Braskem: Engenheiro diz que limite da área de extração foi desrespeitado

Desde 2010, Abel Galindo denuncia riscos de extração de sal-gema em Maceió; 60 mil pessoas desalojadas de suas casas vivem drama na capital alagoana

Por Adriana Amâncio | ODS 9 • Publicada em 12 de dezembro de 2023 - 09:40 • Atualizada em 19 de dezembro de 2023 - 09:52

Moradores protestam contra o tratamento dado pela empresa às famílias afetadas. Foto Fernanda Luz/AGIF via AFP

Moradores protestam contra o tratamento dado pela empresa às famílias afetadas. Foto Fernanda Luz/AGIF via AFP

Desde 2010, Abel Galindo denuncia riscos de extração de sal-gema em Maceió; 60 mil pessoas desalojadas de suas casas vivem drama na capital alagoana

Por Adriana Amâncio | ODS 9 • Publicada em 12 de dezembro de 2023 - 09:40 • Atualizada em 19 de dezembro de 2023 - 09:52

Na madrugada do dia 30 de novembro, o procurador do Trabalho Cássio Araújo, de 59 anos, morador do bairro Pinheiro, na zona Oeste de Maceió, capital de Alagoas, há 51 anos, recebeu pelo celular uma ligação da polícia, dizendo que tinha uma ordem judicial para removê-lo. “Às 2 horas da madrugada ligam pra mim, perguntaram se eu estava em casa, eu disse que não, perguntaram se tinha mais alguém em casa, eu respondi que não. Mesmo assim, invadiram a minha casa. Depois selaram e disseram que eu não podia mais entrar”, relembra o procurador, que faz parte de uma das 23 famílias ainda remanescentes numa área afetada pelas rachaduras provocadas pela mina da Braskem.

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Cássio conta que, ao retornar ao bairro, encontrou a casa fechada, com os seus móveis dentro: “As únicas roupas que eu fiquei foram a do corpo e a que estava na mala, já que eu estava viajando”, desabafa. O procurador afirma que passou uma semana sem dormir e com perturbações emocionais devido à forma abrupta como tudo aconteceu: “Foi puro abuso de autoridade! Se a intenção era me proteger e se eu disse que não estava em casa, bastava lacrar [a casa] e pronto”, comenta.

Ele conta que se recusou a aceitar o acordo da Braskem porque os R$ 1.000,00 oferecidos para o custeio do aluguel não eram suficientes para alugar um imóvel do mesmo porte: “A minha casa tem sete quartos, quatro banheiros. Eu teria que complementar com R$ 1.500,00 para alugar uma casa igual, então, eu não aceitei”, explica. Hoje, ele vive no bairro de Pajuçara, em outra casa própria, enquanto aguarda o desfecho do acordo com a mineradora.

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Além do bairro Pinheiro, foram afetados os bairros Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. Essas áreas vêm apresentando, desde 2010, rachaduras nas casas e ruas e, em 2018, houve um abalo sísmico de 2,4 graus na Escala de Magnitude Regional do Brasil. Especialistas asseguram que os efeitos de hoje não surgiram da noite para o dia, resultam da atividade de mineração sem respeito aos limites de segurança. No total, 60 mil moradores de Maceió foram retirados de suas casas.

O engenheiro civil Abel Galindo, especialista em Geotecnia e ex-professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal),  alertou, logo no início das atividades da Braskem há mais de uma década, para os riscos da exploração do sal-gema: “Eu sempre soube que grandes perfurações, atividades de minas podem causar problemas onde elas estão. Além disso, não se faz atividade de mineração em área urbana”, observa.

Por causa da sua formação em geotecnia e atuação com fundações, que envolve a estrutura de edificações, em 2010 ele foi chamado para investigar as rachaduras que surgiram nas ruas e nas casas de bairros próximos à mina 18. Após análise, mesmo fazendo reforço na estrutura de algumas delas, em 2016 o problema retornou. Foi aí que ele associou as rachaduras às consequências da forma de mineração realizada pela Braskem.

