Dislexia carioca

Não é falta de educação, trata-se uma condição médica e merece cuidado

Por Leo Aversa | ODS 4 • Publicada em 3 de maio de 2016 - 08:00 • Atualizada em 3 de maio de 2016 - 11:32

“Proibido fechar cruzamento”. Um goiano, um paranaense ou um capixaba, ao ler essa placa, concluiria que deve-se parar fora do quadriculado. O carioca apenas lê: “hkqfvg qwfzvg sqprygjac”
“Proibido fechar cruzamento”. Um goiano ou um capixaba, ao ler essa placa, concluiria que deve-se parar fora do quadriculado. O carioca apenas lê: “hkqfvg qwfzvg sqprygjac”
“Proibido fechar cruzamento”. Um goiano ou um capixaba, ao ler essa placa, concluiria que deve-se parar fora do quadriculado. O carioca apenas lê: “hkqfvg qwfzvg sqprygjac”

A dislexia é um distúrbio genético no qual a pessoa não consegue decodificar palavras ou fonemas. Apesar de ser objeto de muitas pesquisas ainda não há consenso de como surge. É uma síndrome cercada de mistérios.

Aqui no Rio de Janeiro, talvez por algum tipo de combinação entre temperatura e umidade ou, mais provavelmente, pelo excesso de biscoito Globo e mate com limão, apareceu um tipo muito particular desse distúrbio, a dislexia carioca. Suas manifestações são bem características.

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Com o tempo, o forasteiro aprende a conviver com esses distúrbios, não mais se importando com o trânsito, o horário ou mesmo a educação. Com essa paisagem e essas praias quem liga para detalhes?

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O carioca vê um relógio. O que para outras pessoas, sejam amazonenses, gaúchos ou paulistas significa um aparelho que serve para marcar as horas, para o habitante deste balneário é uma confusão de números desordenados que não fazem nenhum sentido. Você manda uma mensagem escrita “Reunião às 16:00”. O que o carioca vê é “Egvuqd df 1jh:xc”. Em função disso ele poderá chegar tanto às 17:00 como às 23:00 ou simplesmente não chegar. E quanto mais você tentar avisá-lo sobre o horário será pior, só aumenta a confusão. Para tentar contornar essa limitação é que o carioca inventou expressões como “tô chegando”, “saindo de casa” ou “bróder, tá um engarrafamento foda na Lagoa”.

O carioca está no carro e vê um quadriculado amarelo no asfalto entre duas ruas e uma placa escrita: “Proibido fechar cruzamento”. Onde um goiano, um paranaense ou um capixaba concluiria que deve-se parar fora do quadriculado, o carioca apenas lê: “hkqfvg qwfzvg sqprygjac”. De onde, com notável sagacidade, conclui que amarelo é uma cor bonita, pois lembra sol e onde tem sol tem praia então ele para o automóvel exatamente em cima das linhas amarelas, que é para lembrar da praia do fim de semana. E se tiver um pardal com câmera ele até acena solícito, achando que é para uma coluna social. O carioca é, acima de tudo, adorável.

A dislexia também se manifesta em palavras específicas, que nem precisam estar escritas, são os fonemas que não conseguem ser decodificados pela mente cevada a chope e galeto. Quando você diz “Bom dia”, um piauiense, um mineiro ou um baiano responderão “Bom dia!”. Aqui no Rio não é tão simples. Você diz bom dia mas o carioca entende “Kyw gtd!” ou “Vcd ytw!”, então ele apenas sorrirá intrigado. O mais provável é que ele fique mudo, esperando algo compreensível ser dito. Poupe seu tempo, dispense as boas maneiras e vá direto ao ponto, é o que recomendam os especialistas.

Com o tempo, o forasteiro aprende a conviver com esses distúrbios, não mais se importando com o trânsito, o horário ou mesmo a educação. Com essa paisagem e essas praias quem liga para detalhes? O problema é que, talvez pelo aquecimento do clima ou a presença de limões transgênicos na caipirinha, esses distúrbios neurológicos vêm aumentando. Tem o daltonismo semafórico, que faz com que o carioca não consiga distinguir as cores verde e vermelho se elas estiverem num sinal de trânsito e tem a dislalia rústica, essa uma praga pior que a Zika, que faz com que o nativo não consiga pronunciar as palavras “obrigado” e “por favor”.

