Basta dar uma volta na rua, entrar num shopping, ônibus, van escolar e constatar. Pessoas absorvidas pelas telas de seus celulares estão por toda a parte. E elas são cada vez mais jovens, crianças pequenas, inclusive. Sem entrar no mérito sobre a falta que faz o contato olho no olho, o fato é que o uso excessivo da visão de perto (utilizada quando estamos grudados nas pequenas telas de nossos smartphones) tem trazido consequências preocupantes para a população em geral. A miopia é a consequência mais frequente. E especialistas alertam: essa deficiência – que dificulta a visualização de objetos que estão longe, causada pelo aumento anormal do olho – tem se manifestado cada vez mais precocemente, tornando-se também mais intensa.
[g1_quote author_name=”Simone Cerveira” author_description=”Oftalmopediatra” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Toda semana faço diagnóstico de miopia em jovens e crianças pequenas sem histórico familiar. O uso do smartphone não é novo, mas o abuso tem se tornado a regra nos últimos anos, em idades cada vez menores
[/g1_quote]“Com o uso excessivo de celulares, estamos dando a informação para nosso cérebro de que necessitamos mais da visão de perto do que da de longe. A consequência disso é que nosso olho tem se alongado e a população está mais míope. Recebo cada vez mais crianças em meu consultório com essa deficiência. Crianças de quatro anos com dois graus de miopia. E aí o risco de progressão é muito maior. Com o aumento médio de um grau e meio por ano, imagine onde pode chegar”, alerta Fabíola Franco, do Centro de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo (Cope), um centro de referência do Rio de Janeiro.
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Veja o que já enviamos“Toda semana faço diagnóstico de miopia em jovens e crianças pequenas sem histórico familiar”, diz a oftalmopediatra Simone Cerveira. “O uso do smartphone não é novo, mas o abuso tem se tornado a regra nos últimos anos, em idades cada vez menores”, diz.
Não são poucos os problemas que o uso excessivo da visão de perto pode causar. Outro dia levei um susto. Meu filho de dez anos, João, chegou da escola e disse: “Mãe, preciso usar óculos, não estou enxergando nada”. Como não está enxergando nada? Assim, de repente? Não era possível, pensei. Acompanho o dia-a-dia do meu filho e ele é submetido a exames oftalmológicos anualmente. Confesso que pensei que poderia se tratar de um exagero típico de irmão mais velho que acaba de ganhar um bebê em casa. Ele me mostrava palavras com letras enormes – títulos de livros e placas de trânsito, por exemplo – e dizia: “Está vendo isso aqui?, não sei o que está escrito, está tudo borrado”. Fiquei preocupada, claro. Marquei imediatamente uma consulta com uma oftalmo, achando aquilo tudo muito estranho. Será que era uma coisa mais séria? Como pode isso acontecer da noite para o dia? Será que havia batido com a cabeça e nem lembrava?
Fabíola Franco diagnosticou João com vista cansada pelo excesso de uso de aparelhos eletrônicos. Vista cansada! Uma criança de 10 anos! João não tem telefone celular justamente porque nossa família optou por adiar ao máximo a fusão da criança com o telefone. No entanto, não faz muito tempo, ganhou um computador e, embora estejamos sempre tentando controlar seu tempo de permanência diante da tela, o hábito de assistir aos vídeos no Youtube e de jogar minecratf acabaram provocando vista cansada e dores de cabeça.
A doutora foi taxativa: “Tem que fazer uma dieta radical, uma semana sem Youtube, sem contato com celular, computador, nada”. A ideia era ver se a visão voltava ao normal. O que aconteceu, graças a Deus, depois de mais uma semana inteira de abstinência, totalizando 14 dias sem eletrônicos (ele sofreu mas se acostumou). E agora terá que fazer uma espécie de fisioterapia para restabelecer o músculo ciliar, que faz a acomodação para visão de perto e de longe. Foi um susto e um aprendizado. Não tem jeito, estamos, sim, imersos num mundo repleto de tecnologia, não queremos que nossos filhos sejam ETs e analógicos (impossível!, desnecessário!), mas as crianças podem e devem ser poupadas. Quem quiser achar que é exagero que ache, mas eu vou seguir a orientação da doutora Fabíola: “Limitar ao máximo o uso de eletrônicos (uma hora por dia) e privilegiar as atividades ao ar livre”. O curioso é que esse sempre foi meu discurso e já tínhamos um teto de uma hora estabelecido em nossa casa. No entanto, parece que estávamos vigiando pouco essa “uma hora”. Agora, utilizamos alarme. Tudo para não voltar a ficar sem enxergar.
