ODS 1
Presidente da Fepal sobre Gaza: “É um genocídio contra a humanidade”


Ualid Rabah defende uma mobilização ampla para frear Israel. Pesquisadores israelenses também reconhecem genocídio


Genocídio. Esta não é uma palavra banal, escrevê-la ou pronunciá-la demanda assumir responsabilidade correspondente com seu peso. Com a voz firme e o olhar compenetrado, Ualid Rabah enfatiza: “esse genocídio não é contra os palestinos, é contra a humanidade”. Ao longo de sua exposição em debate na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o presidente da Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal) tentou dimensionar o que acontece na Faixa de Gaza e as imagens de crianças esquálidas, pessoas mortas em filas de ajuda humanitária e bombardeios em hospitais, entre outros crimes contra a humanidade.
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Empresário natural de Toledo (PR), Ualid é filho de pai e mãe palestinos e possui uma trajetória de mais de 40 anos de atuação em defesa da causa palestina. “Esse é o nosso trabalho, enquanto diáspora, construir a ideia nas pessoas de que a Palestina precisa ser libertada, de que lá há um regime de apartheid e um genocídio”, destaca, sobre a atuação da Fepal para mobilizar o apoio da comunidade brasileira.
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Veja o que já enviamosEm Santa Maria, Ualid encontrou membros da comunidade palestina local e participou do debate “Palestina Livre”, organizado pelo Comitê Organizado de Solidariedade ao Povo Palestino de Santa Maria e pela vereadora Helen Cabral (PT). Para ele, esses espaços servem para sensibilizar e mobilizar. “É nesse contato que nós fazemos que a grande diferença de conquista de pessoas acontece”.
Esse processo de reconhecimento pode levar a um conjunto de novas ações coordenadas de frear esse genocídio
Ao longo de sua exposição e em entrevista ao #Colabora, Ualid Rabah mencionou algumas das ações que caracterizam o genocídio em Gaza, parte delas descritas também em relatório da Comissão de Inquérito Independente do Conselho de Direitos Humanos da ONU. “Destruir hospitais, matar profissionais de saúde, agentes da ONU, profissionais da defesa civil e exterminar jornalistas significa apagar indícios e provas do genocídio”, aponta o presidente da Fepal.
Ualid defende que a discussão sobre o que acontece na Faixa de Gaza precisa levar em consideração o histórico de violências coloniais de Israel. Ele também abordou a necessidade de levar a questão palestina para multidões, a exemplo do que ocorreu na Itália e na Espanha, quando milhares protestaram nas ruas em solidariedade ao povo palestino.


Contexto e reconhecimentos
Segundo dados da Fepal, até 1° de outubro, mais de 78 mil palestinos foram assassinados e cerca de 11,2 mil seguiam desaparecidos sob escombros, o que corresponde a 3,52% da demografia de Gaza até outubro de 2023, quando teve início o mais recente episódio de um conflito que começou em 1948, com a chamada Nakba. A palavra significa desastre ou catástrofe e é utilizada para se referir à guerra árabe-israelense que terminou com o deslocamento de 700 mil palestinos de suas casas, parte do projeto da Assembleia Geral das Nações Unidas para criar dois estados no território: um palestino e um israelense.
Dados do Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, indicam que a maioria dos mortos são crianças e mulheres. Além disso, desde o estopim do novo conflito em 7 de outubro de 2023, quando o grupo radical atacou Israel – matando 1.200 pessoas e sequestrando outras 251 – mais de 1,9 milhão de pessoas tiveram que se deslocar de seus lares, o equivalente a mais de 80% da população total da Faixa de Gaza, segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos.
Recentemente, Reino Unido, França, Canadá, Austrália e Portugal se juntaram ao grupo de mais de 140 países que reconhecem o Estado Palestino. “Esse processo de reconhecimento pode levar a um conjunto de novas ações coordenadas de frear esse genocídio”, aponta Ualid. Para ele, também é necessário adotar ações práticas, por exemplo, com o rompimento de relações diplomáticas do Brasil com Israel e a constituição de uma força de paz para intervir no território.
Global Sumud Flotilha
“Eles não estão indo com armas. Não são pessoas que, por ventura, participaram de alguma guerra em qualquer canto do mundo. Estão levando única e exclusivamente ajuda humanitária. Se Israel impede eles de chegarem, isso demonstra para o mundo que Israel está impedindo pessoas desarmadas de levar ajuda humanitária”, afirma Ualid Rabah, sobre a Flotilha Global Sumud, coalizão independente que tenta furar o bloqueio imposto por Israel e o controle de auxílio humanitário à Gaza.
A Flotilha Global Sumud é a quarta e maior tentativa de desafiar o bloqueio israelense. A iniciativa conta com cerca de 50 embarcações e mais de 500 tripulantes, incluindo ativistas como a sueca Greta Thunberg e o brasileiro Thiago Ávila. Ualid Rabah criticou os silenciamentos de parte da mídia tradicional brasileira em relação aos ataques sofridos pela flotilha anterior, interceptada por drones e soldados israelenses.
“Na flotilha anterior, que era muito menor, Israel assaltou os barcos. E o Fantástico, da Globo, que foi no domingo do assalto e sequestro dos tripulantes, disse que Israel estava verificando se havia armas ou munições nos barcos. Não informaram que não havia”, disse Ualid. Segundo ele, uma das frentes de atuação da Fepal está em mostrar as incoerências na cobertura midiática sobre o conflito. Nesta quarta-feira (01/10), algumas das embarcações da flotilha foram interceptadas pelas forças militares de Israel e os sistemas de comunicação com as tripulação pararam de funcionar.


