ODS 1
Comunicação a serviço das minorias
Cecip - Centro de Criação de Imagem Popular
Como podemos mudar o mundo? Os camponeses analfabetos que aprenderam a ler em 40 horas com o método Paulo Freire, nos anos 60, não só aprendiam a ler. Eles aprendiam também a entender o mundo criticamente. Descobriam que eram produtores de cultura e que suas injustas condições de vida podiam ser mudadas. Para o educador, o ato revolucionário era aprender a escrever, “escrever o mundo”, pois quem escreve a própria história a toma em suas mãos e muda o mundo. E hoje, aqui e agora? Precisamos reescrever esse mundo, apontar alternativas. Quando se começa a mudar o mundo? Para Claudius Ceccon, cujo livro acaba de ganhar o Prêmio Jabuti 2015 em sua categoria, a mudança é uma utopia na direção que devemos nos mover.
Claudius, um dos grandes nomes da história do cartunismo brasileiro, participou da aventura do Pif Paf de Millôr Fernandes e foi um dos fundadores (acidentalmente, diz ele) do Pasquim ao lado de Jaguar, Tarso de Castro, Carlos Prósperi e Sérgio Cabral, todos empenhados em contar, com humor, uma nova versão deste nosso Brasil. Gaúcho de Garibaldi, Claudius veio para o Rio com 4 anos de idade e “cariocou-se” definitivamente, usando seu traço para documentar a história do país.
Foi perseguindo o sonho de uma imprensa livre que, junto a um grupo de amigos, tirou do papel o Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip ), uma ONG que completa este ano três décadas.
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Veja o que já enviamosEnsinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção
[/g1_quote]Sua atividade como arquiteto corria paralela à de cartunista, mas foi logo depois da criação do Pasquim, em 1969, em pleno Ato V, que Claudius deixou seu escritório de arquitetura e foi para Genebra com a família, como Secretário Executivo de Comunicação da organização internacional World Student Christian Federation (WSCF). Era um mandato de dois anos, mas, na hora de voltar, a turma do Pasquim estava na cadeia. Logo, não era a melhor ocasião para o retorno. O adiamento se tornou exílio quando a ditadura retirou o seu passaporte e o de sua família, incluindo duas crianças de 8 e 9 anos. Foi lá fora que Claudius e Freire se conheceram, viraram amigos e criaram o Instituto de Ação Cultural. A amizade rendeu frutos em projetos realizados na Europa e na África. A experiência foi útil ao retornar ao país e empenhar-se ativamente no que foi o processo de redemocratização.
O Cecip nasceu com uma proposta inovadora para a época – o uso de vídeo em comunicação popular, com profissionais de primeira linha nos bastidores. O ano era 1986. O cartunista colocou em prática as teorias de Freire.
Nomes de peso se engajaram no projeto. O cineasta Eduardo Coutinho foi companheiro constante: toda sua produção cinematográfica, entre o premiadíssimo “Cabra Marcado para Morrer”, em 1965, e o documentário “Santo Forte”, em 1999, que marca sua volta à telona, foi realizada em projetos do Cecip.Ouvir histórias de pessoas para quem a sociedade está acostumada a dar as costas foi o que o documentarista fez em toda a sua vida. Outros nomes, como a escritora Ana Maria Machado, o físico Ennio Candotti, o jornalista Washington Novaes e o então professor de história Chico Alencar também se juntaram à trupe. Coutinho manteve seu espaço de trabalho no Cecip por toda a vida – o documentarista, inclusive, ganhou uma sala com seu nome, mas nunca chegou a ocupá-la, pois morreu antes da mudança da sede da entidade.
