Eduardo, de 6 anos, fiscaliza os pais e exige prevenção contra covid-19

Acúmulo de funções deixa a mãe, funcionária pública, depressiva e, muitas vezes perdida, no espaço reduzido da casa na Zona Norte do Rio

Por Lição de Casa | ODS 3ODS 4 • Publicada em 23 de outubro de 2020 - 09:00 • Atualizada em 17 de novembro de 2020 - 09:00

Eduardo entre os pais e com o irmão Valentim: festa em família e vigilância sobre medidas de prevenção (Foto: Arquivo Pessoal)

Bibiana Maia*

A cada compra entregue pelo supermercado, Eduardo Maldaner, de 6 anos, pergunta se os produtos já foram desinfectados. Quando os pais precisam sair do apartamento na Tijuca, bairro de classe média na Zona Norte do Rio de Janeiro, ele pede para que tomem banho assim que retornam. Cativante e desenvolto para tão pouca idade, o menino entendeu rapidamente a gravidade da pandemia, e passou a cobrar dos adultos. Ele está preocupado com o irmão mais novo, Valentim, de 3 anos.

Longe da escola desde março, Eduardo descreve uma montanha-russa de emoções por estar distante dos amigos. “Bom, eu me sinto bravo, também me sinto feliz, e me sinto ansioso”, contou no áudio gravado pela mãe, Gabriela Azevedo, de 30 anos. A funcionária pública e o marido “jogaram limpo” com os filhos desde o início do isolamento social, ao explicar sobre os riscos do coronavírus.

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A doença teve seu primeiro caso confirmado no Rio de Janeiro no dia 5 de março. Uma semana depois, a Prefeitura suspendeu as aulas na rede municipal. O afastamento, que seria de poucos dias, virou seis meses, e segue com intensa discussão sobre os prós e os contras para a retomada. As escolas particulares, em sua maioria, retomaram as aulas, mas algumas instituições voltaram a suspender atividades após registro de casos. A rede pública municipal segue sem previsão de reabertura.

[g1_quote author_name=”Gabriela Azevedo” author_description=”Funcionária pública, sobre o filho Eduardo” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Na hora de dormir, ele não quer ficar sozinho. Entre 1h e 3h da manhã é batata, ele vem para o nosso quarto e dorme até de manhã

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Na família de Eduardo, quatro parentes confirmaram a doença, e uma prima chegou a ser internada. A atmosfera impacta no comportamento dele, o mais preocupado em casa com a pandemia. No início, ele ficou agressivo e arredio. Agora, demonstra insegurança. Quando algo não sai como o planejado, diz a si mesmo que é sempre o pior no que faz. Esse clima todo e a falta da escola, na opinião da mãe, acabam causando a super preocupação do menino durante o dia e o medo durante a noite.

“Na hora de dormir, ele não quer ficar sozinho”, diz a mãe. Eduardo dormia na cama de cima do beliche, mas por causa do medo exagerado os pais colocaram o colchão dele ao lado do irmão. “Entre 1h e 3h da manhã é batata, ele vem para o nosso quarto e dorme até de manhã”, acrescenta Gabriela, que preocupou-se no início mas agora o acolhe na madrugada com a certeza de que no tempo dele isso vai se resolver.

Educação infantil online

Antes da pandemia, a rotina de Gabriela envolvia deixar Valentim na creche e Eduardo no Espaço de Desenvolvimento Infantil Marechal Hermes, em Botafogo, na Zona Sul, para então seguir para o trabalho. Lá, Eduardo estudava em horário integral, com aulas de artes, educação física e atividades pedagógicas voltadas para iniciação à leitura e aos números. Também fazia as refeições na unidade, com café da manhã, almoço e lanche.

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Qual vai ser o emocional dessas crianças quando voltarem? O que a gente vai ter que resgatar neles para seguir em frente?