Eu sempre soube que grandes perfurações, atividades de minas podem causar problemas onde ela está. Além disso, não se faz atividade de mineração em área urbana

Abel Galindo
Engenheiro Civil e especialista em Geotecnia

Três anos mais tarde, em 2019, a divulgação do relatório do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), após nove meses de investigação na área, atestou as impressões de Galindo. Uma delas, explica ele, é o desrespeito ao limite do diâmetro da caverna onde é feita a extração do sal-gema.

“Segundo as imagens do sonar, um equipamento que possui uma câmera pequena que é introduzida no tubo até à caverna e filma toda a sua dimensão, essa caverna da mina 18 estava com 82 metros de diâmetro e 100 metros de altura. O limite de extração era de 60 metros. Quando você excede esse limite, o teto da caverna não suporta, ele desaba”, explica o especialista. Na imagem acima, produzida pelo Sonar Wire, é possível ver uma reprodução de diâmetro da caverna da mina 18.

Acima da camada de sal-gema existem várias outras camadas de rocha. À medida que o teto não sustenta, “essas camadas podem desabar com muito volume de material”, explica o engenheiro. A extração do sal-gema é feita com a introdução de dois tubos para alcançar a profundidade onde está o minério. Geralmente, ele se localiza entre 950 e 1000 metros de profundidade. A espessura da camada de sal-gema possui, em média, 250 metros.

Um dos tubos, que mede 12 centímetros, perfura o solo e, uma vez que só alcança profundidade se estiver refrigerado, é injetada água em seu interior. Quando o tubo chega na base da camada, um jato lança água sob pressão no sentido horizontal, o que faz com que o sal gema vire salmoura e seja extraído pelo segundo tubo, que mede 30 centímetros.

O avanço da extração forma cavernas subterrâneas, que possuem diversas camadas de rocha por cima. Justamente o limite de diâmetro desta caverna, que foi excedido em relação ao projeto original, fez com que o teto perdesse sustentação, segundo Galindo.

Em sua conclusão, o relatório do CPRM afirmou ter encontrado desestabilização das cavernas provocadas pela extração do sal-gema. Isso causou a halocinese, ou seja, movimentação do sal. Como consequência, aponta o documento, houve subsidência, ou seja, afundamento do solo e deformações na superfície.

Ainda segundo o documento, as erosões provocadas pelo afundamento do solo estavam sendo agravadas pelo aumento da infiltração da água da chuva, acentuada pela “falta de uma rede de drenagem pluvial e de saneamento básico”, conclui o documento.

Fachadas impermeabilizadas nos bairros Pinheiro e Mutange, em Maceió, onde cerca de 60 mil moradores deixaram a área em 2018 e 2019. Foto Fernanda Luz/AGIF via AFP
Fachadas impermeabilizadas nos bairros Pinheiro e Mutange, em Maceió, onde cerca de 60 mil moradores deixaram a área em 2018 e 2019. Foto Fernanda Luz/AGIF via AFP

Bairro do Pinheiro é o mais afetado

O relatório do Serviço Geológico revela que a região leste do bairro do Pinheiro é a mais afetada pelo desastre ambiental urbano. É neste local que Marcilene Lopes, de 63 anos, mora, desde a década de 80, com as irmãs. Uma delas é cadeirante: “Quando a minha mãe estava grávida dela [da irmã] sofreu eclâmpsia, que deixou sequelas. Ela andou com sete meses, nunca falou e teve um problema na rótula que a deixou numa cadeira de rodas”, explica.

O apartamento onde Lena, como Marcilene é conhecida, e as irmãs vivem é todo adaptado para garantir acessibilidade à irmã. Após o terremoto de 2018, Marcilene foi notificada para sair do apartamento e recebeu uma proposta da Braskem para vender o imóvel.

