ODS 1
A potência indígena ocupa museus do Rio
Exposição no Museu do Amanhã e festival no Museu do Pontal são atrações imperdíveis para quem quer conhecer a cultura dos povos originários
A diversidade indígena de Pindorama desfila por museus do Rio de Janeiro, numa prova contundente da potência dos povos originários – não o passado congelado nos clichês dos livros pedagógicos, mas a caudalosa produção cultural contemporânea, livres dos estereótipos atrelados à cultura colonial. Comunicadores e artistas se apropriam de múltiplas linguagens e mídias – analógicas e digitais – para reproduzir suas próprias narrativas, na exposição “Nhande Marandu – Uma história de etnomídia indígena”, no Museu do Amanhã até dia 30. Sob curadoria de Anápuáka Tupinambá, Takumã Kuikuro, Trudruá Dorrico e Sandra Benites, a mostra oferece vasto acervo com fotos, videoclipes, filmes, artes visuais, acervos de rádios e livros de Denilson Baniwa, Ailton Krenak, Zahy Guajajara, Sallisa Rosa, Jaider Esbell, Gustavo Caboco, Brisa Flow, entre vários artistas e comunicadores contemporâneos.
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No Museu do Pontal, na Barra (Zona Oeste da cidade), neste fim de semana (15 e 16), acontece uma grande celebração da força e da beleza das etnias pioneiras, com o Festival das Culturas Indígenas. Uma sortida programação gratuita de filmes, oficinas e espetáculos exalta os saberes dos povos nativos, chamando a atenção para a importância da manutenção e ampliação dos direitos dessas pessoas no país colonizado tão violentamente. O evento receberá educadores e artesãos indígenas e que realizarão oficinas, apresentações musicais, feiras de artesanato e gastronômica, além de uma edição especial do projeto Cinema de Fachada.
Um par de programações obrigatório na semana do Dia da Resistência dos Povos Indígenas, 19 de abril, a próxima quarta-feira.
Anápuàka, o curador da “Nhande Marandu” (“Nossa mensagem”, no idioma dos colonizadores), desenvolveu o conceito de “etnomídia”, para romper com a forma ocidental como artistas e a mídia interpretam as histórias dos indígenas. O objetivo é contar a história da comunicação indígena, que impulsiona também o mercado do entretenimento. “Queremos apresentar os indígenas do agora, com seu futurismo fundamentado na ancestralidade. As mentes indígenas têm privilégio de conhecer a diversidade do país e colaborar com a sociedade por um Brasil mais justo e inclusivo”, explica ele, nascido em São Paulo 49 anos atrás, e hoje morador do Rio. “Todo brasileiro devia falar uma língua indígena, para se libertar do processo de colonização. A exposição defende isso”, continua o curador, contabilizando 305 povos e 274 línguas para dimensionar a diversidade.
Ele foi mentorado dos 6 aos 30 anos por Ailton Krenak, um dos grandes filósofos brasileiros – “indígenas ou não” – da atualidade e assume a influência virtuosa nos seus trabalhos. Há, como grande atração uma fogueira digital, para reproduzir a transmissão dos saberes ao redor do fogo, marca da trajetória dos povos originários. Além disso, a exposição apresenta obras de literatura, audiovisuais e de games desenvolvidos por indígenas.
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Veja o que já enviamosO curador propõe uma visão invertida, em relação ao centralismo colonizador. Vale a viagem. “Somos várias nações dentro de um país. No conceito de povo, somos muito diversos. Por exemplo quando falam que estamos na cidade, na verdade é a cidade que está onde estivemos por muitos séculos”, ensina. “Cada sociedade indígena é de um jeito e trazemos isso na linguagem comunicacional”, aponta Anápuàka, filho de uma etnia que surgiu na região onde hoje está Alter do Chão (PA) mas, numa caminhada de 10 mil anos, chegou a Mogi das Cruzes (SP).
Do outro lado da cidade, no Museu do Pontal, o Festival das Culturas Indígenas tem, como grande atração, o Cinema de Fachada, seleção de filmes para crianças e adultos, com curadoria da atriz Bianca Comparato, uma das idealizadoras do projeto ao lado da também atriz Alice Braga; do cineasta Alberto Alvares, da etnia Guarani Nhandewa; do professor Christian Fischgold, que vem pesquisando as relações entre literatura, antropologia e cinema; e da coordenadora de Conteúdo do Museu do Pontal, Fabiana Comparato.
“O festival joga luz nos saberes ancestrais e busca chamar atenção para questões urgentes, como a demarcação de territórios e a necessidade de políticas de proteção aos Yanomamis”, explica a diretora e curadora do Museu, Angela Mascelani. “Trata também da importância da literatura, da música, do cinema e das artes, de forma geral, para a preservação das culturas indígenas”, complementa o diretor executivo da instituição, Lucas Van de Beuque.
Para mitigar a questão do acesso à Barra da Tijuca, o museu oferecerá transporte gratuito, com vans saindo da estação Jardim Oceânico do metrô e do Terminal Alvorada.
Programação:
Festival das Culturas Indígenas
Dias 15 e 16
10h – Cinema de Fachada: sessão de curtas para crianças no auditório.
“Caminho dos Gigantes”, de Alois di Leo (12 min). A história de Oquirá, uma menina indígena de seis anos que desafia o seu destino e tenta entender o ciclo da vida. Uma busca poética pela razão e propósito de viver.
“A Festa dos Encantados”, de Masanori Ohashy (13 min). Animação baseada no mito do povo Guajajara que conta a origem de seus rituais. Ele narra a saga de um Guajajara procurando seu irmão perdido. Encontrado um mundo subterrâneo habitado por seres encantados, permanece aprendendo todos os rituais e cânticos. Com saudade da família, volta para o seu povo e passa a contar a sua história e ensinar para todos os parentes, tudo o que havia aprendido com aquele seres. Antes disso, de acordo com o mito, os Guajajara não realizavam seus rituais.
