E quando pudermos dar download nos pensamentos?

Essa e outras controvérsias de um empreendedor e, ao mesmo tempo, crítico da Inteligência Artificial

Por Adriana Barsotti | ODS 15Vida Sustentável • Publicada em 1 de setembro de 2017 - 20:43 • Atualizada em 4 de setembro de 2017 - 13:13

O episódio "The entire history of you", da série Black Mirror: o personagem rebobina a sua vida. Foto Divulgação
Tobby Kebbell, no episódio “The entire history of you”, da série Black Mirror: personagem interpretado pelo ator rebobina sua vida. Foto: Divulgação

Como promover e, ao mesmo tempo, combater a Inteligência Artificial? A contradição é perfeitamente possível para Elon Musk, o dono da Tesla Motors, empresa que fabrica carros autônomos, e da SpaceX, que pretende levar a vida humana a outros planetas. Musk, conhecido por ser um visionário e pop star na mídia, fundou, em março de 2017, a Neuralink, que permitirá a qualquer  humano dar download ou upload em seus pensamentos a partir de e para qualquer dispositivo, tornando a fala e a escrita, de certa forma, obsoletas. Por meio do implante de eletrodos em nossos cérebros, nossa capacidade cognitiva seria ampliada, atingindo a perfeição.

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Acho que as pessoas que são negativas estão tentando martelar esses cenários apocalípticos. De certa forma, acho até irresponsável. Se você está argumentando contra a AI, então você está argumentando contra carros mais seguros que podem evitar acidentes e diagnósticos mais precisos sobre doenças

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A Neuralink foi fundada com o registro de empresa de pesquisa médica na Califórnia. Inicialmente, a ideia é que a tecnologia seja aplicada para melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiências (como autismo) e vítimas de tumores e doenças como o mal de Alzheimer. Na vida real, já há o registro de experiências médicas de implantes de chips bem-sucedidas em benefício humano. Em 2016, o paciente tetraplégico Ian Burkhart conseguiu realizar movimentos com uma mão robótica graças a um chip implantado em seu cérebro, que converte os sinais cerebrais em ações motoras. Mas a visão da Neuralink é mais ousada: dentro de cerca de dez anos, o “cérebro perfeito” estaria disponível a todos os seres humanos. É claro que isso envolve questões éticas e depende de  regulação da medicina, uma vez que envolveria cirurgias para o implante dos eletrodos.

Elon Musk, CEO da Tesla, investe em Inteligência Artificial, mas teme uso bélico. Foto: Brendan Smialowski/AFP

A essa altura, você já deve estar perplexo como os espectadores da antológica série de ficção científica britânica Black Mirror, do Netflix. No episódio “The entire history of you”, o último da primeira temporada, o protagonista consegue rever tudo o que fez, viu e ouviu por meio de um dispositivo implantado atrás da orelha. Essas memórias podem ser reproduzidas na frente de seus próprios olhos ou em uma tela. É através dele que o  advogado do episódio, interpretado por Tobby Kebbell, descobre a traição da mulher.

A ideia, assim como outras tantas do seriado futurista, pareceu absurda e ameaçadora para muitos espectadores. E a Inteligência Artificial assusta o próprio Musk, dependendo dos fins para os quais ela será utilizada. Junto com outros 115 especialistas em robótica e inteligência artificial, o fundador da Tesla assinou uma petição encaminhada à ONU solicitando a proibição do desenvolvimento de robôs dedicados à guerra. Entre os signatários, estavam o cientista Stephen Hawking e Steve Wozniak, cofundador da Apple. Os especialistas advertem na carta sobre a possibilidade de uma “terceira revolução bélica” com a utilização de equipes não tripuladas. O fundador da Tesla Motors  já vinha alertando acerca dos perigos sobre o uso bélico da Inteligência Artificial. “Até que as pessoas não vejam robôs matando gente na rua não entenderão os perigos da inteligência artificial”, disse, em encontro com governadores americanos. Já há um grupo de especialistas na ONU dedicados ao tema diante dos avanços para uso militar da IA. A marinha norte-americana, por exemplo, contará em breve em sua frota com um navio autônomo, o Sea Hunter, um navio não tripulado que poderá disparar ataques à distância sem riscos de baixas.