A busca por um outro lar não era simples, demandava que o local estivesse adaptado para garantir o acesso de cadeira de rodas ao banheiro ou quartos, por exemplo. “A Braskem não estava nem aí para essa necessidade. Não houve tratamento diferenciado para a minha irmã. A advogada [da Braskem] exigia um laudo, mas não tinha um médico que quisesse emitir esse laudo”, relembra.

Até que o processo de acordo fosse concluído, Lena e as irmãs alugaram um apartamento, tendo que complementar o valor do aluguel, pois os R$ 1 mil oferecidos pela Braskem, como parte do acordo de reparação, eram insuficientes.

A família possuía outros três apartamentos na área, avaliados em R$ 320 mil cada, afirma Lena. Esse foi o valor, segundo ela, apontado pelo avaliador federal contratado pela família. “A Braskem nos pagou R$ 185 mil pelos três [apartamentos] e mais R$ 45 mil por custos cartoriais e danos morais. Como a dona do apartamento que alugamos pôs o imóvel à venda por R$ 280 mil, nós pedimos um empréstimo para complementar o valor e comprá-lo”, explica.

No início dos anos 80, a sociedade civil organizada já havia ido às ruas para protestar contra a exploração do sal-gema. Foto Acervo Regina Dulce Barbosa Ufal BDF Pernambuco

Bairros isolados

O comerciante Valdemir Alves, de 52 anos, nasceu no bairro Flexal de Cima, a 1.500 metros da área onde houve o colapso. A sua fonte de renda vinha da venda de cosméticos e da limpeza de estofados, cujos clientes eram majoritariamente do bairro vizinho, Bebedouro, que foi desocupado.

“Depois que removeram [os moradores] de Bebedouro, acabou tudo, eu fali. Hoje, eu não consigo vender R$ 800, os clientes foram embora, agora, vivo apenas do Bolsa Família”, desabafa. Com a pouca renda, Valdemir sobrevive com a esposa, tendo que pagar água e luz . “Eu gostaria de vender essa casa, mas ninguém quer comprar. O imóvel perdeu o valor”, lamenta. O ex-comerciante afirma que o bairro ficou isolado: “Nenhum motorista de aplicativo quer entrar aqui”, se queixa.

Valdemir diz que sonha com o dia em que “a justiça enxergue que os mais prejudicados são os mais pobres”. Ele conta que, há quatro anos, vive uma angústia: “Eu tenho vizinhos que morreram, porque entraram no remédio controlado, no total desespero. É uma pobreza material, mas se a pessoa não tiver Deus, vira uma pobreza espiritual”, desabafa.

Mudança de capital e aumento da produção

A descoberta do sal-gema em Maceió ocorreu na década de 40, em meio às prospecções de petróleo realizadas pelo Conselho Nacional de Petróleo (CNP). A informação consta em uma linha histórica da pesquisa “Análise sobre os Impactos da Atividade Extrativa Mineral de Sal-Gema, em Maceió/Al”, desenvolvida na Ufal. Mais tarde, em 1965, o empresário baiano Euvaldo Freire obteve uma licença na Agência Nacional de Mineração para realizar pesquisas na área.

Levando em conta que a extração de sal-gema demanda alto investimento para a aquisição de maquinário, Euvaldo se dedicou a prospectar recursos. Neste momento, a história de estatização da empresa, chamada Salgema S/A, tem início. Ela recebe recursos da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e traça a sua primeira meta de extração: 100 mil toneladas por ano de soda cáustica.