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A turma de Eduardo é a mesma desde o maternal, e estava este ano sob o comando da professora Ana Paula Teixeira Araújo, de 51 anos, que atua há 20 anos na rede municipal. Eles conviveram por menos de 30 dias letivos até a pandemia se instalar. Ainda assim, a docente é só elogios. “Eduardo é esperto, inteligente e curioso”. O garoto se relacionava bem com todos os colegas e estava sempre contente.  A professora ainda o descreve como uma criança capaz de explicar temas difíceis, como o aquecimento global. Ele é um dos poucos que cumprem as atividades propostas pela professora, apesar das atuais mudanças de humor.

Uma apostila online foi enviada pela Secretaria Municipal de Educação, mas Ana Paula tem passado também vídeos e outros materiais complementares, tentando seguir, na medida do possível, a proposta do projeto pedagógico do ano sobre a água. Mas, em uma turma de 25 crianças, 22 participam do grupo no Whatsapp e, apenas 8 respondem com frequência.

Colocar em prática a Educação Infantil à distância, segundo Ana Paula, é muito difícil. As atividades e o vínculo do professor com o estudante estão muito conectados com uma presença física, diz a professora. “Dá uma sensação de impotência porque eu não pego uma atividade do YouTube que qualquer pessoa fez. Eu pesquiso, tento mandar uma atividade legal”, afirma.  A professora tem uma preocupação no plano de volta às aulas que vai além dos cuidados com prevenção e passa pelo sentimento das crianças. “Qual vai ser o emocional dessas crianças quando voltarem? O que a gente vai ter que resgatar neles para seguir em frente?”, pondera.

Gabriela, entre Eduardo e Valentim: sobrecarregada por tarefas domésticas e profissionais (Foto: Arquivo Pessoal)
Gabriela, entre Eduardo e Valentim: sobrecarregada por tarefas domésticas e profissionais (Foto: Arquivo Pessoal)

Mãe acumula jornadas

Eduardo até consegue cumprir as lições, mas Gabriela se vê sobrecarregada como a maioria das brasileiras. Mulheres com ocupação destinam, semanalmente, 8 horas a mais de tempo que os homens em afazeres domésticos ou cuidados de pessoas. A pesquisa PNAD Contínua, do IBGE, traz dados da jornada feminina, tendo como base o ano de 2019, quando ainda era inimaginável uma pandemia.

Gabriela agora trabalha, cuida dos filhos e da casa, está escrevendo tese de doutorado. Tudo isso em um espaço residencial limitado. O apartamento não tem varanda, não pega sol e as janelas têm vista para outras residências. Aglomerações urbanas que nunca pensaram que viveriam um isolamento social tão rigoroso, por tanto tempo.

Os pais só saem de casa para urgências. Quem está com as crianças usa o espaço do quarto deles e da sala, enquanto o outro trabalha no quarto. A única alternativa, às vezes, é levar os meninos para a garagem do prédio, para que possam correr.

Gabriela também participa do Movimento de Mães, Pais e Responsáveis Pela Escola Pública Municipal Carioca (MovEM-Rio). Perdida entre espaços – ou a falta deles – e tantas obrigações, já houve dias em que ela deitou no chão e começou a chorar. “Sei que tenho um processo depressivo em curso, mas não vai me deixar de cama”, reconhece a mãe, que faz terapia a distância.

O cenário duro, no entanto, não faz Gabriela e o marido, Alisson Maldaner, de 32, que também é servidor público, apoiarem o retorno das crianças às aulas presenciais. Enquanto eles conseguirem trabalhar de casa, preferem ter as crianças no lar. “Não tenho nenhuma intenção que meus filhos pisem este ano na escola de novo, mesmo com todo o estresse que isso traz para a gente, e com a possibilidade de variação no aprendizado”.

*Bibiana Maia

Lição de Casa

Projeto de investigação jornalística (colaborativo e nacional) para acompanhar os impactos da covid-19 na educação brasileira. São 15 jornalistas em dez estados brasileiros. O site http://licaodecasa.org/ foi lançado em dia 15 de setembro de 2020, após seis meses de pandemia.

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