Avanços, recuos e desafios do país do futuro

Em um Brasil historicamente desigual, economia cresce menos do que poderia e país segue preso na armadilha da renda média

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 9 • Publicada em 16 de maio de 2022 - 09:02 • Atualizada em 29 de outubro de 2022 - 10:58

Arte Claudio Duarte

Arte Claudio Duarte

Em um Brasil historicamente desigual, economia cresce menos do que poderia e país segue preso na armadilha da renda média

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 9 • Publicada em 16 de maio de 2022 - 09:02 • Atualizada em 29 de outubro de 2022 - 10:58

“Brasil, País do Futuro”

Stefan Zweig (1881-1942)

“O Brasil é um adiamento infinito”

Nelson Rodrigues (1912-1980)

O Brasil tem muitas razões para comemorar os 200 anos da Independência, mas também tem diversos motivos para se preocupar com o que deixou de ser realizado e com tudo que ainda falta fazer. Comparando o ano de 1822 com o ano de 2022 os avanços sociais são significativos e inquestionáveis nas mais diversas áreas.

O crescimento demoeconômico foi marcante. O gráfico abaixo mostra que, entre 1822 e 2022, a população brasileira cresceu 46,3 vezes, o PIB cresceu 704 vezes e a renda per capita cresceu 15,2 vezes. Ou seja, a economia cresceu bem mais do que a população e o brasileiro médio passou a embolsar em um mês o que se demorava 1 ano e 3 meses para ganhar na época do Grito do Ipiranga.

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Evidentemente, os ganhos econômicos nunca foram repartidos de forma equitativa. Apesar disto, não se pode desconsiderar a comparação da renda per capita em decorrência das desigualdades sociais, pois estas têm sido uma constante na história do país. O Brasil era um país pobre e desigual em 1822, continuou sendo um país desigual, mas passou para o clube de renda média em 2022.

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Para além do rendimento, outros indicadores expressam melhor os expressivos avanços sociais nestes 200 anos de Independência. Primeiro, cabe destacar que o Brasil demorou, mas colocou fim à escravidão oficial em 1888. O país era predominantemente rural e agrário e se tornou uma sociedade urbana, industrial e de serviços. A mortalidade na infância girava em torno de 400 mortes para cada mil nascimentos no início do século XIX e caiu para menos de 20 por mil atualmente. A expectativa de vida ao nascer estava em torno de 25 anos e passou para cerca de 75 anos. Mais de 90% da população era completamente analfabeta e o analfabetismo caiu para menos de 10%. Não havia universidade na Colônia e no Império. As ruas do Rio de Janeiro eram iluminadas com o óleo das baleias caçadas cruelmente nas pedras do Arpoador. Não existia luz elétrica, muito menos todos os bens de consumo duráveis que utilizam a eletricidade. A lista de mudanças é interminável.

Todavia, quando se compara a posição relativa do Brasil no mundo, as melhorias não foram tão expressivas, além do desenvolvimento nacional ter perdido ritmo diante do progresso internacional, nas últimas quadro décadas. O ponto mais preocupante é que, tanto no Brasil quanto no mundo, os indicadores ambientais só regrediram, uma vez que o progresso humano tem sido construído com base no retrocesso ecológico (nessa série dos 200 anos, as questões do meio ambiente serão tratadas em um outro artigo).

O gráfico abaixo mostra – com base nos dados do projeto Maddison (2020) e nas estimativas do FMI – que o Brasil iniciou uma trajetória de crescimento demoeconômico de longo prazo, após 1822, e a despeito de pequenas oscilações, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu mais do que o PIB mundial até 1980, colocando o país entre as 10 maiores economias do mundo. O Brasil parecia ter um destino brilhante pela frente, no rumo de se tornar uma grande potência no futuro.

Sem embargo, a partir de 1981, a curva se inverteu e o país começou a crescer, consistentemente, abaixo da média da economia mundial. O pico da participação brasileira foi de 3,1% no PIB mundial em 1980. Devido à grande recessão econômica ocorrida no governo Figueiredo, entre 1981 e 1983, a participação relativa caiu para 2,6% e voltou a subir no restante do século, atingindo 2,8% no ano 2000. Na primeira década do século XXI houve uma recuperação e em 2011 o Brasil voltou ao patamar de 3,1% do PIB global. A partir de então, a trajetória de declínio se acentuou e o Brasil chegou a 2,4% do PIB mundial na data do bicentenário da Independência.

Assim, em 4 décadas, o PIB brasileiro encolheu em termos relativos. O país apresentou maior volume do PIB em termos absolutos, mas cresceu menos do que a economia internacional. Por este motivo, se diz que o Brasil era um país emergente, entre 1822 e 1980, quando crescia acima da média global e aumentava o seu peso econômico na comunidade das nações. Mas a partir de 1981 passou a ser um país submergente, pois passou a crescer estruturalmente menos que a média mundial, diminuindo de tamanho relativo. O mundo, liderado pelos países emergentes (especialmente China e Índia) tem acelerado o crescimento econômico, enquanto o Brasil tem desacelerado e perdido fôlego.

O gráfico abaixo, com dados do FMI, confirma que, após 1980, o PIB brasileiro passou a crescer menos, não só em relação à média mundial, mas especialmente em relação aos países emergentes. Na década de 1980 a diferença foi pequena. Na década de 1990 os países emergentes cresceram em ritmo duas vezes superior ao ritmo brasileiro. A década 2000-09 foi a que apresentou maior crescimento para todos. Na década 2010-19 houve uma desaceleração geral, mas com uma queda maior no Brasil. No atual período, 2020-27, o mundo e os países emergentes devem crescer em ritmo um pouco mais lento, embora o Brasil deva continuar apresentando crescimento minguado quando comparado com a média mundial e a média dos países emergentes.

