Linguagem de reparação: menção do termo quilombola em texto da COP30 perde força

Proposta foi defendida pelo Brasil, mas Austrália, Reino Unido e União Europeia se juntaram para inviabilizar o consenso na inclusão no Plano de Ação de Gênero

Por Liana Melo | ODS 13
Publicada em 19 de novembro de 2025 - 09:42  -  Atualizada em 19 de novembro de 2025 - 10:05
Tempo de leitura: 5 min

Quilombolas no encontro “Criadores de refúgio, guardiões do futuro” na COP30: menção do termo quilombola em texto da COP30 perde força (Foto: Liana Melo)

(Belém, Pará) – Era grande a expectativa de que a menção a afrodescendentes no Plano de Ação de Gênero fosse aprovada, após aparecer em um dos rascunhos que passou de mão em mão nas mesas de negociação da COP30. Se confirmada, aumentaria as chances de o termo constar da Meta Global de Adaptação, prevista no Acordo de Paris. Mas, nesta terça (18/11), a proposta sofreu um revés, após Austrália, Reino Unido e União Europeia bloquearem a inclusão da proposta no documento da Conferência do Clima. O recuo minou as esperanças de um anúncio ser feito até quinta (20/11), Dia da Consciência Negra.

O Brasil liderou na Cúpula dos Líderes a inclusão dos afrodescendentes como povo étnico nos documentos oficiais da COP30. Imediatamente recebeu o apoio da Colômbia, que, no ano passado, havia protagonizado um marco histórico para os afrodescendentes ao incluir o reconhecimento oficial do termo nos documentos da Convenção sobre Diversidade Biológica, a COP16.

“Estamos extremamente preocupados porque, nessas duas semanas, estamos negociando sem parar para o termo ser incluído nos textos da COP30”, contou Gregoria Jiménez Amaya, da Coalizão Internacional dos Povos Afrodescendentes da América Latina e do Caribe (Citafro).

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A entidade representa mais de 200 milhões de pessoas espalhadas por 16 países, entre eles o Brasil. A principal demanda da Citafro na COP30 é o reconhecimento dos povos afrodescendentes como guardiões do meio ambiente e atores centrais na luta climática. “Ainda temos a expectativa de fazer algum tipo de negociação com os países que não querem nos incluir”, disse Amaya.

Antes do recuo desse trio de países era grande a possibilidade de, pela primeira vez, o termo afrodescendente ser reconhecido na conferência da ONU sobre clima.

Um estudo do Geledés – Instituto da Mulher Negra feito em parceria com o Centro de Pesquisa Aplicada em Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) concluiu que, no período de 1992 a 2025, apenas 23% dos documentos da ONU mencionavam explicitamente afrodescendente.

Mais do que um documento, é um chamado para que o país e o mundo reconheçam o protagonismo dos povos quilombolas e afrodescendentes

Biko Rodrigues
Articulador político do Conaq

A pesquisa “A raça e o gênero da justiça climática: mapeando desigualdades na normativa global” analisou 115 documentos multilaterais provenientes de 34 espaços institucionais, incluindo órgãos da ONU, como a UNFCCC, o IPCC, o Conselho de Direitos Humanos e a Assembleia Geral, além de organismos regionais e blocos de cooperação, como os Brics e o G20.

A pesquisa revelou “a persistente invisibilidade dessa população nas políticas e instrumentos internacionais, principalmente considerando que a coleta privilegiou documentos que tratam da dimensão racial, ou seja, mapeamento dos precedentes e não das controvérsias das agências internacionais”. A defesa do termo afrodescendente, continua o texto da pesquisa, emerge deste cenário como uma “linguagem de reparação.”

Guardiões quilombolas

O Brasil tem 494 territórios quilombolas e ocupam 3,8 milhões de hectares no país, ou seja, 0,5% do território nacional. De 1985 a 2022, esses territórios perderam aproximadamente 4,7% de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 17%, segundo dados do MapBiomas. Nos territórios quilombolas titulados, a redução da mata nativa foi ainda menor: 3,2%.

Às vésperas da COP30, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) anunciou a NDC Quilombola. O documento apresenta o potencial climático dos territórios quilombolas: somente nas áreas já mapeadas ou delimitadas, o estoque de carbono chegou a 1 bilhão de toneladas.

“Sem justiça racial e territorial, não há justiça climática. O Brasil só cumprirá suas metas se os quilombos forem reconhecidos como aliados estratégicos da transformação ecológica”, diz trecho do documento.

“Mais do que um documento, é um chamado para que o país e o mundo reconheçam o protagonismo dos povos quilombolas e afrodescendentes”, comentou Biko Rodrigues, articulador político da Conaq, acrescentando que “não há justiça climática, sem território titulado.”

Entre as medidas apresentadas na NDC quilombola, o documento reivindica que 40% dos recursos climáticos, tanto nacionais quanto internacionais, sejam destinados diretamente às comunidades quilombolas.

Não é de hoje que a União Europeia se coloca frontalmente contra a menção do termo quilombola nos documentos da ONU. O coordenador de Política e Programas na ActionAid Brasil, Júnior Aleixo, lembrou que durante a COP16 da Biodiversidade o bloco tentou de tudo para impedir a inclusão do termo no texto final. “Só recuou depois de ser denunciado pelos movimentos sociais e governos”, contou.

 

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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