ODS 1
Diversidade de flora e fauna estimula a gastronomia típica em Cuiabá
Mato Grosso é o único estado brasileiro que reúne três dos principais biomas do país - Amazônia, Cerrado e Pantanal
Com temperaturas que podem chegar aos 40 graus num dia e baixar para dez graus num espaço mínimo de tempo, o clima da cidade de Cuiabá não facilita muito a vida dos seus 650 mil habitantes, que precisam aprender a conviver com uma vizinhança famosa e peculiar. A capital do estado do Mato Grosso faz divisa com o Pantanal, bioma que abriga a maior biodiversidade do planeta, cuja riqueza atrai muitos pecuaristas e agricultores com escrúpulos, no mínimo, duvidosos. Têm sido constantes e cruéis os incêndios na região.
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Mas é justamente essa diversidade que possibilita inserir o Mato Grosso, único do Brasil a reunir três biomas – Amazônia, Cerrado e Pantanal – também no ranking de gastronomias regionais das mais saborosas, múltiplas e diferenciadas. Um leque maravilhoso de possibilidades para criar receitas e combinar sabores, muito bem aproveitado pelas mãos de algumas e alguns cozinheiros e cozinheiras. Uma dessas profissionais é Eulalia da Silva Soares, conhecida como Dona Eulalia, atualmente com 90 anos, criadora dos famosos bolinhos de arroz e de queijo. Dona Eulalia é uma das mais antigas cozinheiras da cidade e, mesmo não sendo mais ativa na cozinha, ainda ajuda a preservar a tradição que se tornou marca da região.
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Veja o que já enviamosOs bolinhos são preparados no forno a lenha e servidos no café da manhã. Uma fila se forma diariamente no espaço que Eulália mantém desde que parou de vender de porta em porta, na comunidade de Aricazinho, para manter a família. Hoje, a chef deixa a tarefa de produzir e vender seus bolos, cuja receita só a família conhece, por conta de seus oito filhos, 37 netos e mais de 30 bisnetos. A lanchonete fica no quintal da propriedade da família, onde são espalhadas mesas e cadeiras de plástico. As portas se abrem às 5h e se fecham às 10h.
De Le Cordon Bleu para Cuiabá
Outra joia da gastronomia da capital de Mato Grosso é Leila Malouf, 74 anos, cuiabana filha de libaneses, que começou a trabalhar com cozinha aos 40, servindo jantares para a elite local no clube da cidade. Seu bufê foi consolidado entre os de maior prestígio por todo o centro-oeste brasileiro. Ariani, sua filha, é chef e proprietária do Mahalo – que, no dialeto havaiano, quer dizer “saudação” e “boas energias”. Nesse restaurante, há 18 anos Ariani serve pratos com influência libanesa, onde mistura os ingredientes locais com as técnicas francesas que aprendeu quando cursou a École Cordon Bleu, em Paris.
Ariani não se furta a lançar mão da riqueza natural que cerca a cidade onde mora, e criou pratos como pintado grelhado sob crosta de castanha; paçoca de pilão; queijo pantaneiro; tambaqui; furrundu (doce de mamão verde e rapadura do cerrado); doce de leite cuiabano; praliné de cumaru (a “baunilha” brasileira); compota do cerrado de caju e manga, entre outros.
“A inspiração é sempre afetiva com foco no sustentável, vem das viagens, dos estudos e aprendizados ao longo desses quase 18 anos de Mahalo e de um amadurecimento natural no entendimento do que o cliente aprecia. A gastronomia criativa do Mahalo, nada mais é do que uma cozinha contemporânea que reflete o que vi pelo mundo, adaptado ao meu estado, mas sem perder as minhas raízes”, disse Ariani.
A chef também assina o menu do Toroari Cozinha Nativa, que pertence ao seu marido, Márcio Aguiar. Instalado no topo do Amazon Hotel Aeroporto, em Várzea Grande, na Grande Cuiabá, ele oferece uma vista inigualável para os turistas: o Morro de Santo Antônio, nas bordas do Pantanal, e os paredões de Chapada dos Guimarães.
É nesse espaço que Ariani mistura sabores genuínos e autênticos, funde tradição e cultura, mas sempre se preocupando em usar os bens naturais de forma consciente, garantindo que as gerações seguintes possam usufruir deles. Chegam à mesa ingredientes peculiares, com destaque para os peixes: pacu, matrinxã, piraputanga e pintado.
“Eu uso os peixes em preparos diferentes, mas que preservam sua essência, ressaltada ainda mais pelos temperos, os mesmos utilizados pelo povo ribeirinho em suas cozinhas e taperas”, disse Ariani, que também ajuda a mãe no bufê que Leila Malouf mantém, três décadas depois de iniciado.
Ainda hoje Leila Malouf é lembrada na cidade pelos banquetes árabes fartos e, também, pelo negócio que se tornou a espinha dorsal da sua família. A mãe de Alan, Adel, Alexa e Ariani e avó de seis crianças, encabeça o Grupo Às, composto por outras empresas, incluindo o criativo Mahalo.
Menu do Mahalo
A culinária cuiabana é bem típica do Brasil, já que mistura vários sabores, como os da comida indígena, portuguesa, espanhola e africana. Leila Malouf se utiliza de tudo isso, agregando a experiência adquirida em estágios que fez mundo afora, França, Itália e Alemanha, onde aprendeu ainda mais a cozinhar com chefs renomados. Assim nasceu o menu do Mahalo: Pescada com manteiga de ervas, farofinha de limão siciliano, texturas de couve-flor, cogumelos e molho thai de manjericão; Camarão ao creme de champagne e caviar, com edamame, strudel de cogumelos, espinafre e queijo gruyere e Stinco de porco duroc assado lentamente com molho de mostarda, aligot de mandioquinha com gruyère, abacaxi agridoce e farofa de Parma. O menu de almoço sai por R$ 115.
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Bruno Calixto, jornalista gastronômico mineiro radicado no Rio, colaborador do blog Luciana Fróes no jornal O Globo e para: Folha (Turismo), UOL (Nossa e RG), Estadão (Paladar), Valor Econômico (revista Eu&) e Estado de Minas (Degusta)