Em 1971, a empresa, recebe um novo aporte do Governo Federal, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e o seu capital duplica, chegando a US$ 140 milhões. Essa estatização estava no escopo do projeto do governo do General Garrastazu Médici. Em 1975, o empresário Euvaldo vende as suas ações, por não conseguir acompanhar o aporte da empresa. Por sua vez, a Petroquisa, empresa subsidiária da Petrobrás para o setor petroquímico, junto com multinacional Du Pont, passam a dividir o controle acionário da empresa

A extração de sal-gema nas proximidades da Lagoa Mundaú, local onde, hoje, há um risco de abertura de uma cratera no solo, tem início em 1976. Quatro anos mais tarde, nos anos 80, essa extração é duplicada sob protestos. Em plena ditadura militar, membros da Sociedade Alagoana de Direitos Humanos do Instituto de Arquitetos do Brasil, Diretórios estudantis e a Federação das Associações de Moradores de Alagoas foram às ruas contra o projeto de extração de sal-gema

Com a abertura do mercado e o processo de desestatização, impulsionadas pelo governo Collor, na década de 90, o capital privado volta a ter maior protagonismo na exploração do sal-gema. O grupo Odebrecht assume o controle do negócio que deixa de chamar sal-gema e passa a se chamar Trikem.

Em 2002, a Braskem assume a extração de sal-gema. Líder na América Latina, além de unidades industriais e escritórios em todo o Brasil, ela possui bases nos Estados Unidos e Argentina. De acordo com a pesquisa, hoje, o capital total da Braskem está dividido da seguinte maneira: 38,8% controlados pela Novonor, nome que o Grupo Odebrecht, em 2020, 36,1% Petrobras e 25,% está sob o controle de outros acionários.

O professor Abel Galindo observa que por volta dos anos 2000 houve a ampliação da área de extração do sal-gema: “Eles acharam que essa medida de 60 metros estava muito conservadora e começaram a aumentar para 65, 70, 80 metros”, observa.

Área da mina 18 da Braskem às margens da lagoa: ameaça ambiental (Foto: Defesa Civil de Alagoas)

Lagoa Mundaú pode ser afetada

A reportagem do #Colabora fez contato com o pesquisador e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Emerson Soares para saber se em um eventual colapso da mina 18, a Lagoa Mundaú poderá ser afetada. Segundo ele, foram coletadas amostras da água que estão passando por análise nos laboratórios da universidade: “Nós acompanhamos 140 parâmetros da Lagoa, portanto qualquer alteração, podemos constatar”, observa.

O pesquisador trouxe duas preocupações com um eventual colapso da mina 18, onde está localizada a jazida de sal-gema: “Havendo a ruptura, o cloreto de sódio, vai se misturar à água e dependendo da quantidade pode afetar os animais. Outro ponto é que a Lagoa é bastante poluída por agroquímicos, por exemplo. Havendo a ruptura, esses compostos vão se misturar a outros compostos, podendo formar moléculas que afetem os animais”, alerta. O pesquisador não deu previsão sobre a divulgação do resultado das análises da coleta.

No momento em que fechamos essa reportagem, uma fonte nos enviou um vídeo do exato instante em que uma parte da mina 18, localizada no leito da Lagoa Mundaú rompeu. As imagens mostram o movimento intenso das águas. Uma vez que o material da mina é formado por cloreto de sódio, esse material deve ser lançado no leito do curso hídrico, o que eleva a salinidade do local. Até o momento, não sabemos se esse rompimento pode afetar as espécies animais da lagoa.

A reportagem do #Colabora fez contato com assessoria da Braskem para saber sobre o limite da caverna da mina 18, que foi excedido em 22 metros, como aponta o engenheiro Abel Galindo. Também perguntamos sobre quais condições a empresa adota nos casos de famílias afetadas que tenham pessoas com deficiência, como é o caso da irmã da Marcilene Lopes. Até o fechamento desta reportagem, a empresa não nos deu resposta. Também procuramos a Defesa Civil para saber a abordagem na remoção do morador do bairro do Pinheiro Cássio Araújo, que denunciou ter tido a casa invadida, sem que ele estivesse presente. O órgão também não atendeu ao nosso contato até fecharmos essa reportagem.

Adriana Amâncio

Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.

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