[g1_quote author_name=”Fabíola Franco” author_description=”Médica do Centro de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Com o uso excessivo de celulares, estamos dando a informação para nosso cérebro de que necessitamos mais da visão de perto do que de longe. A consequência disso é que nosso olho tem se alongado e a população está mais míope
[/g1_quote]“Tenho observado estes casos apenas nos últimos cinco anos. Como tenho vinte anos de oftalmologia, acredito que os novos hábitos, sim, estejam causando a vista cansada”, diz Simone.
“O uso exagerado de computadores , celulares e tablets tanto podem gerar a fadiga do músculo como predispor em outras crianças o aparecimento da miopia”, diz Fabíola. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em 2050, a miopia afetará quase 50% da população mundial. Para as crianças o remédio é simples: mais atividades ao ar livre, já que brincando fora de casa, praticamente não utilizam a visão de perto. Tem mais. Crianças com até dois anos não devem brincar com eletrônicos, sobretudo celulares.
Especialistas alertam: é necessário limitar o uso dos eletrônicos pois a visão de perto já é superestimulada nas escolas, onde passa-se cada vez mais tempo. “Atualmente a rotina é puxada. Aprende-se a ler mais cedo do que antigamente e até os desenhos educativos estimulam esta precocidade. Quando vão se divertir, crianças de hoje costumam preferir atividades dentro de casa com telas em geral: TV, tablet ou smartphone. E muitos pais acabam não impondo limite de tempo pois com o auxílio destes aparelhos elas ficam quietas e ainda aprendem (muitos são indiscutivelmente educativos)”, diz Simone.
Temos que estar atentos. E aceitar que celular não é coisa para criança. “Recomendo que elas não utilizem os smartphones. Sugiro, quando realmente precisarem (em um restaurante com longa espera, uma consulta demorada ou uma viagem comprida), que optem pelos tablets, que são maiores. Quanto menor o dispositivo pior, pois maior será o esforço acomodativo que o olho fará. O melhor é dar preferência para brinquedos e revistas de passatempo. E em casa utilizar dispositivos associados à tela maior, da televisão. O caso dos adolescentes é ainda mais difícil. Mas temos a vantagem de eles conseguirem entender, ao menos em parte, a nossa preocupação”, diz Fabíola.
E se o problema é exagerar na leitura de perto, o que pode prejudicar mais a visão: a leitura de um livro ou de conteúdo em celular, tablets e similares? “No final das contas tem o mesmo efeito, mas não podemos desestimular a leitura. E é improvável que alguém – sobretudo uma criança – fique horas lendo um livro; a gente lê, descansa um pouco, volta. Mas no computador ou celular a atração é maior (principalmente quando se trata de joguinhos) e as crianças ficam tempo demais, caso não haja um adulto por perto para oferecer outro tipo de estímulo. Os equipamentos eletrônicos ainda emitem luz azul, o que pode, com o tempo, danificar a retina”, diz.
Embora possa parecer que estamos remando contra a maré, pais atentos e dispostos a criar um ambiente saudável para os filhos não devem desistir. O advento da tecnologia invadindo nossas casas pode ser muito interessante e facilitador, mas traz com ele conseqüências que podem ser irreversíveis e desastrosas para nossos pequenos. Não custa nada quebrar paradigmas, sair do piloto automático e abrir o olho. Dar o exemplo pode ser o melhor remédio. Menos celular, jogos eletrônicos, mais contato e presença. Se seu filho se desesperar e perguntar como fez o meu: “Mas o que vou fazer agora sem meu computador?”, experimente mostrar a ele que entende sua angústia, dê um abraço bem apertado e – sem dar muito tempo para pensar – leve-o para um passeio de bicicleta.
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