Dois estados?
Em relação à criação e coexistência entre um Estado Palestino e o Estado de Israel, Ualid ressalta que essa possibilidade foi minada pelo avanço do sionismo e da extrema-direita israelense, o que inviabilizou a sequência do Acordo de Oslo II, assinado em 1993 entre o governo israelense e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e que previa o autogoverno palestino e um caminho para um acordo de paz definitivo.
Para o presidente da Fepal, de nada adianta a criação de dois estados e a inauguração de um regime de Apartheid e a continuidade da opressão colonial. Por isso, a reivindicação é por uma Palestina Livre do Rio ao Mar, ou seja, pela interrupção da colonização israelense no território e o respeito ao que estabelecem as convenções da ONU sobre o direito internacional.
“Se isso tudo se realizar em um ou dois estados – ou 700 – pouco importa. O que acontece é que, se isso realmente for implementado, a questão geográfica se torna menos importante e, no futuro, as coisas também caminharão para uma territorialidade em que as duas demografias, a estrangeira israelense e a originária palestina, vivam num ambiente de civilidade, legalidade internacional e soberanias respeitadas, sem Apartheid, supremacismo e nenhum outro tipo de discriminação e opressão colonial. É claro que, para isso, Israel precisará também ser mudada e não pode ser uma potência bélica. Israel não pode ter armas nucleares, químicas e biológicas”, complementa Ualid.
Escritores israelenses e o genocídio
O termo genocídio foi criado pelo advogado judeu polonês Raphael Lemkin, diante dos massacres do regime nazista contra o povo judeu, resultando no extermínio de cerca de seis milhões de pessoas. Segundo a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, esse crime contra a humanidade se caracteriza pela intenção deliberada de destruir um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, o que inclui matar, sujeitar a condições de vida degradantes, como a fome, e impedir nascimentos.
Em evento na Universidade de São Paulo (USP), o historiador israelense Ilan Pappe pontuou a importância de nomear a limpeza étnica que acontece em Gaza e na Palestina. “Chamar os atos praticados pelo estado de Israel desde outubro de 2023 como genocídio é uma contribuição importante para que a gente enderece o assunto, usando a linguagem correta, não apenas sobre o que aconteceu nos últimos dois anos, mas o que aconteceu nos últimos 140 anos”.
“Por anos, recusei-me a usar esta palavra: ‘genocídio’. Mas agora não posso deixar de usá-la, depois do que li nos jornais, das imagens que vi e de falar com as pessoas que estiveram lá”, afirmou o escritor e jornalista israelense David Grossman, em entrevista ao jornal italiano la Repubblica.
Ex-soldado israelense e professor de estudos sobre genocídio na Universidade Brown, nos Estados, Omer Bartov também classifica com o que acontece em Gaza como a tentativa deliberada de exterminar um povo. “O horror que estamos vendo agora em Gaza é devastador e, ao mesmo tempo, previsível. Porque tudo isso é, em última análise, resultado de décadas e décadas de ocupação e opressão”, disse, em entrevista à BBC News Mundo.
Lançada neste mês de setembro pelo artista uruguaio Jorge Drexler, a canção “El fin e el medio” ajuda a explicar o que significa um genocídio contra a humanidade, independente de quem sejam as vítimas. Na tradução para o português: “Não há um só fim que justifique qualquer meio / Um dano é um dano / Do verbo danificar / Todos os danos são danos centrais / Uma criança é uma criança / Não existem danos colaterais”.
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.