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Veja o que já enviamosEducação antirracista para superar a fome
Não haverá segurança alimentar para todos enquanto crianças negras, periféricas, indígenas e quilombolas continuarem excluídas do acesso à escola, com qualidade e equidade
(Dandara Oliveira*) – A divulgação recente de suplemento da pesquisa VIGISAN que cruza dados da insegurança alimentar com desigualdades de gênero e raça coloca em gráficos algo que a sociedade já sabe, mas parece não se indignar: são as mulheres negras e suas famílias quem mais sofrem com a fome no Brasil. No país, 22% dos lares chefiados por nós passam por essa situação, número que cai para 13,5% quando se trata de mulheres brancas. Se colocada a lupa nos dados relacionados a escolaridade e trabalho, por exemplo, nota-se que os índices de insegurança alimentar grave (fome) e moderada (restrição no acesso aos alimentos) são também mais altos nos domicílios com chefes de família negras não importa qual seja o grau de instrução ou a situação de emprego (formal, informal ou autônomo) analisados. Ou seja, a herança escravocrata e colonizadora que sustenta o racismo até hoje faz com que, mesmo com condições socioeconômicas similares aos outros grupos, as mulheres negras tenham os piores índices relacionados à quantidade e qualidade da comida na mesa. Por mais que tenham avançado no quesito escolaridade, isso não se traduz necessariamente em melhores condições de vida, como muitos poderiam pensar.
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De acordo com o recorte de raça e gênero do II VIGISAN 2022, um terço (33%) das famílias cujas líderes são mulheres negras com 8 anos ou mais de estudo sofrem com insegurança alimentar moderada ou grave, comparado com 21,3% de homens negros, 17,8% de mulheres brancas e 9,8% de homens brancos. Onde houve desemprego ou o trabalho informal, a fome foi presente em mais da metade dos lares chefiados por pessoas negras comparado com menos de 40% dos lares chefiados por pessoas brancas. Na condição de desemprego, a fome também foi mais presente em domicílios chefiados por mulheres negras (39,5%), comparado com 36,2% por mulheres brancas, 34,3% por homens negros e 25,3 por homens brancos. No estudo disponível aqui, é possível encontrar outros recortes nesse sentido socioeconômico.
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Veja o que já enviamosSão inúmeros os fatores que explicam tais condições e variadas as iniciativas urgentes de curto, médio e longo prazos para solução – e aqui é possível citar programas de transferência de renda, ações afirmativas, políticas públicas que realmente cheguem de forma adequada aos diferentes grupos da sociedade, e até mesmo entrar no questionamento sobre acesso à terra no Brasil. Mas, neste texto, foco numa reflexão que considero básica para tratar o “mal pela raiz” e da qual estou fortemente dedicada no dia a dia: a educação. É na falta ou no acesso inadequado à escola e ao ensino de qualidade, com equidade e antirracista, em que também mora o limite de oportunidades de desenvolvimento e prosperidade e, consequentemente, do acesso a uma comida de qualidade no prato para a população negra.
Não haverá segurança alimentar de fato para todos enquanto crianças negras, periféricas, indígenas e quilombolas continuarem excluídas do acesso à escola, com qualidade e equidade. E acesso, nesse caso, envolve desde questões logísticas e estruturais até as condições para se manterem nesse ambiente em condições dignas, não violentas e equitativas durante todo ciclo de formação: do ensino básico à universidade.
É preciso transformar o espaço escolar em um lugar livre de violências, acolhedor e que respeite as diferenças. Essa transformação passa necessariamente pela atuação do Estado Brasileiro na promoção das políticas públicas, no incentivo ao cumprimento da lei 10.630/03 – que trata da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas públicas e privadas de Ensino Fundamental e Médio –, e provendo as condições materiais necessárias para a real mudança. Sobre educação antirracista, temos marcos legais, inclusive a lei citada acima que apontam que é urgente implementar um ensino que enfatize as contribuições das comunidades negras para o país, desconstruindo estereótipos e combatendo o preconceito desde a infância.
É preciso reconhecer que a fome no Brasil não é uma fatalidade, mas sim um reflexo das estruturas sociais historicamente marcadas pelo racismo. Ao enfrentar de forma contundente a desigualdade racial através da educação, o país poderá avançar também na erradicação da fome e na construção de uma sociedade mais justa, inclusiva, equitativa e igualitária para todos os brasileiros.
* Dandara Oliveira é mestre em Relações Étnico-Raciais e especialista em Articulação e Projetos na ActionAid, onde executa o SETA – Sistema Educacional Transformador e Antirracista
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