ODS 1
Biodiversidade brasileira para tratamento anticâncer
Pesquisadores da UFC se unem a instituições internacionais para estudar potencial de moléculas extraídas de planta e fungo
Kevin Alencar*
Uma parceria entre a Universidade Federal do Ceará e a Universidade Nacional da Austrália (ANU) pode resultar em uma novo tratamento anticâncer. Com base na exploração do potencial terapêutico de moléculas originárias da biodiversidade brasileira, a pesquisa tem como foco a inibição de células de linhagem leucêmica e de tumores provenientes do câncer de próstata.
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O estudo, nascido da atuação conjunta entre os Programas de Pós-Graduação em Química e em Farmacologia da UFC, por meio do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), avalia como as moléculas chamadas pterocarpano e pisosterol atuam para bloquear o crescimento e a proliferação de células neoplásicas (que sofreram alteração no código genético por conta da doença, perdendo suas características originais).
[g1_quote author_name=”Cláudia do Ó Pessoa” author_description=”Pesquisadora do Laboratório de Oncologia Experimental da Universidade Federal do Ceará” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Sonhamos com um composto natural, de nossa biodiversidade, que possa servir de inspiração como ‘molécula-modelo’ para a indústria nacional
[/g1_quote]O avanço do câncer e a invasão tumoral podem estar relacionados à superexpressão do gene c-MYC: a amplificação desse gene é um dos fatores determinantes da malignidade do tumor. O potencial das moléculas em estudo está justamente no fato de poderem interferir na expressão do gene c-MYC. Tanto o pterocarpano quanto o pisosterol já eram objeto de estudo na UFC, e as análises comprovavam a capacidade antitumoral das moléculas. A partir da parceria internacional, a pesquisa passará à fase de aplicação in vivo, com um modelo estabelecido na instituição australiana que replica a leucemia mieloide aguda em animais e permite validação da atividade das moléculas.
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“[O modelo] usa células geneticamente modificadas dos animais, que expressam proteínas alteradas e translocações [anomalias] comuns nas leucemias humanas”, explica a doutoranda em Farmacologia Sarah Maranhão, cujo estudo com o modelo foi realizado durante doutorado na Austrália, como parte da cooperação internacional estabelecida. “Quando você faz o tratamento do animal com algumas substâncias, você consegue avaliar como a molécula está agindo naquela doença.”
A ideia é não só validar as moléculas em modelo animal, mas também realizar transferência de conhecimento entre as duas instituições, uma vez que a ANU, no âmbito do John Curtin School of Medical Research, é referência nesse modelo de leucemia, o qual poderá ser implementado no Brasil.
“É um modelo nunca estabelecido no País, e nosso laboratório pode se tornar pioneiro na em sua implementação por essa transferência de tecnologia. Dispomos de um biotério de referência que nos permite fazer isso”, lembra a professora Cláudia do Ó Pessoa, pesquisadora do Laboratório de Oncologia Experimental (LOE), do NPDM, onde a pesquisa é realizada.
Biodiversidade brasileira
Característica marcante desse estudo é o fato de tanto o pterocarpano quanto o pisosterol serem moléculas isoladas de produtos da biodiversidade brasileira. O primeiro é proveniente da planta Platymiscium floribundum, conhecida pelos nomes populares de sacambu e jacarandá-do-litoral, típica dos ecossistemas caatinga, cerrado e mata atlântica.
Já o pisosterol é isolado do fungo da espécie Pisolithus tinctorius, comum em diversas partes do Brasil. Sua proliferação está associada a culturas de eucalipto, ocorrendo normalmente em época de chuva. A caracterização da molécula já era feita no Departamento de Química, e o potencial anticâncer passou a ser descoberto com o início da parceria com a Farmacologia.
A professora Cláudia ressalta que a maior parte das drogas anticâncer é oriunda de biodiversidade (cerca de 60%), mas nenhuma das que estão atualmente no mercado advém do Brasil. A expectativa da equipe de pesquisa é que as moléculas estudadas no LOE possam se somar a esse arsenal terapêutico.
Esse é um fator relevante, uma vez que o avanço da pesquisa pode diminuir a dependência brasileira da importação de medicamentos: entre as drogas anticâncer, 90% são importadas. “Sonhamos com um composto natural, de nossa biodiversidade, que possa servir de inspiração como ‘molécula-modelo’ para a indústria nacional”, diz a professora Cláudia.