As advertências sobre a Inteligência Artificial vêm justamente de um de seus maiores incentivadores. Antes de fundar a Neuralink, o próprio Musk já vinha estimulando as pesquisas na área. Em 2015, por exemplo, ele doou US$ 10 milhões para o Future of Life Institute, com o objetivo de estimular as pesquisas de Inteligência Artificial em benefício da humanidade. Em 2016, deu um passo à frente. Fundou, junto com a Deep Mind, do Google, a empresa de pesquisa Open AI, para garantir o acesso livre às pesquisas do setor. Recentemente, a Open AI anunciou que estava trabalhando em um software para evitar que os robôs, com os quais a humanidade convive há cinco séculos, se rebelem contra os humanos.  Basicamente, o trabalho consiste em abastecer o programa com insights humanos. Uma demonstração da força dos algoritmos da Open AI foi dada recentemente quando o programa venceu jogadores de game profissionais no  Internacional Dota 2 Championship (veja vídeo acima). O segredo? O robô foi treinado com jogadores profissionais.

Logo após a vitória, considerada superior à do robô Deep Blue, da IBM, que venceu o campeão mundial de xadrez Gary Kasparov, em 1997, Musk foi para o Twitter comemorar. Entretanto, advertiu: “Se você não está preocupado com a segurança da Inteligência Artificial, deveria. É altamente mais arriscado que a Coreia do Norte”, publicou o CEO da Tesla.  “No final, as máquinas vencerão”, confirmando o que acabara de acontecer no campeonato de game.

Mark Zuckerberg criticou a visão de Musk, em conferência do Facebook: empresa também investe pesadamente em Inteligência Artificial. Foto: Justin Sullivan/AFP

Pura contradição? Para alguns, sim. O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, cuja empresa trabalha no desenvolvimento de tecnologia não-invasiva para transformar os pensamentos em texto, recentemente se envolveu numa treta com Musk. Perguntado, numa conferência transmitida ao vivo pelo Facebook, sobre os alertas do CEO da Tesla quanto à Inteligência Artificial, ele disparou: “Acho que as pessoas que são negativas estão tentando martelar esses cenários apocalípticos”. “De certa forma, acho até irresponsável”, completou. “Se você está argumentando contra a AI, então você está argumentando contra carros mais seguros que podem evitar acidentes e diagnósticos mais precisos sobre doenças”. A resposta de Musk veio pelo Twitter : “Já conversei com Mark sobre isso. A compreensão dele sobre o tema é limitada”, devolveu.

Para Musk, não há contradição: a saída estaria na regulação da Inteligência Artificial. Mas há quem ache que ela seria ineficaz agora. Fundador e diretor do laboratório de Computação e Inteligência Artificial do MIT, Rodney Brooks afirma que a  inteligência artificial não está desenvolvida a ponto de ser uma ameaça e que fazer uma legislação agora talvez fosse inútil para o futuro, quando a tecnologia estaria mais desenvolvida .

Plateia assiste à disputa do campeão mundial de xadrez Garry Kasparov contra o computador Deep Blue, da IBM. Foto: Stan Honda/AFP
Adriana Barsotti

É jornalista com experiência nas redações de O Estado de S.Paulo, IstoÉ e O Globo, onde ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo com a série de reportagens “A história secreta da Guerrilha do Araguaia”. Pelo #Colabora, foi vencedora do Prêmio Vladimir Herzog, em 2019, na categoria multimídia, com a série "Sem Direitos: o rosto da exclusão social no Brasil", em um pool jornalístico com a Amazônia Real e a Ponte Jornalismo. Professora Adjunta do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs), na Universidade Federal Fluminense (UFF), é autora dos livros “Jornalista em mutação: do cão de guarda ao mobilizador de audiência” e "Uma história da primeira página: do grito no papel ao silêncio no jornalismo em rede". É colaboradora no #Colabora e acredita (muito!) no futuro da profissão.

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