ODS 1
#RioéRua – O dia dos refugiados na Tijuca
Sucesso do Festival Refugia Rio mostra a cara de um Brasil mais acolhedor apesar de seu governo xenófobo e racista
O feriado de Corpus Christi coincidiu com o Dia Mundial do Refugiado: no pátio do Sesc-Tijuca, um clima de quermesse junina reuniu barraquinhas de comidas típicas, roupas e artesanatos de um punhado de países – africanos, na maioria, mas também centro e sul-americanos e do Oriente Médio – com refugiados morando no Rio de Janeiro. A cidade e o país sempre receberam imigrantes e refugiados, mas nunca tantos. A crise venezuelana provocou uma multiplicação no número de pedidos: de pouco mais de 10 mil em 2016, para 33.886 em 2017, para 80 mil em 2018 – no ano passado, do total, 61 mil pedidos de refúgio de migrantes foram de venezuelanos.
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Veja o que já enviamosNa 3ª edição do Festival Refugia Rio, a presença dos venezuelanos ainda não superou a dos países africanos, maioria como nas edições anteriores, mas já apareceu mais. Havia três barracas com comidas e doces típicos do conflagrado país vizinho. Alejandra, que estava em uma das barracas, mora em uma comunidade da Tijuca. Os venezuelanos estão chegando e ainda não se concentraram em alguma parte da cidade.
Os países da África não são poucos. Os angolanos ainda são a maior comunidades no Rio de Janeiro. E também uma das mais antigas: as primeiras grandes levas de refugiados chegaram com a guerra civil – entre grupos disputando o poder – que se seguiu à guerra da independência em meados da década de 1970. A maior comunidade angolana vive no Complexo da Maré, onde moram também refugiados de Moçambique, de Camarões, do Senegal, de Gâmbia, todos com barracas no Refugia Rio.
Mas a comunidade africana que mais cresce no Rio é a da República Democrática do Congo (ex-Zaire), país palco de sangrenta guerra civil por quase 20 anos. Beth, no Rio de Janeiro há quatro anos, conta que a maioria da comunidade congolesa está concentrada na Zona Norte: Brás de Pina, Barros Filho, Bento Ribeiro, Guadalupe. Por aqui, depois dos venezuelanos, os congoleses rivalizam com os sírios como os grupos de refugiados., que mais crescem. Pelos cálculos da ONU, 700 mil pessoas deixaram o Congo nos últimos anos; cinco milhões fugiram da Síria.
Nas barraquinhas, em clima de festa junina com música africana, as pessoas fizeram fila para comprar peixe frito com banana congolês, cachapa venezuelana, uma panqueca com linguiça e queijo, receita nigeriana com feijão fradinho com banana e camarão, ablo (bolinho de arroz) de Camarões, e, naturalmente, homus, falafel e outras comidas sírias, com as quais estamos mais acostumados. Também fazia sucesso uma fritada vegana da barraca de outro grande grupo de refugiados: do Haiti, de onde vêm levas de imigrantes desde o terremoto de 2010. Jean Louis, entre uma venda e outra, conta que a comunidade haitiana do Rio está concentrada em Jacarepaguá. E garante que é muito bem recebido por aqui.
Pode ser. Pesquisa de opinião do instituto Ipsos, em 26 países, mostrou que o Brasil é mais tolerante do que a média global à entrada de refugiados: perguntados se achavam que o país deveria fechar completamente sua fronteira, 53% dos entrevistados brasileiros discordaram; só 28% defenderam o fechamento total de fronteiras. Foi a segunda menor porcentagem entre os 26 países, atrás apenas do Japão (27%) e ao lado do Chile (também com 28%). Na média geral, 40% dos entrevistados defenderam o fechamento de fronteiras a refugiados.
Infelizmente, o governo não tem o mesmo sentimento. Uma das primeiras decisões de Jair Bolsonaro presidente foi tirar o Brasil do Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular da Organização das Nações Unidas. Bolsonaro é um descendente de migrantes – não somos todos? Um de seus bisavôs nasceu na Itália, outro na Alemanha. Mas a índole de seu governo é xenófoba e racista. Felizmente, nada disso apareceu na tarde do feriado da Tijuca, onde os brasileiros estavam mais parecidos com aqueles da pesquisa e os refugiados pareciam se sentir em casa.
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade
Matéria linda. Um Brasil solidário é o que queremos.