ODS 1
É devagar que se vive
O que a cidade mais ‘workaholic’ do país vem fazendo para desacelerar a rotina
O fim do dia se aproxima em um domingo ensolarado paulistano. Na Praça do Pôr do Sol as pessoas vão chegando aos poucos, devagarzinho, após o almoço. Quando o céu já está alaranjado, aquela bola de fogo começa a se esconder detrás de uma linha de edifícios traçada no horizonte. A praça, no privilegiado bairro Alto de Pinheiros, está ocupada com grupos de pessoas sentadas na grama ou em cadeiras de praia. É muita gente em busca de paz naquela área com árvores remanescentes da Mata Atlântica: ali caberiam cinco campos de futebol.
[g1_quote author_name=”Eduardo Cordeiro” author_description=”Do projeto Desacelera SP” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]É preciso repensar as pequenas coisas, o estilo de vida, as poucas horas de folga que temos. As pessoas precisam olhar para dentro delas mesmas. O essencial é a pessoa se convencer primeiro sobre a necessidade de mudar. O ganho que isso traz é transformador.
[/g1_quote]Como o próprio nome do bairro sugere, dali do alto se pode apreciar a cidade de pedra, que de longe não parece tão rígida e fria. É um show diário que tem sua concentração de público nos fins de semana. O paulistano encontra cada vez mais nichos para desacelerar. Lugares onde consegue desarmar estas bombas relógios da ansiedade.
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Veja o que já enviamosUm casal adepto do Movimento Slow criou o projeto Desacelera SP. Uma de suas principais ações é um mapa colaborativo de lugares da Pauliceia Desvairada onde as pessoas podem repensar sua relação com o tempo e o ritmo alucinado de suas vidas. Este movimento global começou há 30 anos. O Slow Food, por exemplo, nascia como reação a redes de fast food na Europa. O livro “Devagar”, do francês Carl Honoré (São Paulo: Record, 2005), é uma das referências teóricas deste movimento, famoso também pela atuação com as crianças.
“A nossa ideia é valorizar os lugares que priorizam a convivência afetiva. O mapa identifica em São Paulo, por exemplo, os locais que não apenas se interessam em vender seus produtos, mas proporcionar experiências diferentes”, conta Eduardo Cordeiro, especialista em turismo, dono de uma consultoria de comunicação e educação, junto com a mulher, a jornalista Michele Prazeres. Com sua experiência profissional, Michele escreve resenhas afetivas dos locais que descobre e publica no website do projeto e na página do Facebook, que entraram no ar em março. Agora eles se preparam para criar eventos, palestras cursos, oficinas e feiras. Tudo com o objetivo de ensinar o paulistano a colocar o pé no freio e repensar suas prioridades.
“É preciso repensar as pequenas coisas, o estilo de vida, as poucas horas de folga que temos. As pessoas precisam olhar para dentro delas mesmas. O essencial é a pessoa se convencer primeiro sobre a necessidade de mudar. O ganho que isso traz é transformador”, explicou Cordeiro, que pretende abrir um braço do movimento no Rio de Janeiro também, o Desacelera RJ.
Ele conta que às vezes se depara com workaholics que dizem: “Não quero mudar. Sou feliz assim”. Tudo bem. Não é preciso fazer mudanças radicais, mas apenas refletir sobre o pouco tempo livre que a pessoa tem. “O que a gente faz é a aplicação do Movimento Slow aqui de acordo com cada um”, disse. A pressa, por exemplo, faz com que a gente despreze uma refeição com tranquilidade, não dê tempo para uma conversa longa e proveitosa com um amigo.
No mapa do Desacelera SP está a Jardins Plantas e Flores, no centro da cidade. Com suas bromélias e violetas em vasos artesanais, a loja não é uma floricultura qualquer. A atmosfera aconchegante foi criada para incentivar que os clientes fiquem à vontade e muitos aproveitam para bater papo com os donos, um casal. As conversas vão além das dicas de como regar e acabam lembrando sessões de análises. “Você entra lá e percebe que é diferente até nos cartões das dedicatórias, que são digitados na máquina de escrever, escritos especialmente para cada cliente. Tem muita alma ali”, conta Cordeiro.
A livraria Zaccara, tocada sozinha por outro casal, sem funcionários, também entrou para a lista: um local perfeito para uma boa leitura, prosa, com café e bolo. No andar de baixo de um sobrado no bairro de Perdizes há uma área verde com mesinhas. Cada dia é feito um bolo diferente, o acompanhamento perfeito do café. Em cima, uma sala de leitura aconchegante. Os clientes são convidados a aproveitar o tempo ali mergulhados em cultura. Sem pressa. Os donos gostam de bater papo e interagir com as pessoas. Todas as semanas há exposições, saraus, grupos de leitura e debates.
A Banca Tatuí, no bairro central de Santa Cecília, é um dos exemplos mais criativos. Três jornalistas compraram uma banca de jornal e a transformaram em um ponto de cultura alternativa: um local onde o cliente pode passar a tarde conversando e folheando os livros e quadrinhos que nunca achariam em outro lugar. Amigos arquitetos repaginaram a banca: por dentro ela é recheada de módulos de madeira que sugerem uma sala de estar. Há até uma cadeira de balanço. É fácil passar uma tarde ali. De quebra, no final do dia muitas vezes há shows com bandas que tocam no teto, que foi reforçado. São shows que anunciam o lançamento de um livro novo da editora alternativa do grupo, a Lote 42. Cada milímetro de espaço foi aproveitado.
Priscila Fraguas, que trabalha em uma produtora de vídeos, se inspirou no Desacelera SP para criar, com seu celular, um curta metragem: “Urbanus”. O vídeo mostra que mesmo na correria cotidiana é possível parar e observar os outros e a si mesmo. É devagar que se vive.
Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).
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