As razões da armadilha do baixo crescimento econômico brasileiro são múltiplas e variadas. Um aspecto inegável que ajuda a compreender a letargia econômica brasileira, está nas baixas taxas de poupança e investimento. O gráfico abaixo, também com dados do FMI, mostra que o Mundo tinha taxas de poupança e investimento em torno de 24% do PIB entre 1980 e 2014 e o Brasil em torno de 19% do PIB (uma diferença de 5 pontos percentuais).

Menores taxas de poupança e investimento significam menor Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) e menores taxas de emprego e geração de renda. O quadro precisaria mudar. Mas o que estava ruim piorou entre 2015 e as projeções para 2027, pois as estimativas das taxas de investimento e poupança do mundo subiram para cerca de 27% do PIB, enquanto as taxas do Brasil caíram para cerca de 16% do PIB (uma diferença de 11 pontos). Qualquer valor da taxa de investimento abaixo de 20% do PIB é suficiente apenas para repor a depreciação do capital fixo e da infraestrutura e insuficiente para garantir o caminho para elevar o índice de desenvolvimento humano.

Se a comparação for feita com os países emergentes da Ásia a diferença é ainda maior, já que as taxas de investimento estão acima de 30% do PIB em países como Vietnã e Índia e chegaram a ultrapassar 45% do PIB na China, o que ajuda a explicar o sucesso chinês e asiático na redução da pobreza e no aumento da produtividade da economia.

Todos estes números mostram que o PIB brasileiro crescia mais do que o restante do mundo entre 1822 e 1980 e passou a crescer menos do que a média mundial após 1981. O novo governo brasileiro, que será empossado a partir de janeiro de 2023, terá dificuldade para reverter este processo, pois o país tem elevados déficits fiscais e sociais e uma dívida pública bruta que se aproxima de 100% do PIB. Recuperar a capacidade de investimento é fundamental para gerar emprego e renda e para investir na transição energética e na restauração dos ecossistemas. O Brasil precisa voltar a crescer, mas não nos padrões anteriores. O crescimento no século XXI terá que ser socialmente inclusivo e ecologicamente sustentável, com ações voltadas para uma economia de baixo carbono e com decrescimento das atividades mais poluidoras.

Há 81 anos, o escritor austríaco Stefan Zweig publicou o livro “Brasil, País do Futuro” (em 1941) e este título virou quase uma aspiração nacional. De fato, parecia que o Brasil estava no rumo correto do progresso e avançava em termos absolutos e relativos. O maior país da América Latina deixou de ser um país pobre, para se tornar uma nação de renda média e parecia que caminhava para se tornar um país rico, de renda alta, pelo menos em paridade com o nível alcançado por Portugal e Espanha. Porém, a engrenagem emperrou e o país corre o risco de ficar preso na “armadilha da renda média”.

Desta maneira, o otimismo de Stefan Zweig tem sido, na prática, substituído por visões mais pessimistas. Por exemplo, diante da tendência generalizada de procrastinar as soluções dos problemas nacionais, Nelson Rodrigues, ainda na década de 1960, escreveu: “Reparem: Ninguém aqui se mexe. Há todo um Brasil por fazer. Sim, todos os dias, o Brasil espera que nós o façamos. E nem os intelectuais, nem os políticos, nem os líderes, nem os estudantes, ninguém move uma palha, ninguém tira uma cadeira do lugar. O Brasil é um adiamento infinito”.

De fato, somos um país ciclotímico. Otimismo e pessimismo fazem parte da história nacional. É comum o Brasil ser retratado de maneira contrastante, por um lado sendo pintado com tintas idílicas e edênicas, e por outro, apontado como um lugar selvagem, exótico, caótico e moroso. Em geral, essas duas perspectivas convivem e se alternam no humor nacional e internacional. A visão paradisíaca do “Brasil, país do futuro” de Stefan Zweig se alterna com a perspectiva do purgatório de um Brasil destinado a “um adiamento infinito”, na crítica de Nelson Rodrigues.

Em suma, o Brasil é um país de grande potencial, mas com baixa efetividade real, além de viver momentos difíceis, abalado por perturbadores ventos contrários. Não obstante, se os problemas do passado condicionam as perspectivas de curto e médio prazo, existem possibilidades para se construir esperançosas alternativas no horizonte de longo prazo. Neste sentido, o futuro é uma página em branco ainda por ser preenchida, pelo menos, até o tricentenário da Independência.

Para viabilizar o lema positivista “amor, ordem e progresso” (parcialmente escrito na bandeira nacional), o essencial é definir o caminho de ida e a meta de chegada. Alcançar o bem-estar humano e ambiental pode ser uma tarefa difícil, mas não é um sonho impossível.  O aclamado filósofo chinês, Confúcio (551 – 479 a. C.), costumava dizer: “Você não pode mudar o vento, mas pode ajustar as velas do barco para chegar aonde quer”.

Referências:

RODRIGUES, Nelson. A Cabra Vadia: novas confissões. 3° edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016. p. 321

MADDISON, A. Maddison Project Database 2020, Groningen Growth and Development Centre, 2020.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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