“O dilúvio Maxakali”, de Charles Bicalho, Isael Maxakali (13 min). Konãgxeka na língua indígena maxakali quer dizer “água grande”. Trata-se da versão maxakali da história do dilúvio. Como um castigo, por causa do egoísmo e da ganância dos homens, os espíritos yãmîy enviam a “grande água”.
“A Voz do Barro”, de Ana Letícia Meira Schweig, Angélica Domingos, Cleber kronun de Almeida, Eduardo Santos Schaan, Geórgia de Macedo Garcia, Gilda Wankyly Kuita, Iracema Gãh Té Nascimento, Kassiane Schwingel, Marcus A. S. Wittmann, Nyg Kuita, Vini Albernaz (11 min). Animação criada através das memórias narradas por Gilda Wankyly Kuita e Iracema Gãh Té Nascimento, com imagens e sons captados na Terra Indígena Kaingang Apucaraninha (PR) durante o encontro de mulheres “Ga vī: a voz do barro, conversando com a terra”, 2021. O curta aborda a tradição da cerâmica, barro, território e ancestralidade.
11h – “Os sons da Floresta”. Oficina com Pacary Pataxó, educador indígena da Aldeia Mãe, de Barra Velha (BA). Além de demonstrar como os indígenas utilizavam apitos que imitam sons de pássaro para se comunicar na floresta. Pacary vai confeccionar um apito de bambu. Livre.
12h – Visita musicada.
13h – Baú de brinquedos – Edição especial com foco em peteca, brincadeira de origem indígena.
14h – Visita musicada.
15h – Contação de histórias: Minhas histórias ancestrais. A atriz, bonequeira e contadora de histórias Melissa Xakriabá apresenta histórias recheadas de tradições, cantos e artesanatos indígenas.
16h – Oficina Saúde e meio ambiente. Descendente de indígenas Kariri Xocó e Fulni-ô, Niara do Sol compartilha saberes ancestrais sobre plantas medicinais. A atividade acontecerá na horta/jardim sensorial do Museu.
17h – Baú de brinquedos. Edição especial com foco em peteca, brincadeira de origem indígena.
17h – Coral Mbyá Guarani – Aldeia Mata Verde Bonita Maricá (praça). Formado por crianças Guaranis de Paraty e Maricá, o grupo fará uma apresentação de cantos e danças tradicionais da sua cultura.
18h – Cinema de Fachada: sessão ao ar livre do longa de animação “Ainbo – A Guerreira da Amazônia”, de Richard Claus (1h20min). Ainbo nasceu e foi criada na aldeia de Candámo, na Amazônia. Um dia, descobre que sua tribo está sendo ameaçada por outros seres humanos. A garota enfrenta a missão de reverter essa destruição e extinguir a maldade dos Yakuruna, a escuridão que habita o coração de pessoas gananciosas.
19h30 – Sessão ao ar livre de “A última Floresta”. De Luiz Bolognesi. Em um grupo Yanomani isolado na Amazônia, o xamã Davi Kopenawa Yanomani tenta manter vivos os espíritos da floresta e as tradições, enquanto a chegada de garimpeiros traz morte e doenças para a comunidade. Os jovens ficam encantados com os bens trazidos pelos brancos; e Ehuana, que vê seu marido desaparecer, tenta entender o que aconteceu em seus sonhos.
Somente dia 16
11h – Farmácia caseira. A historiadora, educadora popular e terapeuta natural Amanda Mara Goytacá ensina como aproveitar as propriedades medicinais de ervas e plantas disponíveis na horta/jardim sensorial do museu.
14h – Oficina de Petek’as em palha de maki. A educadora e agricultora urbana Carmel Puri ensina a fazer o brinquedo de origem indígena utilizando palha de maki (milho), pandoba ou buriti e penas de aves.
15h – Apresentação do coral Nhamandu NHEMÕPU’Ã – Formado por crianças da Aldeia Tekoa Jaexaa Porã (Aldeia Boa Vista), de Ubatuba (SP), o coral apresenta cantos sagrados do povo guarani.
16h – Lançamento do livro Ritxoko – A voz visual das ceramistas Iñy. A antropóloga Chang Wan conversa com o público sobre seu novo livro, resultado de pesquisa sobre sobre a cerâmica figurativa Karajá. Conhecidas como ritxoko, as bonecas karajá são reconhecidas pelo Iphan como Patrimônio da Cultura do Brasil.
16h30 – Cinema de Fachada: Sessão no auditório do longa “O território”, de Alex Pritz. O povo indígena Uru-eu-wau-wau viu sua população diminuir e sua cultura ser ameaçada desde o contato com os brancos brasileiros. Embora prometida a autonomia sobre seu território de floresta tropical, eles enfrentaram incursões ilegais de extração de madeira e mineração ambientalmente destrutiva e, mais recentemente, invasões de grilagem de terras, estimuladas por políticos de direita como o presidente Jair Bolsonaro. Tendo o desmatamento como consequência, o problema se tornou global. Com acesso inédito e coproduzido pela comunidade Uru-eu-wau-wau, o documentário leva o público ao centro do conflito. Jovens líderes indígenas e ativistas ambientais arriscam suas vidas para defender a floresta, montando sua própria equipe de mídia independente, usando a tecnologia para expor a verdade e revidar.
O Museu do Pontal fica na Avenida Celia Ribeiro da Silva Mendes, 3.300, Barra da Tijuca. Aberto de quinta a domingo, das 10h às 18h (o acesso às exposições se encerra às 17h30).
Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!