Telão sobre quatro rodas
A TV Maxambomba é, até hoje, um dos projetos mais inovadores e celebrados do Cecip. A programação era produzida com a participação dos moradores da Baixada Fluminense, numa época em que não existiam nem câmeras digitais e nem smartphones. O equipamento de trabalho era profissional, de última geração: enormes câmeras, ligadas a seus pesadíssimos gravadores U-Matic. A equipe da ONG orientava os aprendizes de repórteres e lhes abria outra dimensão em suas vidas. Nesta, eles podiam falar e mostrar o que viam e como enxergavam a realidade. As histórias eram contadas para moradores das próprias comunidades. A programação ia ao ar todas as noites, em diferentes praças, projetada num telão montado sobre uma Kombi. Durante mais de dez anos, na Baixada Fluminense, a audiência da TV Maxambomba concorria com a das novelas da TV Globo que fossem ao ar no mesmo horário.
Nas últimas três décadas, o Brasil mudou de cara: a ditadura acabou, o país foi redemocratizado, e a tecnologia voltada para a comunicação ficou mais acessível. Mas o público alvo do Cecip continua precisando de ajuda para contar suas histórias. Antigos alunos ensinam hoje aos novos aprendizes, como é o caso de Gianne Neves, que tornou-se repórter da TV Maxambomba aos 12 anos e hoje é coordenadora de projetos da ONG, além de fazer doutorado em Ciências Sociais.
Inclusão digital na programação
O Cecip realiza projetos de inclusão digital com alunos de escolas públicas do Rio de Janeiro e acumula perto de uma centena de prêmios, entre eles o Prêmio Itaú-UNICEF Educação & Participação, na categoria Mobilização pela Educação, com o Projeto Estatuto do Futuro, um kit para formação sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. O Cecip também recebeu o Certificado de Tecnologia Social, concedido pela Fundação Banco do Brasil, pelo Projeto Botando a Mão na Mídia, que desenvolve uma metodologia de leitura crítica dos meios de comunicação de massa.
No currículo, também estão filmes consagrados, como ‘Santo Forte’ e ‘Babilônia 2000′, ambos do documentarista Eduardo Coutinho, que lançou mão de alunos do Cecip para a produção dos dois filmes. “Bendito Fruto”, deliciosa comédia carioca de Sérgio Goldenberg, é outra premiadíssima realização do Cecip, que também já produziu uma série de documentários, em coprodução com as televisões européias BBC, Channel 4, Canal Plus, ARTE, e ZDF.
Com orçamento anual de R$ 7,2 milhões, o Cecip foi responsável por diversos programas educativos, como o Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, em parceria com o Oi Futuro, para adolescentes e jovens de baixa renda, estudantes da rede pública. Eles recebem formação qualificada em áreas estratégicas da arte e da comunicação: fotografia, vídeo, design gráfico e computação gráfica. Desde 2009, já se formaram 250 jovens. A formatura da quarta turma, com 60 jovens, acontecerá em maio de 2016.
Em Nova Brasília, uma das 14 comunidades do Complexo do Alemão, o Cecip foi o criador e gestor do projeto “A Praça do Conhecimento”, mais tarde rebatizada de “Nave do Conhecimento”. Ali são oferecidos cursos e realizadas atividades de capacitação em novas tecnologias. É garantido livre acesso à internet e são disponibilizados aos moradores recursos multimídia para a produção e difusão de conhecimento, cultura e arte.
Em resposta ao modo participativo de gestão do Cecip, a comunidade se apropriou do projeto, fazendo com que o equipamento público alcançasse plenamente sua finalidade. Uma característica é a intensa participação das crianças em todas as atividades, inclusive como “Coordenadoras Mirins”, ajudando a gerir o espaço e recebendo visitantes, com quem fazem um “tour” pelas instalações. A equipe produziu uma publicação, ilustrada com fotos de alunos e professores, chamada de “Ideias, sonhos e histórias – cultura digital em Nova Brasília”, um relato vivo do que ali se construiu com os moradores e um testemunho do que pode ser feito quando se aposta numa gestão transparente e verdadeiramente participativa.
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É jornalista. Trabalhou no Globo, no Dia, na Folha de S.Paulo e como repórter do Dia Online. Também esteve em assessoria de imprensa, nas áreas de negócios e tecnologia da informação.