O que ao resto do país pode parecer falta de civilidade e má-educação é na verdade uma condição médica que merece toda atenção e cuidado. O próprio prefeito da cidade, que também sofre desse mal (não consegue decodificar as palavras onda e ressaca) está tentando transformar a dislexia nativa em patrimônio imaterial do Rio de Janeiro

Os cariocas não sabem como agradecer.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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15 comentários “Dislexia carioca

  1. Marcus Pires disse:

    Não sei por onde esse cidadão passou mas certamente não foi Rio de Janeiro! Impressionante como um texto odiento como esse foi publicado no site de um projeto tão interessante. Em poucas palavras foram despejados inúmeros preconceitos contra os cariocas. Sou nascido e criado no Rio de Janeiro e sei que existem pessoas mal educadas como em qualquer estado do país, mas generalizar desta forma simplista é no mínimo leviano. O que me leva inclusive a duvidar da integridade e isenção dos colunistas que escrevem para o Colabora!

    • Danilo disse:

      Concordo que é errado generalizar. Mas o texto está cheio de verdades, muitos são mal educados, querem trabalhar mas não querem trabalho, pensam apenas no próprio umbigo. Uma grande parte não sabe viver em sociedade, não pensa no bem comum, depredam patrimônio público e privado, motoristas de ônibus não veem passageiros que os aguardam, motoristas de taxi acham que você quer fazer um toor pela cidade e não apenas ser levado ao destino solicitado, taxistas que adulteram taxímetro, garçons que acham que estão lhe fazendo um favor ao te atender. São tantas coisas… Gostaria que fosse diferente, pois a cidade é maravilhosa porém viver nela é bem complicado, e a beleza acaba se escondendo atrás dos inúmeros problemas que grande parte dos cariocas causam.

  2. Marcia disse:

    O carioca é um estado de espírito, não precisa nascer no Rio pra se sentir carioca. Esse rapaz com certeza não teve boas experiências no Rio. Que pena, lamento sinceramente que algo que possa ter desagradado tanto a ponto de se vestir de preconceito e rancor com cariocas e/ou Rio de Janeiro. Se adaptar a essa cidade linda e verdadeiramente MARAVILHOSA é pra poucos, é pra quem consegue VER, enxergar amor,e beleza ,e magia ,e simplicidade, e luta até no ar que respira….. Ser carioca é ter luz no coração apara aplaudir o sol mesmo quando ele vai dormir e agradecer todos os dias sermos carioca!

  3. Clarissa disse:

    Desconfie de quem se sentiu ofendido…! Texto muito engraçado! De fato, é o que vemos todos os dias…Mas, vamos melhorando..não desistam de nós!!!rs :* :*

  4. Wan disse:

    Sou carioca da Barra da Tijuca e concordo com tudo o que ele disse pois é uma boa síntese do que vejo na cidade todos os dias. Eu costumo dar bom dia no condomínio onde moro mas raramente sou respondido.
    O aviso de proibido fechar cruzamento é algo que os cariocas realmente não entendem.
    Urinar na rua, som alto nos carros, crianças que gritam os amigos ao invés de chamar pelo interfone e por aí vai. Olha que tenho como referência um bairro de classe média.

    Eu moraria fora do Brasil? Com certeza.
    Eu moraria em outro cidade do Brasil? Nunca.

    Rio é Rio my brothers!!!

  5. renata disse:

    Sou nascida criada e sempre morei no rio. Por mais que tenha muita gente que não é assim, é assim que me sinto também. Desrespeitada todo dia.

  6. Vitor disse:

    Aos Cariocas que acham que ele é de outro estado, me parece que ele é Carioca. Então ele esta se auto avaliando, fenômeno raro por aqui também…

  7. FlavioCaf disse:

    Sou Carioca, já morei no Paraná e atualmente em Brasília. Trabalho viajando bastante pelo Brasil. Muito do que o texto fala é verdade… e esta epidemia está contaminando vários outros estados no país… Para o bem e para o mal, grande parte dos brasileiros estão com estes sintomas…. Não se iludam, com maior ou menor manifestação, brasileiros de qualquer cidade cidade, tem sua porção carioca…. Não esquecendo: para o bem e para o mal….

  8. Edinaldo Faria disse:

    Primeiro te elogiar tecnicamente. Um primor de redação, sutileza e criatividade.
    Agora ao teor do texto: Tudo que você fala de defeitos dos cariocas existem e eu percebi em todas as grandes cidades brasileiras. Mas em nenhum lugar tudo é tão vastamente avolumado como no RJ. E acho que o modus operandi carioca está contaminando todo o país através da Globosta!!
    Parabéns!!

  9. Verônica disse:

    Acho que o autor do texto jamais morou fora do RJ por muito tempo. Já morei em salvador, Bh e agora moro em SP. A falta de educação é generalizada. Brasileiro não é cordial, principalmente nas capitais ou cidades grandes. Aqui em SP tb fecham cruzamento e por diversas vezes não os vi ligarem a seta. Acho q vem quebrado este item nos carros do paulistas. E o que dizer dos motoboys? Seria um capítulo á parte. Toda a pessoa gosta de defender seu local e transferindo para os outros os problemas, mas morem no mínimo por 1 ano em cada capital e perceberão o q digo.

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