ODS 1
Não é só pelo 1,5ºC
Crescimento econômico deverá ser maior se conseguirmos limitar o aquecimento global
Já há conhecimento suficiente sobre a participação humana no aquecimento global, assim como já se sabe que as mudanças climáticas podem ocasionar danos irreversíveis às espécies e aos ecossistemas, reduzindo sua capacidade de fornecer bens e serviços à sociedade. O recente relatório especial do IPCC que analisa os impactos do aquecimento global de 1,5oC acima dos níveis pré-industriais e as possíveis trajetórias das emissões de gases de efeito estufa mundiais, fornece elementos que deveriam estimular o aumento do nível de ambição dos compromissos nacionais contidos no Acordo de Paris. As reduções das emissões propostas no Acordo não são suficientes para manter a integridade climática, pois o aumento de temperatura seria superior a 30C. Tanto que já está previsto para 2020 uma nova rodada para que os países apresentem novas propostas de redução de suas emissões.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]O colapso que se avizinha não é só pelo aumento de temperatura e os impactos decorrentes no padrão climático, mas principalmente pela desigualdade com que os danos serão distribuídos no mundo
[/g1_quote]Para ficarmos no limite de 1,5oC, o investimento em tecnologias de baixo carbono deverá ser o dobro do que é atualmente e nas próximas duas décadas a exploração de combustíveis fósseis deverá ser um quarto da atual. O aumento da temperatura ficando neste limite, reduzirá o impacto sobre a biodiversidade, que é essencial para a sobrevivência e o desenvolvimento das espécies e a provisão de inúmeros serviços ecossistêmicos necessários para nossa existência, como água e alimentos. Os benefícios em termos de custos de adaptação serão enormes. Quanto maior for o nível de redução das emissões, ou seja, mitigação, menor será a necessidade de adaptação. Teremos que usar, de qualquer forma, as duas estratégias, porém o custo de mitigação é inferior ao da adaptação.
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Veja o que já enviamosNo entanto, mesmo consciente do melhor caminho a trilhar, ações não são realizadas, decisões são postergadas e a cada divulgação de relatório do IPCC nos assombramos com o futuro que nos espera. Além dos inúmeros relatórios científicos sobre mudança climática, estudos na área econômica também alertam para a influência nociva do aquecimento global no desenvolvimento mundial, como o apontado pelos economistas americanos William Nordhaus e Paul Romer, que receberam o Nobel de economia de 2018.
A explicação de que o curto prazo impõe medidas opostas às recomendadas não é suficiente para justificar que caminhemos para um mundo drasticamente mais quente. O colapso que se avizinha não é só pelo aumento de temperatura e os impactos decorrentes no padrão climático, mas principalmente pela desigualdade com que os danos serão distribuídos no mundo. Já se sabe que algumas regiões serão mais afetadas que outras, como países insulares e costeiros, economias dependentes da agricultura também sofrerão mais e países mais pobres com menor capacidade de lidar com eventos extremos e estratégias de adaptação são muito mais vulneráveis. Esta heterogeneidade dos impactos provocará um aumento significativo na tensão mundial. A perda de área agriculturável e de recursos hídricos de vários países fará com que se aumente o fluxo de refugiados em busca de melhores condições para sobrevivência, provocando reações nacionalistas e xenófobas daqueles que se sentem ameaçados.
Dito isso, o caminho que se seguirá é uma escolha nossa. A mensagem contida neste último relatório especial do IPCC de que o crescimento econômico mundial deverá ser maior se conseguirmos nos limitar ao aumento de 1,5oC do que no caso de um aumento de 2o C ou mais, deveria sensibilizar os países a tomarem medidas mais urgentes de mitigação.
Só que não…
Então, talvez o reconhecimento de que o risco que o mundo irá enfrentar não é só pelo 1,50C, provoque uma maior mobilização.
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Engenheira mecânica com doutorado em engenharia de produção. Professora da COPPE/UFRJ, presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudança Climática e coordenadora do Fundo Verde da UFRJ.