No processo de exploração das moléculas, a equipe da Química, no Laboratório de Biotecnologia e Síntese Orgânica, tem trabalhado com o desenvolvimento de derivados semissintéticos (ou seja, de síntese química parcial). A ideia é encontrar, a partir de transformações no produto natural, novos compostos que possam apresentar resultados ainda melhores, com uma resposta farmacológica mais eficiente.
“Os produtos gerados na transformação química, que são derivados, passamos para a Farmacologia, para que sejam feitos os testes de toxicidade e possamos ter uma comparação dos resultados com o próprio produto original”, explica a professora Maria da Conceição Oliveira, do Departamento de Química. Ela ressalta ainda o ineditismo da maioria dos compostos sintetizados, descritos pela primeira vez na literatura.
Com a síntese do pisosterol, por exemplo, já foi possível encontrar um composto derivado mais potente, ativo e com toxicidade ainda mais seletiva para células neoplásicas. Na Austrália, espera-se gerar outros derivados não somente das transformações em partes da molécula já analisadas no Brasil, mas também em outras porções, visando a modificações estruturais mais sofisticadas.
Para o pterocarpano, a ideia é aumentar em quantidade a produção da molécula, já que a natureza a produz em pequena quantidade, tornando-a inviável do ponto de vista industrial. Na Austrália, uma síntese total da molécula já foi desenvolvida, mas ainda em escala pequena. “Para os ensaios in vivo, é necessária uma quantidade maior de amostra do produto sintetizado. Vamos gerar uma quantidade maior desse composto através dessa rota sintética preestabelecida pelo grupo australiano”, diz a professora Maria da Conceição.
Outra frente da pesquisa se dá por uma parceria com o British Columbia Cancer Research Centre, do Canadá, onde estudos em nanotecnologia ajudarão no desenvolvimento da melhor forma de apresentação dos compostos, por meio de encapsulamentos com nanoformulações em metais. A ideia é aproveitar o conhecimento já estabelecido pela instituição canadense sobre esse tipo de estudo, promovendo, também, transferência de tecnologia.
A melhora na forma de apresentação das partículas, encapsuladas, pode significar que o desempenho das moléculas será mais satisfatório. “Essas nanopartículas vão ajudar em todo o processo farmacocinético, a começar pelas características de estabilidade e solubilidade dessa droga, e também de administração, distribuição e metabolização”, projeta Cláudia Luciano, doutora em Biotecnologia que também atua no LOE.
Parcerias para pesquisa
Os trabalhos com o pisosterol e com o pterocarpano não são os primeiros a ser realizados pelo LOE, que já vem explorando o potencial de moléculas isoladas da biodiversidade brasileira há quase 20 anos. Exemplo de substância também estudada é a beta-lapachona, que também tem potencial para tratamento de câncer de próstata, extraída do ipê-roxo, árvore comumente encontrada no Brasil.
Foram feitas derivações da substância que pudessem apresentar resultados positivos na resposta contra o câncer, mas diminuindo a toxicidade e os efeitos colaterais naturais da lapachona. Associado ao selênio, o composto passou a ter uma atividade mais seletiva, atingido apenas as células doentes e poupando as normais e saudáveis.
A pesquisa, realizada juntamente com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi finalista da edição de 2019 do prêmio Octavio Frias de Oliveira, promovido pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira, em parceria com o Grupo Folha.
Atualmente, a pesquisa com o pisosterol e com o pterocarpano vem sendo desenvolvida em associação com os Programas de Pós-Graduação em Farmacologia, Química, Ciências Médicas e da Rede Nordeste de Biotecnologia (RENORBIO). A iniciativa é apoiada pelo Programa Institucional de Internacionalização (CAPES/PRINT), que, para esse projeto, tem o Prof. Manoel Odorico Moraes Filho como coordenador e conta com a participação dos professores Arlindo de Alencar Moura e Ronald Feitosa Pinheiro, além das professoras Cláudia Pessoa e Maria da Conceição Oliveira.
Na universidade australiana, a pesquisa tem colaboração dos professores Ross Hannan (John Curtin School of Medical Research) e Martin Banwell (Research School of Chemistry). Na frente de pesquisa com a parceria canadense, colaboram os professores Marcel Bally (British Columbia Cancer Research Centre) e Francisco Washington Nepomuceno, da Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).
*Agência UFC
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]A série #100diasdebalbúrdiafederal terminou, mas o #Colabora vai continuar publicando reportagens para deixar sempre bem claro que pesquisa não é balbúrdia.
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