, com ousadia e revolta, mergulhou nos dados existentes sobre como as desigualdades sociais e raciais persistem como marcas do mercado de trabalho no Brasil. A publicação “Emprego e Renda”, lançada em parceria com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), contou com o apoio técnico do Ministério da Igualdade Racial (MIR). 

Trabalhadores e trabalhadoras (rurais e urbanos) frequentemente vivem em áreas mais expostas a eventos climáticos extremos, como inundações e secas (Foto: Rafael Brito)
Trabalhadores e trabalhadoras (rurais e urbanos) frequentemente vivem em áreas mais expostas a eventos climáticos extremos, como inundações e secas (Foto: Rafael Brito)

Para começar, considerando diversos contextos territoriais do Brasil, 53,8% da força de trabalho do nosso país é composta por trabalhadoras e trabalhadores negros. Além disso, quase metade das pessoas negras atua na informalidade, ou seja, sem direitos trabalhistas assegurados, assim como todas as problemáticas relacionadas à proteção, saúde e dignidade ausentes. 

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Não é surpresa alguma que nós, mulheres negras, somos as mais afetadas pela precariedade no mercado de trabalho, recebendo salários inferiores aos de homens e mulheres brancas — e também homens negros. Na estrutura racista na qual vivemos, exceções à regra do fracasso e fragilidade profissional não podem ser confundidas com discursos inspiracionais. Afinal, por tantas vezes, o preço — do tal sucesso ou do trabalho precário — se paga com a própria vida e saúde mental. 

E quando aterrissamos no tema da crise climática, existem inúmeros exemplos de realidades próximas que nos ajudam a visualizar tamanha intersecção. Na agricultura familiar, o impacto da ausência de chuvas é colossal, pois o “não saber” a previsibilidade da chuva interfere diretamente no planejamento. E o que dizer do trabalho dos profissionais dos correios? Em tempos de eventos climáticos extremos, os trajetos dos carteiros e carteiras são prejudicados — ou interrompidos — em casos de sol forte, fumaça e pós-enchente. Um gari percorre, em média, 20 a 30 km por dia. Imaginemos o que isso significa na prática em condições climáticas extremas?

De acordo com o boletim informativo sobre trabalho e renda do CBJC, “os trabalhadores e trabalhadoras (rurais e urbanos) frequentemente vivem em áreas mais expostas a eventos climáticos extremos, como inundações e secas, condições de moradia com altos riscos ambientais (encostas, esgotos e aterros sanitários) quanto menor a renda, maior a exposição”. O preço dessa matemática absurdamente falida nos relembra como o racismo ambiental, além de sempre perverso, também compromete as fontes de trabalho e renda das populações vulnerabilizadas. 

Brasil em temporada de seca extrema: não há justiça climática sem emprego e renda digna para a população negra (Foto: Custódio Coimbra)
Brasil em temporada de seca extrema: não há justiça climática sem emprego e renda digna para a população negra (Foto: Custódio Coimbra)

Em um contexto de múltiplas injustiças climáticas, como as que estamos presenciando no Brasil no tempo presente, “esses grupos sociais são os que mais enfrentam dificuldades em acessar seguros de trabalho e saúde, redes de proteção social ou programas de apoio emergencial”. Viver em zonas de sacrifício é mais uma entrave no acesso a equipamentos públicos de educação e lazer, saúde, segurança, energia elétrica, água, esgoto e coleta de lixo. 

O CBJC, por meio das evidências apresentadas, destaca três caminhos estratégicos na busca ao enfrentamento dessas desigualdades estruturais:

  • Valorização da agricultura familiar: criar linhas de crédito para agricultores familiares negros, garantindo acesso a tecnologias climáticas.
  • Proteção social para trabalhadores informais: ampliar políticas que incluam empreendedores negros e mulheres no acesso a direitos básicos.
  • Educação e emprego para juventudes negras: investir em capacitações que conectem juventudes urbanas e rurais às demandas do mercado sustentável.

Inicio o ano 2025 ciente do privilégio que é ter a liberdade de escrever sobre temas e pautas que são caros para mim. Bate uma certa culpa e um pavor da contradição no exercício do jornalismo, pois a mesma emergência climática que me afeta, hoje, não interfere na minha condição (individual) de trabalho. Sendo assim, incansavelmente, reforço este espaço com um papel de denúncia das interseccionalidades que posicionam o Brasil como um país da precariedade trabalhista diante de um persistente cenário de injustiças socioambientais. Afinal, não há justiça climática sem emprego e renda digna para a população negra. 

*Um agradecimento ao Aurora Lab, que é um um laboratório de ideias, ações e conhecimento focado em campanhas e comunicação, pela colaboração com a construção desta coluna com conteúdos de um evento sobre clima e trabalho realizado no último ano; e também à economista e pesquisadora Karina de Paula Carvalho pela autoria do boletim informativo do CBJC. 

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